por LÚCIA SENNA, escritora e cantora
escrito para o blogue Mundo Botafogo
Não sou de mudanças. Sofro com
elas. Gosto da rotina, de morar há anos na mesma rua, na mesma esquina, de
saber de cor e salteado cada palmo do meu bairro, de comprar o pão do lanche da
tarde na tradicional ‘Padaria e
Confeitaria Imperial’, dos meus tempos de menina, ou entrar na ‘Galeria Atlas’, onde meu
material escolar era adquirido, época ida e vivida.
Gosto que me enrosco de falar com
todo mundo, de ter um dedo de prosa com a Dona Rosa, tão sozinha, tão carente,
tão necessitada de atenção, de gente... Gosto do jeito do Sr. Antenor, que
ainda me chama de ‘pequena’, pois me
viu crescer na rua, jogando bola, pulando amarelinha, brincando de polícia e
ladrão, brincadeiras de então...
E tem a minha vizinha, nascida Sebastiana, mas conhecida por todos como ‘Dona Moreninha’, quituteira de primeira, de mão cheia e que está sempre me presenteando com suas deliciosas receitas caseiras.
Não sou de mudanças, repito!
Gosto do que me é familiar! Chorei quando vi a ‘Casa Augusto’ fechar suas portas, para dar lugar a mais um
restaurante a quilo, sem nenhum charme, sem estilo. A ‘Casa Augusto’ era única, deliciosamente charmosa, a começar pela
voz do Sr. Augusto, dono da loja, que sempre muito elegante nos seus ternos de
casimira, a todos desejava um sonoro bom dia, acompanhado da expressão: "O
que vamos comprar hoje, senhora criatura?” – Delícia pura!
Havia no bairro uma sapataria
enorme, como já não existe mais, chamada ‘Andorinha’
cujo slogan era: “Ande com linha, na
Andorinha". Pois é! A linda ‘Andorinha’, que sozinha, já se sabe, não
faz verão, também acabou batendo asas, perdendo o seu lugar para um bar pé de
chinelo, denominado ‘Bar do Alfredão’’.
Fiquei deprimida, sentida, mas não havia saída. O cenário do bairro estava
mudando, a região crescia e o comércio original... aos poucos, sumia!
E eu? Sofria...
E eu? Sofria...
Não gosto de mudanças, mas já
receio estar me expressando mal. Afinal, não sou nenhuma xiita radical.
O que posso dizer com certeza é que gosto da rotina, e como diz a Lucinda, dela não falo mal. Rotina nada tem a ver com mesmice que rima com bolor, com chatice, com velhice, com a Dona Alice, cruz credo, que adora um ‘disse-me-disse’, uma mesquinharia, vive falando mal da Dona Maria, que apesar dos seus oitenta anos, tem alto astral e não dá a mínima para as mesmices de Alice.
Gosto de rotina, é verdade! E
quando, em público, faço tal declaração, sou quase apedrejada e solicitada a
dar rapidamente uma boa explicação. Digo, então, que sou taurina e que, apesar
de gostar da rotina, juro, sou gente fina, sou afinada no
canto e na rima, sou engraçada, conto piada, falo besteira, no fundo sou quase
igual a todo mundo, não quero ser rejeitada, a troco de nada – só quero ser
amada e respeitada, ainda que não tenha uma razão convincente para da rotina
gostar.
Gosto de frequentar os mesmos
lugares, bater papo com os amigos de sempre, ouvir as minhas músicas, rever
aquele filme, reler mais uma vez as crônicas da Martha Medeiros, ler o mesmo
jornal, navegar por mares já navegados e redescobri-los a cada velha/nova
viagem. Voltar sempre naquela página e constatar que havia ainda tanto para ser
sacado.
Rotina é aprofundamento, é ter
intimidade, é ver o novo no antigo,
no aparente ‘déjà vu’.
no aparente ‘déjà vu’.
Mudança, é claro, também faz parte de qualquer rotina. Mudança é, digamos
assim, a dança da vida! Mas, às danças da moda, eu continuo preferindo o de
sempre, o eterno "... são dois pra lá,
dois pra cá ..."
Imagens: Google.
15 comentários:
A rotina é algo muito importante pois ela nos traz uma sensação de organização e planejamento. Sem uma rotina diária, a vida se transforma em verdadeiro caos. Agora, fundamental também é poder sair da rotina, tirar férias dela e depois, voltar para o nosso dia a dia. Gostei do texto da crônica. Bem interessante o tema.
Preciosa pérola desse mundo em duplo sentido...
Já lhe disse algumas vezes e vou repetir que me impressiona e arrepia esse seu dom natural seu de observadora de elementos, fatos, casos e de vidas que dentro de você nessa sua cabeça lotada de sentimentos com temperos de perspicácia e sabedora, transformar de forma química e biológica em palavras fatos comuns de nossas vidas.
Todos os seus textos são repletos de recheios que sempre nos identificamos e não poderia deixar de ser diferente a identificação pessoal de cada um de nós.
Esse seu texto caiu feito uma bomba em mim lendo coisas suas na qual viajei nas minhas ótimas rotinas do passado... a escola, o ônibus que pegava as 6h da manhã em Copacabana para estudar no antigo Colégio Acadêmico no Humaitá, viajar todo fim de semana para Araruama com meus pais... enfim uma rotina que na época detestava e hoje amo em te-las tido.
Hoje reclama diariamente das minhas rotinas de trabalho, casa... mas me pergunto ( e me cobro ) porque não consigo mudar isso.
