domingo, 1 de novembro de 2020

A luta por uma relíquia (II)

por MAURÍCIO AZEDO

Placar, 4 de fevereiro de 1977

A sede: intocável

– Nós construímos aquele estádio com muito amor. Como naquele tempo não havia betoneira, nós mesmos viramos concreto na mão – diz outro patriarca botafoguense, o advogado Manuel Maria de Paula Ramos, que, como muitos de sua geração, não tem coragem sequer de olhar para a sede do Botafogo. – Quando vou para o centro da cidade, viro o rosto para o outro lado quando o carro se aproxima da sede do clube.

Benemérito, diretor em mais de uma administração, ex-Presidente do Conselho Nacional de Desportos, hoje com 80 ano, Paula Ramos acompanha o Botafogo desde criança e amadureceu no convívio das coisas do clube. Era pouco mais que um adolescente quando um grupo de botafoguenses ocupou o matagal da rua General Severiano e conseguiu alugá-lo do Ministério da Justiça por 300 mil-réis por mês. Na década de 20, a mesma em que o presidente Artur Bernardes sancionou lei do Congresso autorizando o governo a ceder o terreno por aforamento ao Botafogo, Paula Ramos testemunhou o esforço de Darke de Matos, que morreu sem poder consumar a obra, e de Sérgio Darcy, que lhe sucedeu, para construir a sede de linhas coloniais. E viu também a inauguração do atual estádio, a 28 de agosto de 1938, com um jogo em que o Botafogo de Aimoré, Bibi e Nariz, Zezé Moreira, Martim e Canali, Téo Pascoal, Carvalho Leite, Perácio e Patesko venceu por 3 a 2 o Fluminense de Batatais, Moisés e Guimarães, Santamaria, Brant e Orozimbo, Bioro, Romeu, Sandro, Tim e Hércules.

– O campo, nós não poderíamos mesmo manter, pois não se concebe a existência de um estádio numa área urbana tão valorizada como aquela de General Severiano – diz Paula Ramos, que admite esse sacrifício por entender que o Botafogo chegou a uma situação financeira muito delicada e que acabou afetando seu patrimônio. – Mas a demolição da sede é inadmissível, tal o valor afetivo que ela tem para o clube. E digo isso não apenas pela evocação dos momentos agradáveis que os sócios passaram lá, nas festas dominicais, nos encontros de fim de tarde, mas pelo que ela significa para o Botafogo: aquele chão é um símbolo do clube, de que não podemos abrir mão. Além do mais, é um casarão muito bonito, que ornamenta aquela área, tão cheia de espigões.

Junto com outros beneméritos do clube, Paula Ramos firmou uma ação popular impetrada na 9ª. Vara Federal com o objetivo de anular a venda do imóvel à Vale do Rio Doce. Além dele, assinaram o documento outros botafoguenses históricos, como Renato de Paula e Silva Tavares, Brandão Filho, Emílio Beakline, Julien Gomes de Oliveira. Como testemunhas foram indicadas 25 pessoas ligadas à vida do Botafogo, como os ex-presidentes Altemar Dutra de Castilho, Nei Cidade Palmeiro e Rivadávia Correia Méier, o desembargador Fabiano de Barros Franco, membro do Tribunal de Alçada do Estado do Rio, Nélson Mufarrej, ex-Secretário de Finanças do Rio no tempo em que a cidade era capital da República. Na fundamentação da ação, dizem os autores que a venda do terreno da sede e do campo foi feita por valor inferior ao do mercado (o Botafogo recebeu 90 milhões de cruzeiros, mas os inimigos da venda dizem que a área vale no mínimo 170 milhões) e que o Conselho Deliberativo exorbitou ao dar autorização ao atual presidente do Botafogo, Charles Borer, para efetuar a transação.

Uma boa surpresa

Embora alguns signatários admitam que a ação conseguirá, no máximo, retardar por dois ou três anos a demolição da sede, os não-mudancistas obtiveram uma vitória importante, porque o juiz federal concedeu liminar – uma decisão judicial que não entra no mérito da causa – para o fim de sustar a demolição. Graças a isso, na tarde do dia 24, quando a Vale do Rio Doce foi à sede do Botafogo para receber as chaves do prédio e assumir a posse de toda a área, que ela já começara a demolir, o presidente Charles Borer polidamente se negou a entregar o casarão, sob a alegação que o caso está pendente de decisão judicial.

Logo que foi informada da ação popular, a Vale do Rio Doce teve uma precaução: adiou o início dos trabalhos de sondagem do terreno, que deveriam começar agora no fim de janeiro. Com isso evitou o contratempo de mobilizar uma empresa especializada, que instalaria imensos bate-estacas para perfuração do subsolo, e de repente ter de paralisar a sobras, diante de uma decisão judicial adversa.

Entre a venda da área e o prazo de entrega, os não-mudancistas foram favorecidos por um fato inesperado. Diante dos planos de contenção de investimentos determinados pelo governo federal para 1977, a Vale do Rio Doce não pôde incluir em seu orçamento deste ano os recursos para a construção das obras de sua nova sede. Durante este ano, pelo menos, os botafoguenses históricos poderão batalhar pela preservação de seu patrimônio.

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