por CÉSAR SEABRA
Diretor de jornalismo, botafoguense
Desde pequeno aprendi que futebol é apenas um jogo. Um dia você ganha, outro dia perde ou empata. Um dia você é campeão. Outro, rebaixado. Um dia choramos. Outro dia, comemoramos. O jogo termina. A vida vai em frente. As contas estão à mesa para serem pagas. E o dinheiro é curto.
Desde pequeno aprendi a entender cada partida como uma novela ou um pequeno romance, com princípio, meio e fim, mas nada esquemático. Mocinhos e vilões. Protagonistas e antagonistas. O goleiro que engole o frango, o artilheiro insinuante, o ponta indolente e mascarado, o árbitro perseguido, o pênalti desperdiçado no minuto final. Nos estádios ou em casa, gente apreensiva à espera do desfecho. A vida segue seu rumo. As contas continuam na mesa. E falta dinheiro no bolso.
Desde pequeno aprendi a ver arte na habilidade dos craques. O jeito de correr, a elegância ao tocar na bola, o drible, a malícia, o jogo de corpo. Pelé, Jairzinho, Gérson, PC Caju, Cruyff, Beckenbauer, Platini, Maradona, Zico, Kempes, Sócrates, Falcão, Romário, Bebeto, Zidane, Ronaldos (o dentuço e o gordo), Iniesta, Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar.
Desde pequeno aprendi a amar a festa das torcidas, a colorida democracia dos estádios. Masoquista que sou, quando o Botafogo levava um gol, gostava de admirar a comemoração rival. A gritaria tresloucada, a dança das bandeiras. Eu sofria, mas como aquilo era bonito.
Hoje, como explicar àquele apaixonado menino que treinos são invadidos por animais travestidos de torcedores? Como explicar que esses covardes, por conta de uma derrota, querem agredir jogadores e profissionais do futebol? Como explicar que esses imbecis muitas vezes são financiados pelos próprios clubes em todo o Brasil? Como explicar que a polícia não consiga identificar e prender esses selvagens? Como explicar o inexplicável, o intolerável, o inaceitável?
Na Copa de 1998 fui escalado para fazer uma grande reportagem sobre os hooligans. Com o medo maior do que o mundo, corri várias cidades francesas atrás dos vândalos. Para fechar a história, por sorte me deparei com Sir Bobby Moore, um gentleman. Puxei conversa e perguntei sobre o hooliganismo britânico. A resposta do lendário e amável capitão da seleção inglesa impregnou-se em minha memória: “Não falo sobre animal, falo sobre futebol.”
Para aquele menino, a paixão quebrou-se. O jogo ficou pobre e burocrático. A verborragia de técnicos e jornalistas especializados, insuportável. O humor e a leveza de uma boa discussão se perderam no tempo. Torcedores tornaram-se agressivos e irascíveis. O futebol foi tomado pela ignorância. E, bem lá no fundo, os idiotas somos todos nós.
Fonte: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/cesar-seabra/os-idiotas-somos-todos-nos-2
2 comentários:
Belo artigo. Quando eu era garoto o futebol era mais simples, ou seja, jogadores eram mais francos e os técnicos falavam uma linguagem simples. Assistir jogos nos estádios não era uma ameaça. Me lembro de um jogo contra o Fluminense em que um folclórico torcedor do tricolor saiu na torcida do Botafogo e a torcida jogou bolinhas de papel nele além da sonora vaia. Hoje ele estaria morto.
Não posso deixar de concordar com o autor quando diz que o futebol ficou chato, pelo menos nessas terras está no nível do insuportável. Uma tristeza para quem vivenciou o futebol das décadas de 60/70 e parte da de 80. A partir dos anos 90 a coisa foi decaindo de tal maneira que chegamos a esse terrível pesadelo. Abs e SB!
Totalmente de acordo. O futebol do século XXi é um verdadeiro pesadelo. O futebol tornou-se omnipresente, esmagou os outros desportos, tornou-se uma corrupção gigantesca, e tudo que é excessivamente grande perfila-se geralmente como arrogante, cheio de soberba, inimigo dos mais pequenos e das minorias. O futebol terá que mudar sob pena de um dia, distante é certo, mas inevitável, conhecer um declínio inexorável.
E o futebol era tão bonito...
Abraços Gloriosos.
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