quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Augusto Frederico Schmidt: um poeta na cena política

Plínio Fraga, jornalista de o Globo, publica uma extensa reportagem intitulada ‘À moda antiga’ sobre ao atual presidente brasileiro na Revista do semanário ‘Expresso’, o veículo de comunicação social escrita mais prestigiado em Portugal e inúmeras vezes premiado mundialmente nos mais importantes certames de jornalismo. A chamada de capa refere o presidente como “o poeta falhado que tramou Dilma”.

Em oito extensas páginas Plínio Fraga escalpeliza o presidente, traça um retrato pouco favorável e considera-o “mau poeta”, embora faça referência aos seus discursos, ao uso das mesóclises (por exemplo, «…sê-lo-ia…») e de algumas ênclises inusuais, porque “tem apreço por falar o português distante da informalidade geral com que o brasileiro trata a língua”.

Uma das particularidades da reportagem é que Plínio Fraga refere que o atual presidente é o único dos presidentes brasileiros a declarar-se… poeta!

Mas… o fundamental é a referência de Plínio Fraga a Augusto Frederico Schmidt, ex-presidente do Clube de Regatas Botafogo e ex-vice-presidente do Botafogo de Futebol e Regatas, estratega da fusão entre o Botafogo das regatas e o Botafogo do futebol, poeta notável, empresário criativo, assessor político de Juscelino Kubitschek e, quiçá, o mais brilhante Botafoguense de todos os tempos.

Plínio Fraga escreve:

“Bons poetas e políticos ruins têm semelhanças entre si […]. A referência política não necessita de explicação, mas a literária sim. […] T. S. Elliot […] dizia que poetas imaturos imitam, e poetas maduros se aproximam das coisas para si.

No extremo oposto, estão os maus poetas que são bons políticos. Há exemplos vários. O Presidente norte-americano Barack Obama escreveu poesia. O ex-presidente Jimmy Carter é poeta publicado, assim como o francês Dominique de Villepin, o turco Saparmurat Niyazov, e o sul-africano Mongane Serote.

Haverá bons poetas que são bons políticos. O primeiro-ministro inglês Winston Churchill recebeu o prémio Nobel de Literatura. Mario Vargas Llosa também, mas foi derrotado na disputa presidencial da qual participou.

Talvez o maior símbolo de bom poeta e bom político, espécime rara, seja Vaclav Havel […], poeta, ensaísta e político checo. Tornou-se o último presidente da Checoslováquia e o primeiro Presidente da República Checa. Foi dissidente do movimento comunista e autor de peso contra o totalitarismo. Reuniu raras qualidades de pensador e estratego.

Antes [do atual presidente] o Brasil teve grandes poetas que puderam escrever graças a empregos que mantinham no estado. Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira trabalharam no Ministério da Educação. Vinícius de Moraes e João Cabral de Melo Neto, no Ministério das Relações Exteriores. Talvez sejam os quatro maiores poetas brasileiros, mas nenhum deles quis ser Presidente da República.

Quem mais se aproximou dos palácios foi Augusto Frederico Schmidt (1906-1965), ghost-writer do Presidente Juscelino Kubitschek. Graças a Scmidt, frases soberbas são ainda hoje atribuídas a JK, sendo a mais famosa: “Deus poupou-me do sentimento do medo”, disse ao enfrentar a ruidosa crise política.

Schmidt era poeta fino. Capaz de obras-primas como “Vazio”:

“A poesia fugiu do mundo. / O amor fugiu do mundo – / Restam somente as casas, / os bondes, os automóveis, as pessoas, / Os fios telegráficos estendidos, / No céu os anúncios luminosos.

A poesia fugiu do mundo. / O amor fugiu do mundo – / Restam somente os homens, / Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis.

Resta a vida que é preciso viver. / Resta a volúpia que é preciso matar. / Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar.”

Fonte: Revista do semanário «Expresso», edição 2289, 10/setembro/2016.

Leia mais sobre o notável Augusto Frederico Schmidt no Mundo Botafogo:

Sem comentários:

John Textor, a figura-chave: variações em análise

Crédito: Jorge Rodrigues. [Nota preliminar: o Mundo Botafogo publica hoje a reflexão prometida aos leitores após a participação do nosso Clu...