[O editor do Mundo
Botafogo é fã incondicional das qualidades de Jürgen Klopp (Stuttgart, 1967) desde os tempos do Borússia Dortmund,
considerando-o o mais dinâmico e artístico treinador de futebol do mundo – o
melhor entre os melhores.]
Peter Moore (Liverpool, 1955), diretor executivo do campeão europeu de
futebol, reflete sobre as particularidades do clube e os desafios que a
indústria do futebol enfrenta.
Peter Moore é uma lenda do marketing.
Responsável pelo desenvolvimento dos consoles da Sega, Microsoft e Electronic
Arts que transformaram a indústria dos games em um gigante mais lucrativo
do que o cinema e a música juntos, sua vida chegou a um ponto em que os
desafios estritamente profissionais pararam de estimulá-lo. Poderia se retirar
para sua mansão na Califórnia a desfrutar de sua imensa fortuna. Mas escolheu
voltar para Liverpool, a cidade onde se criou, com nada melhor a fazer, diz
ele, do que ir ao estádio Anfield para ver o Liverpool. Fazia quatro décadas
que ele vivia fora da Inglaterra quando foi nomeado, em 2017, diretor executivo
do clube que conquistou a Champions League em maio. Dias atrás, visitou o World
Football Summit de Madri, e lá onde refletiu sobre a natureza da empresa que
representa, cuja expressão máxima é o time que lidera a Premier League depois
de somar 24 pontos de 24 possíveis.
Pergunta. O que distingue o Liverpool na indústria do futebol?
Resposta. Como especialista em marketing, eu queria desvendar o que ele
realmente significava. Dizer que o Liverpool é único não significa muito. Real
Madrid e Barcelona, Borussia Dortmund e Bayern, também são especiais. Então,
como resolvemos isso? Tivemos essa incrível figura histórica no Liverpool: Bill
Shankly, um treinador social-democrata da Escócia que estabeleceu as
bases. Ainda hoje, quando falamos de negócios, perguntamos: “O que faria
Shankly? O que diria Bill nesta situação?”. Era um verdadeiro social-democrata que
acreditava que o futebol consistia em trabalhar em conjunto. Nós nos reunimos
no departamento de marketing e dissemos: “Vamos colocar isso em palavras”. A
conclusão foi que a ideia essencial do Liverpool é que isso é o que significa
mais. Mais do que ganhar ou perder. Mais do que ir ao futebol, encontrar os
amigos no bar e voltar para casa.
P. Você diz que para alcançar uma
dimensão mítica os clubes precisam de uma cultura do sucesso. Em que consistia
exatamente a cultura incutida por Shankly?
R. Ele a definia como social-democracia.
Mas não num sentido político, e sim de solidariedade. Há uma faixa na The Kop
[famoso setor de arquibancada do Anfield] que diz: “A união faz a força”.
Liverpool é uma cidade socialista, de tradição operária, muito unida ao porto.
Já foi o porto mais movimentado do planeta. Isso mudou, mas permanece, até
certo ponto, o sentido da unidade e da insularidade. As pessoas muitas vezes se
consideram liverpuldianas, não necessariamente inglesas. É
estranho. É, como dizem os norte-americanos, um “círculo de carroças”. Essa
cultura se fortalece com um sentimento que Shankly expressou na ideia de
trabalhar juntos no campo sob o lema de “passar a bola e se mover”. É muito
simples: “Passe a bola e se mova para se oferecer como opção ao seu
companheiro”. Há uma canção dos torcedores de 60 anos atrás que descrevia esse
estilo como “poesia em movimento” Não é exatamente o tiki-taka. Mas ocorre
quando o jogo flui livremente, com contra-ataques muito rápidos. É nossa marca.
P. Parece natural que tenham escolhido
Jürgen Klopp, um social-democrata alemão, para treinar o time.
R. Ele já é um clássico do Liverpool.
Ele se inclina mais para a esquerda do que para a direita. Certa vez, Shankly
disse: “Eu fui feito para o Liverpool e o Liverpool foi feito para mim”. Klopp
pode dizer exatamente a mesma coisa. Entende perfeitamente os elementos social-democratas
que permeiam o clube e a cidade, os desafios que empolgam o que significa o
clube para muita gente que não teve a oportunidade de ter nada melhor na vida
do que seu amor pelo clube. Houve uma época em que o símbolo da cidade eram os
Beatles. Agora é o futebol.
Publicação completa em https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/29/deportes/1569773650_413356.html
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