domingo, 6 de novembro de 2016

Saudades de mim...

por LÚCIA SENNA, escritora e cantora
escrito para o blogue Mundo Botafogo

Ando com saudades de mim. Daquela ‘mim’ que era feliz e se sabia feliz. Daquela ‘mim’ que já acordava abrindo bem as janelas, dando um sonoro bom dia pro dia bom que mal começava a despontar.

Daquela ‘mim’ que adorava dias de sol tanto quanto os dias nublados, escurinhos, convite irrecusável para permanecer na cama um pouquinho mais, lendo os jornais debaixo de um aconchegante sono leve.

Daquela ‘mim’ que sabia apreciar como ninguém dias chuvosos, com ventania, e sem nenhuma histeria curtia os clarões dos raios e os estrondosos barulhos dos trovões.

Ando com saudades de mim, repito. Saudade da alegria que sentia simplesmente por me saber viva. Meu mundo era colorido, a começar pelas transadas roupas cuja combinação de cores fugia totalmente dos estabelecidos padrões: verde combinava perfeitamente com amarelo e o azul havia nascido para se entender com o verde; lilás estava para o rosa assim como o verso está para prosa.

Vermelho e amarelo?... Nada mais belo. Roxo batata e rosa shocking? Chocante! Sim, eu era colorida, por fora e por dentro. Sorriso aberto, felicidade estampada na cara, lá ia eu rua acima, rua abaixo, encontro marcado com o lado prazeroso da vida!

Ando com saudades de mim, é verdade! Saudade da pouca idade, da cara levada e lavada, de certa irresponsabilidade, de um jeito meio sem jeito, charme puro...

Saudade das noitadas, das gargalhadas, das ‘facadas’ no momento de pagar a conta, nas coitadas das amigas um pouco mais abastadas; saudade ‘daquele’ namorado, tão educado, super bem humorado, além de bem intencionado, porém sem um vintém furado...

Saudade da brisa da noite, soprando de leve no corpo cansado e nos cabelos um tanto ou quanto suados, resultado de horas e horas de dança nas ‘boîtes’ de então.

Ando com saudades da Faculdade, ou melhor, da turma da faculdade, do bar onde nos reuníamos para conversar, paquerar e... cantar Caetano, Chico, Gil, Gal, Bethânia, etc.

Falávamos sobre política também, pois ser ou parecer ser politizado pegava muito bem.  O bar funcionava como uma verdadeira vitrine e, portanto, para ser visto e admirado, era necessário ‘fazer bonito’. E ‘fazia bonito’ aquele ou aquela criatura que ‘estava por dentro’ dos acontecimentos políticos, ganhando destaque aqueles que além de falar alto, gesticulavam, subiam nas mesas e, não raro, gritavam palavras de ordem. O mulherio delirava e o ‘cara’ já saía dali consagrado e mais que disputado.

Ando com saudades de mim, já disse. Daquela que não era estressada, sempre meio desligada, a cabeça nas nuvens e os pés... também. Acho que foi por esse motivo que ganhei, na Faculdade, o simpático apelido de Butterfly, que, aliás, me caía como uma luva... Eu me sentia a própria borboleta pairando de flor em flor, sem compromisso, "sem lenço, sem documento, caminhando contra o vento...”, como dizia o Caetano em uma de suas músicas, minha predileta.

Ando com saudades da minha irreverência e da minha impaciência, de uma certa inquietude, do meu jogo de cintura, de acreditar em duendes e em muitas outras fantásticas criaturas. Saudades de olhar pro céu e torcer por uma estrela cadente que pudesse realizar ao menos um dos meus muitos sonhos. Saudades de me deixar iludir pela ilusão, de deixar sempre um fio de amor escorrendo pelo ladrão, de acreditar no impossível, apostar no inverossímil e morrer de paixão.

Saudades ainda da minha vã filosofia, dos meus conceitos, das minhas frases de efeito, de bater no peito, orgulhosa de ser quem eu era, fera, modéstia à parte, na arte de fazer amigos, unir, juntar, agregar. Saudades do riso escancarado, do que deu certo e do que deu errado, do papo furado, do papo cabeça, da falta de papo, da turma da praia, da turma do vôlei, de todos os namorados, das doces loucuras, ‘delúcias’ puras!

Quem sabe esteja me faltando apenas "vestir de novo o meu casaco marrom, pegar na mão da alegria e sair..."

Quem sabe?...

23 comentários:

Karla Moura disse...

Também eu tenho saudades. Obrigada à Lúcia por este saudoso e delicioso texto.

Anónimo disse...

