sábado, 8 de setembro de 2018

Carlos Kaiser: o Forrest Gump do futebol

“Durante quase três décadas fingiu ser jogador de futebol. Minutos em campo e golos? Nem vê-los. Botafogo, Flamengo, Puebla, Ajaccio, Fluminense, Vasco da Gama, Independiente... entre outros. À primeira vista este não parece ser um currículo particularmente modesto no que à vida de um futebolista sul americano diz respeito. Para um brasileiro, ainda para mais, juntar o Independiente, um dos gigantes da América do Sul, a alguns dos maiores clubes brasileiros, ainda para mais, os quatro grandes do Rio de Janeiro, é mesmo um currículo a roçar o invejável. Este é o currículo de Carlos Henrique Raposo. O currículo de Carlos Kaiser, o maior aldrabão da história do futebol brasileiro e, quem sabe, do futebol internacional.” – João Pedro Cordeiro, in Bancada.pt

A vida de Kaiser já foi abundantemente divulgada na comunicação social, chegando recentemente ao cinema um documentário (2017) sob o título original ‘Kaiser: The Greatest Footballer Never to Play Football’. A obra foi dirigida pelo britânico Louis Myles, tentando explicar como um sujeito que nunca foi habilidoso jogando futebol acabou sobrevivendo tanto tempo dentro do mundo do futebol, integrando planteis com Carlos Alberto Torres, Renato Gaúcho, Ricardo Rocha, Romário, entre outros.

Em 2018, a carreira fabricada por Kaiser é editada em livro pelo jornalista Rob Smyth, explicando como ele enganou, durante 26 anos, alguns dos maiores clubes do Mundo e que encheu um estádio em França para a sua apresentação oficial.

Kaiser jogou futebol nos escalões de base, mas quando chegou à idade de integrar equipes principais faltou-lhe a veia para um futebol capaz. Então, engendrou uma carreira cheia de lesões e fugas a treinos e jogos, embora tenha conseguido ser contratado por grandes clubes, especialmente no Rio de Janeiro. Poucos se lembram dele porque à época, na década de 1980, não existiam os canais de informação atuais que, certamente, fariam cair rapidamente a máscara do aldrabão.

Kaiser manteve sempre boas relações com amigos que o encobriam, como um dentista que lhe passava atestados de infeção dentária às centenas, e com a imprensa. Distribuía camisas dos clubes, passava algumas informações à mídia e aparecia em matérias acompanhado de adjetivos como ‘artilheiro' e 'goleador'. A imprensa dava respaldo à imagem de bom jogador que era vendida aos clubes. Quando foi para o Bangu, um jornal da época chegou a publicar uma matéria intitulada “O Bangu já tem seu rei: Carlos Kaiser”.

Durante anos estudou os maneirismos dos melhores jogadores do Mundo, trabalhou no físico em ginásios e construiu uma personagem praticamente inabalável.

O editor do blogue Mundo Botafogo compilou diversas entrevistas do próprio Kaiser contando a sua inacreditável história. Ei-lo falando na primeira pessoa do singular:

Quero que percebam os motivos que me levaram a mentir. A pobreza da minha família atirou-me para um poço sem fundo, sem eu ter opção. Habituei-me a representar porque não me deixaram ser o que eu queria.

– Eu tenho facilidade em angariar amizades, tanto que muitos da imprensa da minha época gostam de mim, porque nunca tratei ninguém mal.

– Jogo completo se tiver uns 20, 30, tem muito. Todo jogo eu dava ‘migué’. Todo jogo eu saía machucado, até treino, se eu pudesse, eu saía machucado.

– Eu mandava alguém levantar a bola pra mim e errava a bola. Aí sentia o posterior da coxa, ficava 20 dias no departamento médico. Não tinha ressonância (magnética) na época. E quando a coisa ficava pesada para o meu lado, tinha um dentista amigo meu que dava um atestado de que era foco dentário. E assim ia levando. [E Renato Gaúcho corrobora: – Sei que ele era um inimigo da bola. A parte física era com ele. No coletivo ele combinava com um colega... Na primeira jogada me acerta porque eu tenho que ir para o departamento médico.]

– Na época a gente ficava concentrado em hotel. Eu chegava três dias antes, levava dez mulheres e alugava apartamentos dois andares abaixo do que o time ia ficar. De noite ninguém fugia de concentração, a única coisa que a gente fazia era descer escada. Tanto que tem treinador hoje que bota segurança no andar.

– Mulher era a coisa mais fácil, podia ser em espanhol, inglês, francês. Porque jogador já tem esse assédio, eu não me considero um cara feio.

Era viciado em sexo, como Michael Douglas. Me deitava com ao menos três mulheres por dia.

– Se fui clone de alguém na vida foi do Renato Gaúcho. A gente se conheceu em 83, ele jogava no Grêmio e vinha muito pro Rio. Essa fama que ele tem com as mulheres perto de mim não é nada. A gente saía muito, eu, ele e o Gaúcho (ex-atacante do Flamengo).

Sentei-me no balneário, o doutor Castor [presidente do Bangu] entrou e quando ele chegou perto de mim, disse-lhe: “Antes que o senhor diga qualquer coisa, Deus deu-me um pai e o levou. E Ele me deu outro. Então jamais vou admitir que digam que o meu pai é ladrão e os adeptos estavam atrás de mim gritando isso.’ Ele segurou-me pela nuca, beijou-me e convidou-me para viajar. E renovou comigo por mais seis meses.” [Explicando por que arrumou uma briga com adeptos logo antes do jogo de estreia pelo Bangu de modo a ser expulso antes mesmo de começar o jogo]

– Era brasileiro, e brasileiro tem muita fama por lá [Explicando a sua apresentação pública em um clube francês que incluía um treino de 15 minutos para a torcida]. O estádio era pequeno, mas estava bem cheio. Pensei que iria só acenar e tal, mas vi um monte de bolas no campo e percebi que teria um treino. Fiquei nervoso porque logo no primeiro dia eles iriam ver que eu não jogava nada. Comecei a pegar todas as bolas rapidamente e chutá-las para o público. Os adeptos foram à loucura. Não sobrou uma bola em campo. Ao mesmo tempo beijava a camisola do clube. Conquistei o carinho dos adeptos e acabou só acontecendo um treino físico.

A vida é marketing. Eu tinha a aparência de uma estrela do futebol. Sabia como falar e como vender a minha imagem. Quem me via pensava: o tipo jogou em França, esteve no Flamengo, no Fluminense, é amigo do Bebeto e do Carlos Alberto. Este tipo é o ‘real deal’. É como o Messi e o Beckham. O Messi é o melhor jogador, mas aquele que vende é o Beckham. O Messi não vende. Não tem a maneira certa de falar. Eu tinha. Apareci em vários programas no Brasil e hoje atraio a atenção a nível global. Não teve nada a ver com a minha qualidade enquanto jogador ou amante. É tudo culpa do meu carisma.

– Não me arrependo de nada. Os clubes já enganaram tantos os jogadores, alguém tinha que ser o vingador dos caras.

– Todos os times que participei celebraram duas vezes: quando assinei e depois quando fui.

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