sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Sou cigarra, fui formiga

Não, espera, não é bem assim. O que quero dizer é que, hoje em dia, sou mais cigarra do que formiga. Parece bobagem, mas para fazer tal afirmação, é preciso uma certa dose de coragem. Na nossa sociedade, ser formiga é bem mais valorizado, pois significa trabalho dobrado, chegar em casa com o corpo suado, o rosto cansado, abatido, dinheirinho contado, mal dá pro mercado, que pecado!

Ser formiga é viver apressada, estressada, sem tempo pra nada, vida sofrida, corrida, santificada. É viver do trabalho pra casa, da casa pro trabalho. É não ter lazer. Só desprazer.

Ser formiga é jogar todo dia na loteria, com fé em Deus, com fé no santo, não quero tanto, só um tantinho assim para aplacar meu pranto.

Ser formiga é ter mobília comprada nas Casas Bahia, é viver às voltas com financiamento, com a falta de aumento, com a falta de crédito, credo! O cartão é só pra débito, os altos juros, eu juro, assim não dá! Desconjuro!

Mas ser formiga tem lá suas vantagens, lá isso tem! O símbolo do cristianismo é a cruz e, quanto mais pesada ela for, mais sofrimento e, portanto, mais merecimento. Assim sendo, ser formiga é viver na certeza de que o seu lugar no céu já está reservado. Mas, para isso, é preciso padecer, sofrer, ralar muito, enfrentar toda e qualquer fila, principalmente, as de postos de saúde e banco.

Ser formiga é não ter hora de almoço, roer o osso, comer o pão amassado pelo demo, morar em Realengo, Caxias ou Olaria, não ter alegria, apenas trabalhar de noite e de dia. Que agonia!

Ser formiga é estar sempre a repetir: “Que Deus nos acuda e seja louvado! Jesus amado, seu sangue poder tem. Amém!”

Não, formiga, esmorecer jamais! Além do mais, o paraíso está confirmado. És                          quase santa, o trabalho te enobrece, mas às vezes, devo confessar, tu me aborreces com as tuas lamúrias, rezas e preces. Estás sempre lamentando a tua falta de sorte e, repetindo, sem cessar, que tudo está pela hora da morte. Parece até que curtes a tua dor, a tua sina. Passas o domingo inteiro cuidando da casa, dando uma boa faxina.

Dizes, com um certo orgulho, com uma certa vaidade: “Não tenho tempo pra nada, é a minha dura realidade”. Ah, querida, falo sério, não dá pra te aguentar. És osso duro de roer.

Sou tão diferente de ti! Faço parte da outra metade da famosa fábula de La Fontaine.

Sou cigarra e vou apresentar-me: vivo sem amarras, levo a vida na flauta, sou feliz, irreverente, popular, conheço muita gente e adoro cantar. Não conheço tempo ruim.

Gosto de qualquer estação, mas sou ‘amarrada’ mesmo é no verão.

As formigas não me suportam. Mas, eu não ligo, não! Saio pra night com um sorrisão nos lábios, canto e danço até o raiar do dia.  Elas amarram a cara sem me desejar sequer um “bom dia”. Que gente mal-educada, insensível, arredia!

Vivem me criticando, dizendo que não gosto de trabalhar, que sou preguiçosa e ociosa. Acho que nunca leram um livro intitulado “Direito à preguiça“ – meu novo livro de cabeceira. Não entendem nada de ócio criativo. Só falam de negócios, de sócios e de como ganhar a vida, trabalhando com consórcio ou cooperativa. Não sabem a importância de ser contemplativa...

Essas ditas formigas, tem muita inveja de mim. E, nesse momento, elas tem até uma certa razão, pois acabo de ser convidada, por um produtor musical francês, para cantar no Olympia de Paris. Viagem paga, hospedagem paga, longa temporada. Estou maravilhada!

“Adieu, mes amours; A vous je penserait ou jours!”  Paris, esta é a vida que eu sempre quis.


Cigarra / formiga:  dois pesos, duas medidas.

19 comentários:

Anónimo disse...

Lato, lauto prazer dá
Um comentário de ti,
Crônicas sabor cajá,
Igual doce saputi,
A maioria em fá

Maior e bem afinado...
A rainha de outro mundo
Remete ao leitor profundo,
Irreverente, o agrado
Antenado, desbragado!

Sérgio Sampaio,
www.umpoetinha.com.br


Anónimo disse...

Lúcia ,minha querida
Mais uma crônica"que canta".
É genial o que você consegue fazer:texto rimado. Só podia ser assim já que você tem musicalidade saindo pelos poros. Essa crônica é sua autobiografia. Sempre foi,"cigarra,"Desde o tempo da faculdade.
Adorei te ler.
Que venha mais
Beijos
Rachid

Anónimo disse...

Lúcia,
Minha prima de fé, você é doida,louca de pedra,como costumo pensar quando ouço suas estórias e crônicas, contudo falta acrescentar algo nessa avaliação - você é maluco beleza.Irmã do Raul Seitas, que alegrou o mundo com sua criativa de e suas estórias sem conseguir o mínimo resgate para si próprio. AMBOS têm arte e,como dizem os filósofos, pora isso estão próximos do Olimpo,já que deuses e musas conhecem a alma humana e sabem como agradá -lá. Você continua me matando de inveja. EscreVamos e muito para consumo de seus fas.
E de o golpe final nesse invejoso.
Beijos,prima
Ney

Anónimo disse...

