O lateral-direito foi do céu ao inferno. O
garoto criado na Cidade de Deus sucumbiu à fama após o sucesso na Copa de 1986,
quando marcou dois goaços. Nunca mais conseguiu repetir aquelas atuações
surpreendentes. Mas, em 1989, ajudou o alvinegro a levantar o troféu do carioca
e sair da fila.
por
MARCELO REZENDE
Revista
Placar, edição nº 1242, Set/2002, retomando reportagem de 1986.
Como
deve ser um ídolo do Brasil? Profissional exemplar, como Zico? Deve falar o que
pensa, igual a Sócrates? Quem sabe, requintado e agradável, tal Paulo Roberto
Falcão? Ou ainda reservado e de gestos medidos, como inigualável Pelé? […]
Imaginemos uma contra proposta.
Imaginemos
um ídolo adepto de boas quantidades de cerveja, sob suspeita de gostar de
coisas proibidas, amante dos prazeres da noite e por duas vezes detido pela
polícia. […] Ele é o dono da
camisa 13, nosso talismã, dono de um futebol feliz e irresponsável, que nos faz
evocar São Garrincha. Como Mané, ele veio do Botafogo. […]
Josimar
Higino Pereira tem24 anos e um fã clube de 130 milhões de brasileiros. Possui
um sorriso de anúncio de dentífrico e olhos negros e firmes, capazes de
despertar confiança. […] Nem parece o
arquiteto de dois dos mais belos gols da Copa. […] Aqueles pés número 42 mandaram a bola no ângulo do goleiro Pat
Jennings, da Irlanda do Norte, e humilharam os poloneses do papa com dribles
satânicos, até a extrema-unção no goleiro Mlynarczyk. […]
Outro
dia se fez de bobo. Tomou emprestado o carro do presidente da comissão técnica,
Nabi Abi Chedid. Ficou várias horas passeando e, quando voltou, por
brincadeira, seus companheiros disseram que iam cortá-lo por indisciplina. Fez
cara de medo. O próprio Nabi, penalizado, chamou-o para desmentir o corte. “É ingênuo
demais”, pensaram. Engano. […]
[Criado na] Cidade
de Deus [que] granjeou a reputação de
ser um dos lugares mais violentos do Brasil. Uma escola capaz de abortar
qualquer espécie de ingenuidade no nascedouro, e onde ele forjou sua filosofia
de vida: “Pato no ovo não mergulha fundo”.
Foi
lá que viu a mãe, dona Miúda, e seus cinco irmãos serem abandonados pelo pai,
Hélio Godoy, que nem sequer o registrara. […] Foi na Cidade de Deus que Josimar viveu o
inferno, quando a mãe juntou os trapos com o polícia Almir Leal dos Santos.
Muitas vezes, ao chegar a casa, Josimar encontrava a mãe escondendo as lágrimas
e o olho roxo. Tinha apanhado do companheiro… […] “Tinha vergonha dos amigos e vizinhos, que presenciavam minha mãe
levar pancada, recorda, hoje, sem rancor. […]
A
forra viria depois do III Mundial de Juniores. […]
Ao chegar, […] entre um e outro copo, a irmã surgiu chorando, e ele não demorou a
compreender… […] Correu para casa […] fez o valentão experimentar do sue próprio
remédio e mostrou a ele que […] quem
cantava alto era o galo novo. Depois disso, surrar, nunca mais. Hoje, o
padrasto é um exemplo de marido. […]
Estava
sem contrato com o Botafogo desde março, mas tinha se livrado da fama de amante
das bebidas e das drogas. […]
O
dirigente do Botafogo, Alcides Aguillar, viajou para o México para tentar
renovar seu contrato, mas não conseguiu. O presidente Althemar Dutra de
Castilho, que não suportava a idéia de vê-lo nem em fotografia, já passou dois
telegramas cumprimentando-o pelas exibições. […]
Momentos
antes [de enfrentar] a
Irlanda, o técnico chamou o lateral: – Josimar, você vai jogar. “Eu tremi”,
confessa hoje o novo herói. “Não esperava que o homem me desse a notícia assim,
na bucha”.
Agradecimentos a Mauro Axlace, editor do blogue Aqipossa [https://aqipossa.blogspot.com] que gentilmente cedeu a informação.
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