segunda-feira, 21 de junho de 2010

Otávio de Moraes, uma saudade – III


[Nota de Mundo Botafogo: a maioria de nós não vivenciou os anos 40 do século passado, os tempos de Geninho, Paraguaio, Oswaldo, Heleno de Freitas e… Otávio Moraes; este último craque foi entrevistado por José Rezende antes de falecer e conta a sua e a nossa história da década de 1940]

A saída do Botafogo e as propostas de Modesto Roma

O Botafogo, após a conquista do título carioca de 1948, só voltou a ser campeão em 57. Otávio nos fala sobre o que aconteceu depois de 48 até a sua saída do clube:

“Nós fizemos a partir de 48 campeonatos muito bons. Chegamos aos anos seguintes até o quarto lugar. Em 51, ficamos em 3o a um ponto do Fluminense e do Bangu, que decidiram o título. Nós perdemos do Madureira por 2 a 1, em Conselheiro Galvão, e eles bateram muito”.

Convocado por Flávio Costa para o sul-americano de 1949, Otávio aparece antes de um treino da seleção brasileira ao lado de Carlyle e Leônidas da Silva, o famoso Diamante Negro.

Depois de mais de dez anos de Botafogo, Otávio deixou o clube de seu coração:

“Minha ligação com o Botafogo era muito forte e a minha saída foi difícil. Eu entrei em litígio com o Brandão Filho, diretor de futebol profissional, que era um amigo. Houve um incidente num treino. Ele levava sempre dois guarda-costas armados. Isso não tem nada a ver, cria constrangimentos. Entre os atletas de todos os esportes havia muita união. Nós estávamos acabando de treinar para depois a turma de o atletismo realizar seu treinamento. Enquanto isso, alguns atletas ficavam correndo em torno do campo. Um dia, o Brandão cismou e mandou parar o treino. O Carvalho Leite era o treinador. Aí, o Brandão expulsou os atletas de campo que saíram tranqüilamente. O atletismo do Botafogo era campeão brasileiro e vários atletas da equipe eram campeões sul-americanos. Nós ficamos no meio do campo e o Gerson comentou: “Esse homem não pode fazer isso com essa rapaziada”. O Geninho concordou conosco, mas disse que não podia fazer nada Então, falei: você não pode porque é investigador e trabalha na delegacia dele. O Emil Pinheiro também era investigador e trabalhava com o Brandão Filho. Combinamos falar com o homem, sem o Geninho. Fomos eu, Gerson e o Pirilo. Explicamos ao Brandão que estávamos nos sentindo culpados pelo que aconteceu e considerávamos aqueles atletas glórias do clube. Ele nos olhou e disse: “Vocês querem que eu peça desculpas”. O Gerson falou: “Sim, porque nós vamos pedir desculpas a eles”. O Brandão Filho deixou claro: “Fiz o que tinha que fazer e não peço desculpas a ninguém”.

Eu sou botafoguense e, em São Paulo, sou peixe. Eles me trataram com a maior cordialidade. O presidente era o Modesto Roma que tinha muito do Carlito Rocha. Um homem alto, rico, agente marítimo, possuía uma frota de navios em Santos e exportava muitos produtos para a Europa. Ele alugava as embarcações e fazia a exportação. Ele veio ao Rio para me levar para o Santos e me disse que iria formar um time a fim de marcar época na história do futebol paulista e brasileiro. Formou a equipe com: Manga, do Bonsucesso, Carlyle, Hélvio, Nenem, Zito, Formiga, Tite, Telesca. Terminamos o campeonato de 1952, em 3o lugar.