Oi,Lucia
Obrigada por dividir comigo tua graça e sabedoria.Adorei.
Que inspirada vc.
Perfeito o teu humor amazonense,a tua rima é sensibilidade. Sabes brincar com as palavras e juntando-as em perfeito encaixe que produzem sons deliciosos para nossos ouvidos e nossas emoções.
Um beijo
Mariza Assis


.

Anónimo disse...

Essa sua crônica está muito boa.
Muito engraçada e vrezadeira.
Que bom termos uma cigarra no nosso grupo. E você que está sempre a nos presentear com a sua contagiante
alegria e nos prestigiando com a sua voz quente e sensual.
Voce,Lúcia, tem luz própria.
Sempre brilhando tanto como escritora,quanto como cantora.
Parabéns, querida
Clara - casa do saber.

Anónimo disse...

LuciA Senna
Encanta- me o seu relato sobre pessoas/formigas que só pensam em trabalhar e que fazem dos seus trabalhos ,fonte de martírio. Conheço várias assim! Tornam -se desagradáveis e tendem a afastar aqueles que dela se aproximam.
A crônica está muito bem bolada,super sonora,super "cigarra", super ' Lúcia Senna.

Você é uma pessoa " fora de série. "
DO AMIGO - MARIO

Anónimo disse...

Muito legal a crônica.Antigamente a formiga, toda orgulhosa de tanto trabalhar, mandava a cigarra dançar, depois de tanto cantar. Mas...atualmente, o que se sabe é que a Cigarra está muito valorizada, recebendo vários convites para cantar, nacional e internacionalmente, está bombando. A crônica é muito interessante, explícita, inteligente. Parabéns, Lucia! Continue sempre assim, maravilhosa. Sonia Costa.

Anónimo disse...

Amiga, querida, você é mesmo uma cigarra. Suas palavras cantam, balançam ao sabor do vento, voam e encantam. Gosto muito de ler seus escritos cheios de leveza, percorrendo a vida alheia com humor. Maria Inês.

Anónimo disse...

Lucia,
Gostei demais da sua cronica.
Realmente, hoje em dia,as coisas mudaram muito e as cigarras estao com tudo.Contudo, as formigas serao
sempre valorizadas pois representam a força de trabalho de qualquer sociedade produtiva.
Bjs.
Lourdes- prima

Lúcia Costa disse...

Rachid,
E mesmo, amigo.
Sempre gostei de cantar. O canto veio primeiro que a escrita. Acho que nasceu dai o meu texto musicado.
Bom ter um amigo da época da faculdade. Bom te ter por perto.
Obrigada por mais um comentário tão afetuoso.
Bjs

Lúcia Costa disse...

Meu primo querido,
Quer dizer que sou " maluco/ beleza"?
Irmã de Raul Seixas? louca de pedra ? Doida?
Poxa,querido!
Tu me deixas sensibilizada com tantos elogios.
Ser prima de Ney Coelho e irmã de Raul Seixas? Então sou simplesmente o MAXIMO!!!!
Ando com saudades de ti.Tu sabes que és meu primo predileto, não sabes?
Bjs
Da prima

Lúcia Costa disse...

Oi, Mariza
Certamente a"Cantoterapia" nos ajudou e muito a desenvolver e explorar a criatividade que havia dentro de cada uma de nós. Eu.que já tinha uma queda para a escrita, acabei me tornando uma cronista.
E tu ,foste parar na dança contemporânea e tenho acompanhado o teu sucesso, estrondoso por sinal.
Parabéns pela tua arte e obrigada pelo caloroso comentário.Bjs.

Lúcia Costa disse...

Oi, Clarinha
Somos muitas cigarras e é isso que nos une. Confesso que não gosto muito de dividir o palco com ninguém (kkkkk), mas
Cantar junto com vocês pelas esquinas da vida me enche de uma contagiante alegria.
Voz quente e sensusl? UAUUU!!!!!
Adorei!
Bjs, amiga.

Lúcia Costa disse...

Ah, Mario
Elogio de amigo é, no mínimo, suspeito.
Somos sempre muito benevolentes com as pessoas que gostamos.
E eu sei o quanto nos queremos bem.
Agora que já aprendeste o caminho das pedras- ou melhor:do blogue - venha sempre me visitar, ok?
Bjs

Lúcia Costa disse...

Então eu acabo de refazer a fábula de La Fontaine?
CIGARRAS EM ALTA. FORMIGAS EM BAIXA.
E VIVA O DIREITO À PReGUIÇA.
BJS.

Lúcia Costa disse...

Minha amiga,
Como já dizia o Gonzaguinha:" Cantar e cantar e cantar,a beleza de ser um eterno aprendiz...".
E tu és uma das mimhas mestras(kkkk). Contigo aprendi muito, minha Clarice Lispector. Até mesmo a escrever melhor.
Bjs, querida.

Lúcia Costa disse...

Teus comentários são sempre tão brilhantes que acabo por me sentir coberta de purpurinas, confetes e serpentinas.
Bjs, poeta.
Obrigada.

Lúcia Costa disse...

Certíssimo, prima.
O ideal será sempre encontrar o equilíbrio entre o trabalho da formiguinha e a ociosidade da cigarra.
Somos , ao mesmo tempo, cigarras e formigas .
O verão está chegando e já ouço o canto delas. Não posso deixar de te dizer que tenho uma simpatia toda especial por esses seres que vivem pra cantar...
São uns EN - CANTOS! (kkkk)
Bjs, prima.

Anónimo disse...

Lucia,
Você é uma verdadeira cigarra
Bjs
Aurany

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