quarta-feira, 13 de abril de 2022

Fragmentos ‘futebol do botafogo 1966-1970’: Garrincha depois do Botafogo… Parte II [12]

por CARLOS FERREIRA VILARINHO

especialmente para o Mundo Botafogo

sócio-proprietário e historiador do Botafogo de Futebol e Regatas

 [A narração que se segue antecipa o III Volume da coleção, a editar em 2022, e reporta-se ao ano de 1966]

No dia 29, o Botafogo decidiu pagar mensalmente a Nair uma pensão de 200 cruzeiros. Júlio Azevedo fora visitá-la recentemente em Pau Grande, ficando estarrecido com o quadro de miséria que encontrou no antigo lar de Garrincha. Nair tirava seu sustento da venda de laranjas na estrada. Com as duas pensões, ela e as 8 filhas não dependeriam mais de Mané. Viveriam modestamente, mas não passariam fome.

Em 7 de junho, uma sexta-feira, a dois dias da decisão do campeonato carioca, foi inaugurada na sede do Botafogo a “Sala dos Bicampeões do Mundo”, representados no evento por Nilton Santos, Garrincha e Zagalo. Mané (desacompanhado) se envolveu com a bandeira alvinegra e apostou numa vitória do Botafogo por 2x1. O Botafogo massacrou o Vasco da Gama por 4x0. Na noite de quarta-feira, no Maracanã, sem a festa para Garrincha, que a cantora impediu, o Brasil goleou o Uruguai (4x0) e conservou a Taça Rio Branco.

Em 21 de junho, em Montevidéu, o Nacional anunciou que desistira de contratar Garrincha, pois o mesmo, negando-se a passar por um período de testes (dois meses), voltara ao Brasil sem dar satisfações. Mané não via dinheiro desde janeiro, mas quem é sustentado obedece. Por isso, esnobou outro emprego.

O Boca Juniors oferecera a Garrincha 12 mil dólares para defendê-lo no Pentagonal marcado para 11 de agosto. Mané vinha treinando há duas semanas, porém, quando soube que sua cota fora reduzida para 2.285 dólares (por jogo), consultou a cantora e voltou ao Brasil. “Por uma diferença ridícula, tudo veio abaixo” – justificou. Triste.

No dia 30 de novembro, em disputa do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Vasco da Gama venceu firme o Flamengo (2x0). Agora na Gávea, Garrincha superou tudo, baixou o peso (71 kg) e jogou 45 minutos de um futebol excelente. Explica-se. Três semanas após desistir do Boca Juniors, Garrincha chegou a Barranquilla para defender o Deportivo Júnior até dezembro, mas só disputou um jogo, pois na primeira semana de setembro, a cantora chamou-o de volta. Mané pretendia voltar em novembro para disputar o terceiro turno do campeonato colombiano, contudo, duas semanas depois, começou a se exercitar no Flamengo. Adeus, Deportivo! Em 22 de outubro, Wadih Helu cedeu à moça, autorizando Garrincha a assinar com o Flamengo até junho de 1969. O empréstimo sairia de graça, antiga exigência rubro-negra.

Quanto ao jogo, Fernando Horácio escreveu na Última Hora que Mané (inscrito só na sexta-feira), mesmo sem contrato, jogaria “por amor ao Mengo”. O outro colunista, João Saldanha, certo de que ninguém consultaria as coleções dos jornais, falseou os fatos com cinismo incomum: “Apesar de ter sido o que foi como jogador, Garrincha só ganhou ordenado e, diga-se de passagem, apesar de ter sido o melhor jogador de seu clube, nunca foi o melhor ordenado. Nem o segundo, talvez, nem o terceiro. Só quando foi para o Corinthians é que ganhou umas luvinhas”.

Vejamos. Em agosto de 1955, Garrincha assinou seu segundo contrato com o Botafogo, passando a ganhar mensalmente 16 mil cruzeiros, mais luvas (50 mil), superando o ordenado de Nilton Santos (14 mil). Em fevereiro de 1956, Didi foi contratado por 28 mil mensais. Passados seis meses, Nilton Santos renovou pelo mesmo valor. Em agosto de 1957, Didi renovou por um salário de 70 mil, o maior do Brasil. Três meses depois, Mané renovou por 32 mil (segundo salário). Em julho de 1958, o Botafogo aumentou os salários de Nilton Santos e Garrincha para 50 mil e 45 mil, respectivamente. Zagalo foi contratado por 100 mil mensais, entre ordenado (40 mil) e luvas. Cinco meses depois, Garrincha passou a ganhar 80 mil, mais que Didi. Em julho de 1959, Didi foi vendido ao Real Madrid.