Lato, lauto menu de degustação nos serves:
Um bonde chamado saudade, de tuas verves
Cheio, atravessando os tempos idos e vividos,
Impregnados de emoções, paixões e libidos,
As cores fortes, a memória, mais forte ainda!

Saudades que não trazem, junto, amargor ou dor
E as analisas descontraidamente sim,
Nascendo em meio aos repentes, tu na berlinda...
Num simulacro de escudo, espécie de pudor,
Abusas, mimetizada, do pronome mim!

Sérgio Sampaio,
www.umpoetinha.com.br

Anónimo disse...

Lúcia Senna,
Que texto mais comovente...
Você está sempre a mexer com os nossos sentimentos e emoções .
Viajei no tempó com a sua crônica.
Lembrei-Me de você cantando no bar da Faculdade e encantando todo mundo a sua alegria e seu riso escancarado.
Que saudades! Você era a nossa 'borboleta' ,delicada e feminina.
Fico muito feliz sabendo que você continuar escrevendo e cantando.
Que bom,Lúcia. Você é um exemplo de vida e apesar de todos os obstáculos vividos, deu a volta por cima e faz sucesso.
Um abraço enorme,querida amiga !
José Rachid

Anónimo disse...

Oi,Lucia

Também fiquei com saudades do tempo em que éramos jovens.
Fiquei me lembrando das festas que a gente frequentava e das praias lá no final do Leme. LEmbra? Você usava um óleo para ficar bem bronzeada, feito com urucum. Você mesma fazia e passou a vender pra 'turma' e ganhava uns bons trocadinhos.
Que tempos bons!
Vivemos, juntas, coisas inesquecíveis. Aproveitamos muito a nossa juventude. Disso não podemos nos queixar.
Um beijo e todo o meu carinho.

Beth

Lúcia Costa disse...

Olá, Karla

Tenho uma leve impressão que és irmã do Ruy. Acertei?
Fico muito honrada com o teu comentário.
Se sentimos saudade da nossa juventude, é porque soubemos aproveitá-la e fomos felizes. Que bom!
Desejo, Karla, que daqui a alguns anos, possamos também ter muita saudade dos momentos que, agora, estamos vivendo.
Afinal, nascemos para sermos felizes, não é mesmo?
Obrigada pelo tom elogioso da mensagem.
Um grande abraço.

Lúcia Costa disse...

Oi, Rachid
Agora és tu que me deixas emocionada. Foi um tempo muito bom - éramos muitos jovens e tínhamos a vida inteira pela frente.O tempo passou, muitas coisas aconteceram, mas, te digo, Rachid, continuo entusiasmada com a vida. Estou vivendo uma fase maravilhosa e - sei que vais rir - mas, pareço uma adolescente a descobrir o mundo
e seus inúmeros e mágicos encantos. Escrever para o blogue MUNDO BOTAFOGO, me traz
uma imensa felicidade. Ruy Moura, meu editor, é uma pessoa espetacular e me trata de forma muito especial. Sou uma mulher de sorte, amigo! De muita sorte!!!
Espero que continues a deixar teus comentários aqui. Foi bom demais te reencontrar para relembrarmos os inesquecíveis momentos da faculdade - principalmente, DO BAR DA FACULDADE ( kkkkkkkk).
Um grande abraço,

Lúcia Costa disse...

Oi, Beth

Como poderia esquecer das nossas festas,das nossas praias e até do meu óleo de urucum?
O pessoal gostava da cor avermelhada que eu ficava. Parecia uma índia pele vermelha (kkkkk)
Muito engraçado!
Ainda temos muito o que viver, minha amiga. A vida é fascinante! E cheiinha de mistérios insondaaaaaaáveis ( kkkkkkkkkk)
Beijos,

Marcos e disse...

Lúcia ,
Acho que todos nós temos saudade da nossa juventude.Agora,escrever sobre isso, de modo tão apaixonante é que são elas.So mesmo tendo muito talento
E,voce, tem de sobra !
😃

Lúcia Costa disse...

Sérgio,

Gostei demais do teu acróstico, o que, na realidade, já não é nenhuma novidade.
Até Tennessee Williams -" Um bonde chamado desejo" - veio me prestar homenagem ?
(kkkkkkkk).
Ah, Sérgio... És incrível! Inspiração ousada, abusada, impregnada de extrema ludicidade.
Meus parabéns!!!
Beijo

Anónimo disse...

