[O editor do Mundo
Botafogo é fã incondicional das qualidades de Jürgen Klopp (Stuttgart, 1967)
desde os tempos do Borussia Dortmund, considerando-o o mais dinâmico e
artístico treinador de futebol do mundo – o melhor entre os melhores. Klopp foi
homenageado na bandeira da torcida do Liverpool.]
Atual campeão europeu, o Liverpool começou a
temporada 2019/20 com o pé direito. Ou seria melhor falar em "pé
esquerdo" no caso do clube liderado pelo técnico social-democrata Jürgen
Klopp?
Antes de a bola rolar para a primeira partida
(e goleada) do Liverpool na nova edição da Premier League, uma já tradicional
bandeira com os rostos daqueles considerados os maiores técnicos da história do
clube foi erguida por torcedores dos Reds no setor conhecido como The Kop do
Estádio Anfield. Nessa sexta-feira, porém, havia uma novidade estampada no
clássico pano: o rosto de Klopp.
Pouco mais de dois meses após quebrar jejum
de 14 anos do clube e conquistar o título da Liga dos Campeões, o técnico
alemão viu sua imagem se juntar à de outros cinco ídolos da torcida numa
homenagem […].
E isso tem tudo a ver com Liverpool e Jürgen Klopp.
Antes de Klopp, já constavam na bandeira da torcida os
seguintes ex-treinadores do clube: Bill Shankly (à frente do Liverpool de 1959
a 1974), Bob Paisley (de 1974 a 1983), Joe Fagan (de 1983 a 1985), Kenny
Dalglish (de 1985 a 1991 e 2011 a 2012) e Rafael Benítez (de 2004 a 2010)
"É uma bandeira bem legal porque tem treinadores que
ou foram campeões europeus e/ou mudaram o clube de patamar, se identificaram
com a cidade, deixaram algum legado maior do que títulos. Como por exemplo o
Bill Shankly, que é o maior treinador da nossa história", conta Luiz
Felipe Gomes Santos, dono da fanpage de
torcedores brasileiros do Liverpool Make Us
Dream Brasil.
E não à toa Shankly é considerado o maior técnico da
história do Liverpool. Em 15 anos ininterruptos como treinador da equipe, levou
o clube da segunda divisão nacional ao tricampeonato da elite, além de também
conquistar o primeiro título continental dos Reds. Seus auxiliares Bob Paisley
e Joe Fagan ainda dariam sequência ao trabalho (e aos títulos) nos 11 anos
seguintes.
Mas talvez mais importante que os resultados de Shankly
dentro de campo tenha sido seus posicionamentos fora das quatro linhas numa
época em que o mundo vivia em Guerra Fria e à beira de uma Terceira Guerra
Mundial. Ainda antes de Liverpool (seja clube ou cidade) entrar em conflito com
a conservadora primeira-ministra Margaret Thatcher nos anos 80, o então
treinador da equipe adotava discurso social-democrata que bateria de frente com
a política a ser implantada pela Dama de Ferro.
"A social-democracia em que eu acredito não é
realmente política, é uma maneira de viver. É humanismo. Acho que a única
maneira de viver e ter realmente sucesso é pelo esforço coletivo, com todo
mundo trabalhando junto, se ajudando e compartilhando a recompensa no final.
Assim eu vejo o futebol e assim eu vejo a vida", disse Shankly em uma de
suas mais célebres falas.
Shankly faleceu em 1981 e portanto não viu muito do
governo Thatcher, que perdurou na Inglaterra de 1979 a 1990, nem da troca de
farpas que se estendeu por mais de uma década entre a Dama de Ferro e moradores
e políticos de Liverpool, reduto trabalhista e sindicalista desde os primórdios
da revolução industrial, originada justamente na Inglaterra. Tais valores eram
abraçados pelo clube da cidade, mas não combinavam em nada com as prioridades
da primeira-ministra do país, sabidamente voltadas à capital Londres.
Por outro lado, os princípios chamados
"esquerdistas" em muito combinam com as crenças de Jürgen Klopp – que
Shankly também, e aí infelizmente, não teria oportunidade de ver ascender nos
Reds.
"É uma combinação que realmente é favorável. Os
valores que Jürgen Klopp carrega em sua vida influenciam nas formas como o
clube o enxerga e também a comunidade de Liverpool o enxerga", diz
Maurício Simões, responsável pelo podcast Melwood
Pub, especializado no Liverpool. "Nada melhor para um clube
importante ter um comandante que entende a comunidade e o que ela significa
para cada um", completa.
"O Klopp se identificou muito com a cidade desde que
chegou. Até por isso tinham discussões entre os torcedores, antes mesmo do
título da Liga dos Campeões, de ele ser adicionado à bandeira mesmo no caso de
não conquistar títulos", acrescenta Luiz Felipe, da Make Us Dream Brasil.
Não é exagero enaltecer a relação de quase quatro anos
entre Klopp e Liverpool. Em sua biografia escrita pelo jornalista alemão
Raphael Honigstein, o técnico diz: "nunca pagarei um plano privado de
saúde. Nunca votarei em um partido porque promete baixar os impostos. Se há
algo que jamais farei em toda minha vida é votar na direita". Ele se
intitula admirador da social-democracia, com ideias de centro-esquerda tidas
como alternativas a governos excessivamente autoritários e/ou nacionalistas.
Hoje Liverpool tem como prefeito o social-democrata Joe
Anderson, do Partido Trabalhista.
Numa entrevista ao jornal The Guardian, Klopp destrinchou
seu posicionamento sobre o processo de saída da União Europeia que se arrasta
há três anos no Reino Unido. "A União Europeia não é, não foi e nem será
perfeita. Mas é a melhor ideia que tivemos até hoje. Devemos repensar o Brexit,
levá-lo à votação novamente, mas desta vez com as pessoas devidamente
informadas", opinou o técnico.
Chama atenção em meio a tudo isso o fato de ser cada vez
mais incomum hoje um clube ou um técnico de futebol se posicionar em questões
além das quatro linhas. Liverpool e Klopp são exceções: dão seta à esquerda
nesse congestionamento de tanta gente quase parada e até na contramão.
"O que fica cada vez mais claro, a cada dia que passa,
é que Klopp é o cara perfeito para comandar o Liverpool", opina Maurício
Simões. "Mesmo quando erra, é um personagem que entende onde está e faz
tudo o que está ao alcance para devolver aos scousers a
expectativa que nele depositaram."
Uma homenagem como essa inaugurada sexta no estádio do
Liverpool, assim, mostra-se um golaço de torcedores que, como o atual técnico
de sua equipe, valorizam a história do clube de coração. Melhor para os seis
figurões que, de tão queridos entre os Reds, agora assistem a tudo no Anfield
"de cadeiras cativas". Ali na bandeira. De Shankly a Klopp, da
esquerda para a direita. Ou melhor, juntos.
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