por GABRIEL FERREIRA BORGES
Tribuna de Minas, 09.02.2021
Caro Daniel,
O seu pai nunca se interessou pelo Botafogo, tampouco pelo futebol. Normalmente, saiba, o amor pelo clube vem primeiro. Pelo futebol, apenas depois. Não é que o desinteresse do seu pai pelo Botafogo tenha me furtado noites de sono. Nunca levei a cabo a tradição de acostumar o próprio filho às cores do clube desde criança de colo, embora confesse que o caminho até o Maracanã sozinho me frustrasse. Porém, como a cada ano conto um a menos de vida, reservo-me o direito da tentativa derradeira de constituir um herdeiro, já que não sei se conseguirei vê-lo, meu neto.
Quando tinha 17 anos, enchi a boca para cantar parabéns ao Flamengo junto a outras 40 mil pessoas. Era aniversário do rival e, como presente, lhe demos uma goleada por 6 a 0. Embora eu já tenha alguns anos de vida, ainda não consegui decidir se foi este o melhor dia da minha vida ou aquele em que encontrei a sua avó em General Severiano. Durante nove anos, cantávamos parabéns ao Flamengo durante todos os jogos em que nos enfrentávamos. Paramos apenas quando nos devolveram a goleada, mas os juros já eram altos.
Já com 34, vi Maurício nos tirar de uma fila de 1989 contra o mesmo Flamengo. Até quis dar ao seu pai o nome de Emil, mas a sua avó, já grávida e rubro-negra, não deixou. Dizia que não se dava o nome de Emil a uma criança, mas até hoje jogo no bicho por Seu Emil. Espero que seu pai não fique chateado por explicá-lo agora quem era Emil Pinheiro – ao menos não sou Bangu. É que não tive a oportunidade de comemorar muitos títulos. Não é para isso que se é Botafogo. Ganhar é apenas uma circunstância, não um ritual.
Cresci com as histórias de rádio que meu pai me assoprava na beira da cama sobre Heleno de Freitas, Quarentinha, Zagallo e Manga. Contei ao seu pai sobre Nilton Santos, Didi, Mané Garrincha, Gerson e Jairzinho. E quem me deu a última catarse foram Sergio Manoel, Donizete e Túlio. Nesta época, o seu pai, já criança, até colocava a única camisa que lhe dei de presente, mas não dava muita confiança para a televisão – a sua avó o achava muito novo para me acompanhar ao Maracanã. Acho que vestia alvinegro apenas para me agradar.
Vi um holandês, um japonês e um marfinense jogarem por nós, mas assisti também a três rebaixamentos. O último que testemunhei, e provavelmente testemunharei, nos foi de uma ironia miserável, porque, à frente do adversário, estava o filho de Jairzinho. Você vai aprender cedo, meu neto, que há coisas que, por alguma ordem metafísica, só acontecem com o Botafogo. Não se é Botafogo pela normalidade, mas pelo êxtase de um raro arrebatamento misericordioso. Perdoe o seu avô pela melancolia, mas, quando crescido, você entenderá que as mazelas de ser Botafogo são parecidas com as mazelas da vida.
Com carinho,
Manoel Francisco
4 comentários:
Olá Ruy!
Que texto lindo! Espero que o Seu Gabriel, consiga levar o netinho para as suas cores.
O lema é Vascaíno mas serve a todos, "enquanto houver um coração infantil, o Vasco (nesse caso o BFR) será imortal!"
"Cresci com as histórias de rádio que meu pai me assoprava na beira da cama sobre Heleno de Freitas, Quarentinha, Zagallo e Manga. Contei ao seu pai sobre Nilton Santos, Didi, Mané Garrincha, Gerson e Jairzinho."
Fui criado assim também, e assim crio minha filha. Um clube como diz o Senhor Gabriel é uma relação de amor, e quando encontra caminhos consanguíneos é uma das mais belas partilhas que se pode ter.
Que texto gostoso!
Abração!
Só discordo da "falta" de títulos. Podemos não ter em grande quantidade. Mas temos alguns. Nacional, Taca Brasil, Carioca, Taca Guanabara e torneios nacionais e internacionais. Separei campeonato brasileiro da taça Brasil. São competições diferentes. Não respeito à unificação da cbf. Só nos falta a Liberadores, pre-requisito para disputar o Mundo. Ia esque esquecendo: temos a Conmebol, a taça, copa ou caneco...
É um texto bonito, mas con algum exagero de baixo astral. Talvez seja da época.Mas é bonito, e por issopubliquei.
Grande abraço.
Estou de acordo, Maninho. E se não considerar apenas o departamento de futebol, mas o Clube, temos recordes mundiais e sul-americanos em natação, remo, etc., campeonatos mundiais e sul-americanos em futebol de 7, atketismo, basquetebol, voleibol, polo aquátic, etc.
É um grande Clube e com muitos títulos, que só podem ser considerados poucos se, por exemplo, quisermos comparar com clubes que têm mais títulos no futebol, como o Santos, o Palmeiras, o Flamengo,etc.
E como sou torcedor de um Clube e não de umdepartamento,estou muito contente com tantos títulos mundiais e sul-americanos.
Abraços Gloriosos.
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