por Tatiana Cavalcanti
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“Ela tem um saxofone na garganta", foi o que disse a lenda do jazz estadunidense, Louis Armstrong, sobre a voz de Elza Soares, na época uma garota de 20 e poucos anos. Elza e Armstrong foram convidados a representar seus países na Copa do Mundo de Futebol de 1962, no Chile, em que o Brasil foi bicampeão, e cantaram lado a lado. O timbre de voz potente daquela jovem, com apenas 1,58 m de altura e que era também a madrinha da seleção brasileira, lembrava o do astro norte-americano; foi então que começaram a chamá-la de "a filha de Louis Armstrong" e assim Elza Soares foi apresentada ao mundo. Mas a garota Elza protagonizou uma – de muitas – cena cômica. "Ele (Armstrong) me chamava de 'daughter' e eu entendia doutora. Mandei dizer pra ele que meu nome era Elza e não doutora. Aí me mandaram ir fazer um carinho nele, naquele armário, um baita negão, e chamá-lo de 'my father', mas tudo que eu entendia era que queriam que eu falasse para ele me foder", diverte-se. Elza, que hoje fala várias línguas, considera-se filha espiritual do grande mestre do jazz.
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Nasceu em uma favela do Rio de Janeiro, casou-se muito jovem e aos 12 anos já estava grávida do primeiro filho. "Eu era uma moleca, morava em Água Santa e todos os dias levava café para meu pai na pedreira com uma louva-deus atrás da orelha. Adorava aquele ruído rouco. Acho que foi daí que tirei inspiração para cantar como eu canto. Até que certo dia, um menino uns cinco anos mais velho que eu assustou a louva-deus e ela foi embora. Fiquei enfurecida, me atraquei com ele e tivemos uma briga do cacete no meio do mato. Sangrei e tudo mais. Meu pai nos flagrou e achou que o cara estava me estuprando. Foi aí que casei pela primeira vez, porque meu pai achou que era mais responsável que fosse assim", revela.
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Com o primeiro marido, Elza teve sete filhos, dois morreram famintos e outro foi doado, tamanha a miséria em que a família se encontrava. O jovem marido morreu tuberculoso e ela, com apenas 18 anos, já era viúva.
Elza era apenas uma menininha de 13 anos de idade quando participou do programa de Ary Barroso na Rádio Tupi. Preocupada em comprar remédio para o filho recém-nascido, fez sua primeira apresentação ao vivo no auditório da emissora, que era a maior de seu tempo, e a plateia ria muito da garotinha de tranças com aquele vestido esquisito, cheio de alfinetes para esconder o excesso de pano da roupa da mãe. (…) Ary Barroso, que a tratara por filha, como fazia com todos os calouros, foi seco e rude no palco. "Que você veio fazer aqui?", perguntou ele postado ao piano. Ela disse imediatamente: "Vim cantar". Ele, de forma irônica, perguntou: "Mas de que planeta você veio mesmo?". O público caiu na gargalhada com a situação, mas logo em seguida ficaram estarrecidos com a resposta direta e franca da garota: "Senhor Ary Barroso, eu vim do planeta da fome, do mesmo planeta que o seu". A platéia, que há pouco gargalhava, emudeceu imediatamente. Quando ela começou a cantar "Lama", (…) Ary Barroso anunciava o nascimento de uma estrela.