Muito legal a crônica. Tenho também muitas saudades de "mim". Deus poderia ter sido mais bonzinho, deixando a gente chegar nas casas dos 70, 80 ou 90, com o corpinho dos 30.Ai, que saudades dos meus 30! Na verdade não procuro nem pensar nisso, é perda de tempo. Adorei o texto da Lucia, que fala da "saudade" com muita leveza, espiritualidade, encantamento.Sensacional! Parabéns! Sonia Costa

Lúcia Costa disse...

Ah, Sõnia...
Tu és bem engraçada.... Imagina chegar aos 70, 80, 90, com corpinho de 30...
Vamos aproveitar e cuidar bem das nossas mentes e corpos, agora, que ainda temos tempo suficiente para quando chegarmos nos 70, 80, 90 ou 100 ( quem sabe?- kkkkk) estarmos em plena forma. Ou pelo menos, em pé ...(kkkkk)
A vida, amiga, é boa em qualquer idade. Quero chegar aos 70, 80, 90 ou 100, bem animada e ... escrevendo minhas crônicas aqui no Mundo Botafogo (kkkkkk) e tendo os teus ótimos comentários, que me fazem tanto bem!
Bjs

Lúcia Costa disse...

É UMA ÉPOCA QUE DEIXA MARCAS, SAUDADES... UMA ÉPOCA,EM QUE TUDO AINDA É POSSÍVEL DE SER VIVIDO. MAS, PASSA E PASSA RÁPIDO. O IMPORTANTE É TERMOS SEMPRE PROJETOS E JAMAIS PERDERMOS O ENTUSIASMO PELA VIDA, POIS ELA É MARAVILHOSA EM TODAS AS SUAS FASES.
OBRIGADA, MEU QUERIDO
BEIJOS

Anónimo disse...

Vou discordar. Você parece uma unanimidade. Todos parecem adorar suas crônicas. Eu não gosto de crônicas. Nem das suas nem de nenhum outro cronista.Gosto de livros complexos e pesados. Alta literatura. E tem mais: nada a ver ficar voltando ao passado. Pra frente é que se anda,minha filha.��

Anónimo disse...

Lucia,
Com certeza chegarás ao 100, talvez não com um corpinho de 30, mas com uma mente sagaz, rápida,lúcida,delicada e divertida.Lê-se tua crônica num fôlego só.Não nos deixas espaço para respirar ou duvidar.A busca pela identificação com nosso próprio passado é intensa , mas demora-se muito mais do que a leitura do texto.Levamos tuas imagens conosco e ficamos a compará-las com nossos registros .Parece que acabamos pegando emprestado um pouco de tuas memórias para acrescentar às nossas. E já não temos mais bem certeza de nada! Parabéns pelo talento.
Lucio Almeida

Lúcia Costa disse...

Cara leitora Anonymous

Deixaste-me triste, não por não gostares das minhas crônicas, pois estás no teu legítimo direito de não apreciá-las. Mas, por ter te sentido tão amarga, tão dura e tão demasiadamente pesada nos comentários que, a mim, fizeste. Como seria bom se eu fosse capaz de remover essas mágoas que pareces carregar no teu coração.Como seria bom, repito, se eu tivesse o poder de te convencer a jamais perder o encanto pela vida e acreditar, sobretudo, na importância de revisitar a infância, a adolescência, o passado, enfim - lugar das nossas mais queridas lembranças. É lá, principalmente lá, que estão os jogos, as brincadeiras, as festas, o impossível, o simples, o distante...
Lembra como era bom meter o dedo no bolo e lamber o glacê?
Acho que estás precisando é de menos complexidade e mais simplicidade. Que tal banhos de chuva? Abraçar esquinas, mundos, pessoas? Cantar bem alto e desafinado?
Olhar pro céu a procura de estrelas cadentes? Adquirir um tapete voador e sair voando infinito afora? Ter uma rede e embalar teus sonhos? Ter estranhas, súbitas e inexplicáveis atrações?
E, então, cara leitora? Que tal continuar 'curtindo" alta literatura, mas sem deixar de dar uma lida nas crônicas de Lúcia Senna ? Agindo assim, estarias aumentando as tuas opções de leitura - sem deixar , de forma alguma,teus pesados e complexos livros.
Estar vivo, afinal, é ter abertura para o novo, na mesma medida do respeito ao nosso 'déjá vu'. Outra será a lei da vida?


Anónimo disse...

Amiga querida, que crônica deliciosa, de lamber os beiços. Você ainda é uma colorida e livre borboleta, voando pelas emoções com leveza. Bravo por mais esta! Maria Inês Galvão.

Anónimo disse...