E não é que você me respondeu o porque com uma frase só: "Rotina é aprofundamento, é ter intimidade, é ver o novo no antigo,
no aparente ‘déjà vu’" APLAUSOS !!! Me senti aliviado.
Você Lúcia com certeza tem uma bagagem de cargas emocionais bem vividas e o dom de transformar tudo isso em textos magníficos e repletos de riquezas que nos atendem massageando nossa alma com respostas para algumas coisas que as vezes queremos uma resposta.
Magnífica Rainha das emoções, parabéns de verdade.
Amiga, querida, essas suas rotinas são absolutamente deliciosas. Na verdade, não são propriamente rotinas, mas referências, eu diria. São o seu chão, seu jeito de se situar no mundo. Num mundo, aliás, onde sempre prevalece a emoção. Nada a ver com "todo dia ela faz tudo sempre igual"... que Chico consagrou. Você, com esse coração eternamente na boca, concede a todo dia um novo olhar, criando uma "rotina" às avessas. Parabéns! Maria Inês Galvão - jornalista e escritora.
Levantas, em crônica a, da rotina, moral,
Ultrajada, usada como desculpa com tal
Constância pelos que não sabem algo explicar,
Inclusive pelo fim do amor entre um casal,
A quase sempre inexplicável quebra do par!
Mais do que perfeita é a imperfeição humana,
Alheatória, consequência do livre arbítrio,
Repleta de contradições e que nos afana...
Invés disso, nos pegas pela mão e, bacana,
Avivas as impressões no, do passado, átrio,
Sons havidos, cenas vividas, saudades dando...
E, desta forma, nos preparas pro porvir, quando,
Na certa, colheremos, nesses pomares, hortas,
Novadas atitudes, pensamento mais brando,
Aclarado pelas portas, janelas abertas...
Costeando o que escreves, navegaremos bem
Os mares esconsos que inundam o destino,
Serenos, mais, e mui mais conscientes também,
Tudo, graças teres repicado assim o sino,
A agudeza do talento, suave, amém!
Sérgio Sampaio, www.umpoetinha.com.br
A partir deste texto tive uma noção diferente do conceito de rotina. Normalmente associamos rotina ao tédio, mas nas palavras de Lúcia Senna rotina é descobrir novas nuances no nosso desgastado dia a dia.
Parabéns!!!
Gostosa leitura da "Rotina".Adoro também a rotina, tanto no trabalho, na família..., penso que se forma uma espécie de comunidade. É sempre uma delícia a leitura da crônica da escritora Lucia. Gostaria de ter ainda a rotina dos antigamente que, infelizmente, não foi possível, as coisas mudaram. Só que a crônica me fez um bem incrível.Parabéns!!! Sonia Costa
Oi, querido (a) leitor
A ideia é exatamente essa- sacar que na nossa rotina, existem muitas coisas legais a serem exploradas e que nos passam despercebidas.
Teu comentário me deixou feliz. É sempre bom saber que o texto te deixou algo de positivo, ou seja: olhar a rotina de forma prazerosa.
Obrigada.
Abraços
Rotina, caro leitor, é bom demais! Melhor ainda é poder sair dela de vez em quando.
( kkkkkk).
Obrigada pelos elogios,
Abraços
Pois é, amiga...
O cenário da vida da gente vai mudando e a medida que isso acontece, nossa rotina
automaticamente vai mudando também. É a lei da vida!
É muito importante saber que " Rotina" " te fez um bem enorme...".
Sinto-me realmente gratificada.
Bjs
Oi, querido leitor, que sempre me prestigia com comentários que, na realidade, são
verdadeiras crônicas, repletas de vivências e experiências de vida.
Destaco uma frase tua, que me pareceu bastante interessante :"...enfim, uma rotina que na época detestava e hoje amo em tê-las tido... "
Acho que aqui fica um alerta para todos nós: É preciso ser feliz e se saber feliz.
Dentro ou fora da rotina.
Obrigada pelo carinho de sempre.
Abraços,
Sérgio Sampaio, só tenho a te agradecer por tão deslumbrantes
poemas que me ofereces a cada nova crônica publicada no blogue.
São perfeitos não só na forma como no conteúdo. Lindos e lúdicos!
Mais uma vez,aceite os meus parabéns pelo raro talento que tens.
Um grande abraço,
Tu me emocionas sempre. Tua generosidade não tem limite. Se me dizes que tenho o coração na boca, o teu, certamente, está nas pontas dos dedos. Escreves lindo, porque pensas lindo! Te admiro tanto, minha eterna Clarisse Lispector! Estás sempre querendo me fazer acreditar que sou uma cronista especial. Mas, agora, uma pergunta: quem foi mesmo que escreveu o notável, o espetacular " PORÃO DE CRISTAL"?
Acho que já passou da hora de retirá-lo do porão e trazê-lo para a luz do sol- para que todos possam admirá-lo na sua infinita beleza.
Fica a sugestão.
Um grande beijo, amiga " de fé, irmã, camarada..."
Amiga, parabéns pela deliciosa leitura!!!! A rotina, realmente, fica leve e suave nas suas palavras, como deve ser!!!!!! grande beijo, Graça
Obrigada, amiga
Estou certa de que a rotina é algo positivo nas nossas vidas. Até porque se não a temos, como quebrá-la? kkkkk
Bjs, querida
Nossa voltei no tempo!!Que delícia!Adoro rotina.Ela me organiza e me deixa tranquila.Gosto também de quebra-la.Lucia,rotina nas suas palavra é uma gostosura.Maravilhosa,Parabéns!!!bjss carmem cardoso
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