No mês seguinte, Nilton Santos renovou por 60 mil mensais, mais luvas (400 mil). Em julho de 1960, Zagalo renovou por 70 mil. No mês seguinte, Didi foi comprado de volta, passando a ganhar como Mané. Em janeiro de 1961, o Botafogo premiou Garrincha com 300 mil para a compra de um terreno. Em agosto, o ordenado de Nilton Santos foi equiparado ao de Didi e Garrincha. Em dezembro, Mané renovou por 150 mil, mais 3 milhões na mão. Em julho de 1962, Zagalo renovou pelos mesmos 150 mil, mais luvas de 4,5 milhões (3 anos). Nilton Santos ganhou 3 milhões (2 anos) e o mesmo salário de Garrincha e Zagalo. Didi deixou o Botafogo para seguir a carreira de treinador do Sporting Cristal, do Peru. Em agosto, Mané ganhou um apartamento que valia 7 milhões. Em outubro, Amarildo renovou pelo salário-teto, acrescidos de 10 milhões. Em janeiro de 1963, Nilton Santos, Garrincha e Zagalo ganharam 1 milhão a título de luvas. No mês seguinte, cada um recebeu mais 2 milhões. Em julho, Amarildo foi vendido ao Milan. Dois meses depois, Gérson foi comprado, ganhando como Amarildo: 150 mil, mais 10 milhões na mão.

Em fevereiro de 1964, além dos bichos normais, Garrincha passou a receber cotas por jogo (100 mil), que subiriam para 150 mil (nas vitórias). No exterior, a cota seria de 300 mil. Contrato melhor só o de Pelé. Nilton Santos ganharia o mesmo. Zagalo receberia menos: 50 mil por jogo no Brasil e o dobro no exterior. Cinco meses depois, o contrato de Nilton Santos lhe garantiu uma remuneração mínima de 300 mil mensais, jogando ou não. Em agosto, Didi retornou, ganhando o salário-teto. Quatro meses depois, Nilton Santos decidiu se aposentar. Em fevereiro de 1965, Didi foi emprestado ao Vera Cruz do México. Em abril, Garrincha renovou, passando a ganhar 800 mil por mês, mais 150 mil por jogo (300 mil no exterior), independentemente do resultado. Cinco vezes mais do que era pago a Gérson. Em setembro, Gérson passou a ganhar 1,1 milhão por mês, entre luvas e ordenado (750 mil).

Em outubro, Zagalo voltou aos gramados (por 450 mil). Em janeiro de 1966, pendurou as chuteiras. No mesmo mês, Mané foi vendido ao Corinthians, que lhe pagou 30 milhões pelos 15%. Que luvinhas!

Garrincha foi o responsável direto pelo público (mais de 100 mil torcedores), mas quem riu foi o Flamengo, pois sua parte na bilheteria foi de 73 mil cruzeiros novos (73 milhões velhos). Além disso, foi convidado pelo Atlético para se exibir em Belo Horizonte, ganhando 40 mil limpos. Já Mané (sem contrato) só recebeu alguma coisa (2 mil) depois de muita insistência do preparador físico Francalacci.

Atuando como titular desde janeiro de 1969, Garrincha provou que estava recuperado para o futebol. O Flamengo, que não gastara um centavo com ele, quis então lançá-lo no campeonato carioca. Por isso, registrou um contrato na Federação. Mas somente em 7 de março! Continuou-lhe pagando apenas 1 mil por mês e reduziu a cota por amistoso (cuja atração era Mané): de 3 mil para 2 mil. Em contrapartida, fixou a cota de 4 mil por jogo do campeonato. No dia 12 de abril, um sábado, Garrincha se contundira no início da partida e Zélio o substituíra. Provavelmente, se recuperaria a tempo de enfrentar o Botafogo daí a oito dias, mas o Flamengo tinha outros planos. O rubro-negro estava empenhado em concluir a compra do ponta-direita Doval (25 anos), do San Lorenzo de Almagro, para justamente lançá-lo no clássico. Na noite de domingo (13 de abril), retornando de Pau Grande (fora visitar as filhas), Mané dirigia pela Rodovia Presidente Dutra quando um caminhão inesperadamente invadiu a pista. O Gálaxie dirigido por ele colidiu violentamente com a traseira do caminhão e capotou quatro vezes. Garrincha sofreu escoriações nas pernas e contusões (rosto e braço). Sua filha adotiva (de 3 anos) foi internada com fraturas (clavícula e tíbia). Já a sogra teve morte instantânea. Os dois motoristas foram indiciados por homicídio e lesões corporais culposos. Na tarde seguinte, ainda em estado de choque, Mané foi visitar a menina e desabafou para o seu médico: “Aquele Garrincha alegre que o senhor conheceu, doutor, morreu no desastre”. A cantora o consolou: “É o destino, nêgo. Não podemos fugir dele”. Este “destino” foi Neném quem escolheu em março de 1963. O Mengo concedeu uma licença a Garrincha e depois, no final de junho, livrou-se dele. Garrincha percebeu que fora usado. Nunca mais se levantou.

Extraído do livro “O Futebol do Botafogo – 1966-1970” (a lançar em 2022).

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