Lúcia Senna,
O que aconteceu?
Não tem escrito mais para o blog?
Estou sentindo" saudade de você e das suas crônicas
Hoje já tem dez dias da última
Publicação.Nao faça isso comigo..��
Vou continuar sendo seu fa anônimos.
Seu namorado é muito ciumento. Não quero confusão.
Apareça,bela!��
Você me faz falta

Lúcia Costa disse...

Obrigada, Lucio.
Teus comentários são como músicas suaves, repousantes e de qualidade inquestionável.
Poderia compara-los ao som de um 'blue' ouvido ao cair da tarde...
Abraços

Lúcia Costa disse...

Que lindo, minha amiga...
Tenho lido o teu delicioso livro ' Porão de Cristal" - esse, sim!
Da gente se lambuzar por inteira... um verdadeiro banquete de emoções, as mais variadas possíveis.
Quando será o lançamento do próximo? Já está passando da hora,hein?
Não podes deixar teus leitores à míngua por tanto tempo assim...
Beijos, querida.♥




Lúcia Costa disse...

Oi, Anonymous
Eu tenho que rir com teus comentários.
Hoje foi publicada uma nova crônica. Chama- se : A cigarra e a formiga '. Tomara que gostes!
Não estou sumida coisa nenhuma.
Continuo em cena.
E tu? Vais continuar te escondendo pro trás das cortinas ( kkkkk)?

Quanto ao meu namorado,fique tranquilo. Ele confessou-me que não é ciume o que sente. É posse. Melhorou? Kkkkkkk

Um abraço,

PCORRÊA disse...

Amigo que se esconde atrás de um "Anonymous"...
Até que não goste de nada e que prefira coisas complexas e pesadas como talvez um elefante ou rinoceronte, deveria ao menos já que de certa forma ter cultura como coloca entre linhas ter a educação de respeitar quem escreve cronicas.
Da forma grosseira e até estúpida como colocou não parece ser uma pessoa educada, culta e que respeita o trabalho alheio, sendo do seu agrado ou não.
E não se trata de gostar ou não até porque aceito e respeito não gostar e cada um é cada um. Mas o uso de suas palavras e inclusive chamar as pessoas de "filha"...
Lamentável aparecer para isso.

PCORRÊA disse...

♕ que a tempos e por motivos de saúde em família me ausentei de internet um pouco, apenas me sobrando tempo para trabalhar.
Mas agora de volta em um dia péssimo, buscando algo que me desse uma massagem na alma na qual faleceu um amigo que nem pude ir ao enterro, uma amiga linda também com receios de uma pequena cirurgia e está deprimida entre outras coisas... esbarrei nessa sua crônica e me identifiquei de cara.
A ♕ dos sentimentos foi dissecar a alma, o espírito que guardamos dentro de nós de cada dia vivido por nós e que povoa nossas lembranças sempre.
Do sol que era mais dourado bronzeando nossa pele altiva, das cores mais brilhantes, da sensação da eterna juventude que hoje sabemos que jamais tivemos e que resumimos todos com o "casaco marrom" que você cita ao final.
♕ hoje não estou bom para comentar essa sua cronica que é de uma riqueza impar e que sacode nossos sentimentos passados e nos faz sentir até mesmo os amigos vivos, as cores mais fortes, o ar mais leve e até nossa alma mais lavada e passada a limpo.
Mesmo assim, espero voltar aqui e ler mais cronicas suas e com um astral melhor.
Seja sempre a ♕ desse nosso mundo ao menos.
Parabéns.

Ruy Moura disse...

Caro PCORRÊA, este espaço é inteiramente da Rainha Lúcia Senna, mas abro uma exceção para responder a si.

A Lúcia e eu próprio entenderam dar uma hipótese à pessoa anônima tendo em consideração que talvez a resposta da cronista fizesse a dita pessoa (não muito 'pessoa', pelos vistos...) reconsiderar os seus termos e não repetir tão desagradável comentário. Repetiu. Talvez ainda com maior vulgaridade. Não publiquei. Expus o assunto à Lúcia e ela concordou em suprimir os comentários de tal pessoa. O Mundo Botafogo orgulha-se de não permitir comentários impróprios, seja com ou sem 'palavrão', e isso reflete-se na qualidade dos leitores que vão chegando (como o PCORRÊA) e os que felizmente vão abandonando o MB por manifesta falta de convergência ética.

Obrigado pelo seu comentário!

[PS: Lamento os acontecimentos que narrou no comentário que fez a seguir e desejo que o seu astral suba rapidamente e que regresse brevemente ao Mundo Botafogo para ler o que escreve a 'Rainha']

Um grande e Glorioso abraço!

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