Imagens de Internet / Montagem Mundo Botafogo.
por CARLOS
FERREIRA VILARINHO
especialmente
para o Mundo Botafogo
sócio-proprietário e historiador do Botafogo de Futebol e Regatas
[A narração que se segue antecipa o III Volume da coleção, a editar em 2022, e reporta-se ao ano de 1967]
Em 26 de setembro de 1967, uma terça-feira, o Botafogo e o Atlético Mineiro (que eliminou o Goytacaz) acertaram as datas dos jogos pela Taça Brasil. O presidente atleticano, Fábio Fonseca, argumentou que a renda seria maior se a segunda partida fosse disputada em Belo Horizonte. Premido pelas dificuldades financeiras, Palmeiro abriu mão do sorteio. Então, ficou assim: 11 de outubro, no Maracanã; 1º de novembro, no Mineirão.
Daí a duas semanas, na noite de quarta-feira, o Botafogo entrou em campo com o mesmo uniforme usado no Gomes Pedrosa (o triste 4x4). Nos primeiros minutos, preocupado com Nei (uma pilha de nervos), Gérson atuou mais recuado, abrindo, um buraco entre ele e Paulo Cézar, imediatamente aproveitado pelo Atlético Mineiro, que mantinha três homens na meia-cancha: Vanderlei, Amauri (marcador de Gérson) e Tião (no vaivém), este último, em constantes combinações com Laci e Ronaldo. Aos 15, Canindé investe no costado de Paulo Cézar e chuta da intermediária, mas a bola toma um efeito inesperado. Manga, quase na marca penal, ainda toca com a mão direita, mas leva o gol: 0x1.
Arriscando tudo, e graças ao avanço de Gérson (e Nei), o Botafogo custou, mas tomou o controle do jogo, levando constante perigo ao gol de Hélio. Aos 30, lançado por Paulo Cézar, Gérson penetra em velocidade e no instante em que finta Hélio, sofre carga faltosa, por trás, de Vander. Pênalti! Joaquim Gonçalves acha normal. Mas o empate estava maduro. Aos 41, recebendo da defesa, Paulo Cézar lança Roberto, que atira de esquerda, na corrida, antes do corte de Grapete. O couro explode no poste esquerdo e estufa o filó: 1x1.
Aos 42, Zagalo substituiu Airton (fraco) por Ferreti. Aos 43, Hélio abandona a grande área para neutralizar o lançamento de Nei para Ferreti. Grapete apanha a sobra e toca para Décio Teixeira, mas Rogério o desarma. Grapete corre para o gol vazio, enquanto Rogério (perdendo segundos preciosos) toca por cima. O couro bate na cabeça de Grapete, mas entra na gaveta esquerda: 2x1. Um gol espetacular!
Na fase final, o Atlético não viu a cor da bola. Ferreti entrou como uma luva no ataque, participando de tabelas infernais. Aos 24, Gérson entrega a Ferreti, recebe de volta, finge que vai atirar, mas toca para Paulo Cézar entrar livre e fuzilar de canhota no canto direito: 3x1. Golaço! Hélio ficou sentado. Nos 10 minutos seguintes, o Botafogo buscou o quarto gol, que praticamente decidiria a vaga. Então, regido por Gérson, começou um olé desmoralizante. Porém, aos 44, numa jogada de Laci, o juizinho mineiro apita mão na bola, em vez de bola na barriga de Zé Carlos. O lateral esquerdo Décio Teixeira reduz e o jogo termina: 3x2. Revoltante!
No vestiário, Fábio Fonseca jurou vingança: “Haverá forra em Minas”. Na madrugada de sexta-feira, ao desembarcar no Aeroporto da Pampulha, embora considerando justa a derrota (após 23 jogos), ele afirmou que a “molecagem de Gérson” não podia ser “perdoada”. Emprestado (de graça), há três semanas, Bianchini prometeu: “Se eu for escalado no próximo jogo, vou vingar a derrota e a palhaçada comandada por Gérson, nem que tenha de quebrar a perna dele”.