Eu não queria sair do Botafogo, mas o Brandão Filho enviou uma carta para mim me autorizando a procurar clube. Tanto que eu o procurei e disse-lhe que não ia procurar clube. O senhor que está querendo a minha saída, procure um clube pra mim. Coloque meu passe à venda. Onde já se viu uma mercadoria se autovender. Aí, apareceu o Santos. Tudo o que eu pedi, o Modesto Roma fez. Assinei por dois anos com a promessa de no fim do contrato ser o arquiteto, eu já estava formado, da firma construtora que ele iria abrir e responsável pela construção de um estaleiro e pelos projetos para fabricar seus próprios navios. Parece mentira, mas eu não minto. O Modesto me disse: “Você vai ser um homem rico” Eu teria de viajar com minha mulher e meu filho para Amsterdã, a fim de estudar arquitetura naval. Quando fui para o Santos, já estava exercendo a profissão de arquiteto, na equipe do Jorge Moreira, na Cidade Universitária. Então, solicitei que ele me indicasse clientes e montasse um escritório completo para mim em Santos. Na sede da firma dele, o Modesto montou o escritório. Fui a São Paulo e comprei todo o equipamento para o escritório, pago por ele. O cliente que me foi apresentado era uma Congregação de Padres chamada Operários de Jesus. Os padres queriam construir num terreno, um edifício com um cinema embaixo e apartamentos em cima para alojar os membros da congregação que fossem a São Paulo Aluguei uma casa na praia de São Vicente e passei a me ocupar com a arquitetura e o futebol. Fiz o projeto e começamos a construir. Tudo corria bem. Até que comecei a sentir uma falta enorme, não sei de que, do Rio de Janeiro. Procurei o Modesto Roma e expliquei a situação. Ele ficou decepcionado. A diferença entre São Paulo e o Rio é muito grande. Quando estávamos em campo todos éramos amigos. Depois ninguém me procurava e eu também não procurava ninguém. Fazer uma amizade era difícil. Era uma sensação esquisita.”

O convite de Zezé e o não dos dirigentes

“Quando retornei ao Rio, o Zezé Moreira estava treinando o Fluminense. Falei com ele que conseguiria o empréstimo do meu passe junto ao Santos. Com 29 anos, considerado velho naquela época, não seria fácil encontrar um clube para comprar meu passe. Viajei com o pessoal do Fluminense numa excursão à Colômbia. Retornamos e o Zezé me disse que os diretores não se interessaram em assinar contrato comigo, porque eu já estava velho. Joguei ainda um período na Portuguesa, da Ilha do Governador, em 1953.

Como considerei não ter dado ao Santos o retorno pela compra do meu passe, procurei o Modesto Roma com um cheque no valor das luvas por mim recebidas. Ele disse que o cheque era meu. Ponderei que não havia cumprido o contrato com o Santos. “Só você mesmo. Nunca encontrei na minha vida alguém como você. Você é uma das pessoas mais dignas que já encontrei”, foi à resposta dele. Em 1961, ele não era mais presidente do Santos, e nós nos encontramos. Fomos almoçar no restaurante da firma dele em Santos. Acabamos de almoçar e fomos até a janela. Ele olhou para mim e disse: “Trouxe você aqui para ver a construtora que eu fundei e que você deixou para voltar para o Rio, quando o projeto tinha que ser seu. Estou mostrando para você saber que tudo o que eu tinha prometido era verdade”.

Em 1953, Otávio retornou ao Rio e tentou o Fluminense. Mesmo com o aval de Zezé Moreira, os dirigentes tricolores não contrataram o atacante por causa da sua idade, 29 anos. No dia 19 de março de 1953, Otávio integrou a equipe das Laranjeiras na partida diante do Deportivo Cali, em Medelin, por ocasião da inauguração do Estádio Atanásio Girardo.

Pesquisa: Rui Moura, blogue Mundo Botafogo
Origem: ABI (Associação Brasileira de Imprensa), entrevista de José Rezende, 11/11/2009

2 comentários:

Anónimo disse...

Fala Rui..
E aí?
Teremos o volume IV de Otávio de Moraes, uma saudade?!
Estou curioso por saber se ele retorna a Santos pra tocar o estaleiro do Roma.
Que história, hein!
Curto mto o blog!
Um abraço!
MarceloTranin
Volta Redonda-RJ

Ruy Moura disse...

Sai hoje o IV e último, Marcelo.

Pois é... acho que o arquiteto gosta muito mais do Rio...

O Otávio era uma figuraça! O Botafogo tem figuras extraordinárias!

Abraços Gloriosos!

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