Aos 25 anos conheceu o homem que marcaria sua vida, Manuel Francisco dos Santos, ou simplesmente, Mané Garrincha. Ao lado dele enfrentou muitos obstáculos, preconceitos e ela ainda chamou a atenção da ditadura militar ao gravar o jingle da campanha de João Goulart, o Jango, à vice-presidência. Naquela época, suas atitudes ousadas e sempre à frente de seu tempo eram vistas com maus olhos, e por essa razão ela foi tachada de "inimiga do lar" e "mulher danosa ao casamento" por meio de uma campanha moralista e conservadora que teria sido incentivada por "paladinos da moral e dos bons costumes" e senhoras religiosas que marchavam contra o comunismo e contra aqueles que viviam em "pecado conjugal". Tudo isso porque Garrincha havia se separado da mulher para assumir seu romance com a cantora. Elza era perseguida na rua, ameaçada de morte e teve sua casa alvejada por ovos e tomates, além de cartazes ofensivos constantemente grudados no seu portão. Certo dia, os militares finalmente bateram à sua porta. "Vasculharam minha casa inteira e sumiram com tudo o que eu tinha, não fui presa por pouco", revela.
A relação com a torcida do Botafogo, time no qual seu marido de pernas tortas era o astro principal, também não era nada amistosa. Os botafoguenses a culpavam por todo o mal que acometia seu maior jogador. Alguns chegaram a chamá-la de bruxa, mas o único feitiço que ela fez foi amar um homem e ser amada de volta. E ela peitava qualquer um que desse bebida alcoólica a seu marido. Chegou a correr de bar em bar ao redor dos estádios em dias de jogo pedindo para ninguém dar álcool a ele. Ficaram juntos por 16 anos, de 1962 a 1978.
Com Garrincha, Elza Soares teve um filho, Garrinchinha, o menino que ele tanto desejava após ter muitas meninas com a primeira mulher em Pau Grande, distrito do município de Magé, no Rio de Janeiro. Garrinchinha não teve muito tempo para conhecer o pai. Mané Garrincha morreu de cirrose em janeiro de 1983, mas o garoto não sobreviveu muito tempo para entender quão genial eram seus pais: a mãe uma cantora de talento extraordinário e indiscutível, o pai, um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos. Três anos após a partida do marido, Elza levou outro duro golpe. Seu único filho com Mané Garrincha viajou a Magé para visitar o túmulo do pai e na volta morreu num acidente de carro, aos nove anos de idade.
6 comentários:
A materia e boa, e reconheço que a Elza foi uma figura importante, mas acho que se ela não tivesse se envolvido com o Garrincha a vida dele teria sido mto mais facil, certamente ele não iria parar no flamengo, e a torcida do Botafogo não se revoltaria contra o genio, eu acredito que a Elza fez os Botafoguenses "abandonarem" o Garrincha, devido ao fato de ela ser flamenguista, e ter forçado ele a sair do Botafogo, acredito tambem que a falta de consideração com o Garrincha o fez entrar em depressão, isso so fez piorar de vez o problema alcolico que ele tinha, que posteriormente causou sua morte.
S.A.
The Reaper.
Quero acrescentar uma coisa, The Reaper: o acidente de automóvel em que o Garrincha conduzia alcooolizado e se saldou pela morte da mãe de Elza, foi o acontecimento que, em minha opinião, foi realmente decisivo para a sua entrega total ao alcool nos últimos anos de vida.
Abraços Gloriosos!
Acho que Garrincha foi tal como um idolo do rock: viveu intensamente tudo o que tinha que viver e morreu.
Acho que Garrincha só é o mito que é hoje porque já morreu.
E Elza foi Elza.
Talvez seja isso memso, Júlio. Há pessoas que vivem tão intensamente certas coisas que não faz sentido continuarem a viver depois do êxtase. E Garrincha abusou de prazer com o futebol, com as mulheres e com a bebida.
Abraços Gloriosos!
Num país sem memória como o nosso, só a morte para eternizar certas pessoas. No mais recente filme de Garrincha percebe-se como a nossa torcida do FOGÃO é mestra em vaiar jogadores e atribuir insucessos a alguns, sem atentar que o clube é detentor de um AZAR miserável.
SB
Soares, o que diz acontece às vezes, sim. À vaia eu preferia um clube cidadão organizado que desse espaço à crítica organizada e à procura de melhores soluções conjuntas. A vaia não é elegante.
Abraços Gloriosos!
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