Na semana seguinte, Carlos Roberto participou normalmente do coletivo de quarta-feira (titulares 2x1), preparatório para o clássico contra o Flamengo. Gérson sofreu um estiramento na panturrilha direita e passou a preocupar. No apronto de sexta-feira (titulares 5x1), Gérson marcou 2 gols e foi o nome do treino, demonstrando frieza diante de ameaças de morte e outras violências. Na véspera, Zagalo lhe entregara uma carta anônima, contendo uma foto sua (cercada com cruzes) e outra do cadáver de Ernesto Guevara (assassinado na Bolívia, no domingo da outra semana). Frases coladas em folhas soltas desnudaram os remetentes: “Em Minas, morte”; “Vingança antes de morrer”; “A um passo da eternidade”, etc. No entanto, concordando com Toniato, Gérson atribuiu a autoria à torcida do Flamengo: “Sempre me envia bilhetinhos e ameaças, parecendo que ainda não aprendeu que, quando faz isso, entra sempre bem”. No domingo (22 de outubro), o Botafogo venceu por 2x1. No sábado seguinte (dia 28), derrotou o América por 1x0.
Agora, ia começar a batalha da Taça Brasil. Em Belo Horizonte, Fábio Fonseca afirmou: “Guerra é guerra e haja ou não sangue, o Atlético não perderá este jogo”. Ferreti se apresentou na segunda-feira (30 de outubro) com muitas dores na perna direita e passou a preocupar. Zagalo, inclusive, passou a suspeitar que ele estivesse escondendo uma distensão. Rogério foi liberado. Ufa! No individual do dia seguinte, Ferreti deu um pique e distendeu o músculo adutor da coxa, ficando praticamente de fora do jogo. Caso fosse reprovado no teste do vestiário, Airton entraria. Prevenindo-se contra o clima de terror, Zagalo adiou o embarque para a manhã de quarta-feira (dia do jogo).
Na noite anterior, seguiriam cerca de 2 mil botafoguenses em 27 ônibus contratados por Tarzan, chefe da torcida. Com eles viajariam Jaime de Carvalho e Dulce Rosalina, chefes das torcidas do Flamengo e do Vasco. Centenas de torcedores seguiriam em caravana nos seus próprios veículos. Não faltariam fogos e bandeiras para apoiar o Botafogo. Zagalo antecipou o que diria na preleção: “Temos de ganhar de qualquer maneira. Se perdermos o segundo jogo, ficaremos em situação dificílima no futuro. Seremos obrigados a disputar o terceiro jogo num intervalo de apenas 48 horas, e num mesmo intervalo disputaremos outra partida importante pelo campeonato carioca, contra o Vasco. O desgaste trará consequências imprevisíveis”.
Há duas semanas, o jornal do Atlético Mineiro publicara na primeira página uma foto de Gérson com a seguinte legenda: “É esse”. Ao lado, ameaçou: “Vamos vingar o olé”. Em outras páginas, publicou matérias com os seguintes títulos (em caixa alta): “Quem Vinga”; “Por que Temos de Vencer”; “Eis o Homem”; “Gérson, a torcida do Atlético está marcando encontro com você”. Na noite de terça-feira, Fábio Fonseca lançou o grito de guerra: “Vencer ou matar”.
Na manhã seguinte, 1º de novembro, um inédito aparato policial-militar, superior ao utilizado na segurança de Costa e Silva (na semana anterior), conduziu a delegação da Pampulha até o Mineirão. Parecia um país estrangeiro. O Botafogo denunciará: “A delegação do Botafogo, com efeito, saltou do avião que a transportara entre alas de praças armadas”. Os jogadores e a comissão técnica foram confinados no subsolo do Mineirão até a hora do jogo. Nas Tribunas, Palmeiro, Toniato e Gumercindo Brunet foram insultados e ameaçados.
Proibidos pela polícia de circular pela Cidade, os torcedores acamparam na Pampulha, mas foram avisados de que os bares e restaurantes estavam proibidos de lhes vender qualquer alimento. Marginais alvejaram os ônibus e os carros com ovos, paus, pedras e barras de ferro. Sobraram insultos e ameaças. Num dos ônibus estava a família de Carlos Roberto (os pais, duas irmãs e um irmão). Criminosos viraram um Fusca e reduziram a trapos as vestes de uma senhora. Já na entrada do Mineirão, os botafoguenses foram obrigados a tirar os sapatos para serem revistados.
Para entrarem em campo, os jogadores tiveram de passar em fila indiana entre soldados, “como se fossem prisioneiros” (Ney Palmeiro). Carlos Roberto levou uma pedrada no ombro. Gérson ofertou uma corbeille de flores a Fábio Fonseca, logo estraçalhada a pontapés. Após o Hino Nacional, a banda militar, de surpresa, tocou o “Oh, Minas Gerais”. Do túnel, os dirigentes atleticanos berravam: “Eles não podem sair daqui com a vitória”. O ambiente era claramente fascista.
Extraído do livro “O Futebol do Botafogo – 1966-1970” (a lançar em 2022).
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