quarta-feira, 11 de maio de 2022

Fragmentos ‘futebol do botafogo 1966-1970’: a maior atrocidade da história do futebol brasileiro… Parte II [16]

por CARLOS FERREIRA VILARINHO

especialmente para o Mundo Botafogo

sócio-proprietário e historiador do Botafogo de Futebol e Regatas

 [A narração que se segue antecipa o III Volume da coleção, a editar em 2022, e reporta-se ao ano de 1967]

Quando a bola rolou, Frederico Lopes se transformou no protagonista da maior atrocidade já cometida no Brasil contra um time de futebol. Escreveu o Diário de Notícias: “O Sr. Frederico Lopes, acovardado, apenas chamando a atenção dos cariocas e deixando o Mineirão ser transformado num verdadeiro Vietnam, onde a bola pouco foi perseguida, mas sim as canelas dos jogadores alvinegros por parte do time local”. O Botafogo denunciará ao STJD: “Os adversários só podiam estar dopados porque, durante o jogo, mostravam-se com os olhos excessivamente esbugalhados”.

Nos 10 minutos iniciais, o Atlético Mineiro cometeu 12 faltas, quase todas maldosas e violentas. Enquanto isso, o soprador ofendia os botafoguenses com palavrões, especialmente Paulo Cézar. Aos 14, Amauri leva uma pregada de Gérson e ameaça agredi-lo. Nas barbas do juizinho. Aos 15, Bianchini (segundo reserva de Ronaldo), que fugira o tempo todo de Gérson, debaixo de ruidosa ovação da plateia, atinge Carlos Roberto por trás, abrindo com as travas da chuteira um talho de 5 cm de profundidade na canela direita. O garoto sai de campo na maca. O lance pareceu casual ao garfador: “Não houve má-fé”.

Carlos Roberto pediu ao médico para colocar um esparadrapo, pois queria voltar, mas foi duramente repreendido e levado para o vestiário. Lídio Toledo aplicou-lhe duas injeções e fez a sutura (8 pontos), antes de conduzi-lo ao Pronto-Socorro para fazer a radiografia. A visão do sangue escorrendo fez Carlos Roberto desmaiar. “Quando passei a mão pelo corte, pensei que também tinha quebrado a perna, pois, mesmo por cima da meia, meus dedos quase chegaram a tocar no osso” – desabafou.

O Atlético tirou proveito do abalo provocado no Botafogo. Aos 18, recebendo de Bianchini, Laci atira da pequena área, mas acerta o travessão. Na sequência do lance, Tião chama Moreira. Quando o lateral se vira, leva uma cotovelada que além de feri-lo seriamente no lábio superior, compromete dois dentes. No chão, é chutado no ombro direito. Moreira reclama com Frederico Lopes, mas é ameaçado de expulsão. Aos 20, Afonsinho entra em campo. Aos 25, Roberto se surpreende com um presente de Canindé, perdendo segundos preciosos. O tiro é bloqueado por Vander. Aos 37, Ronaldo substitui Bianchini. A torcida vaia. Era cedo! Passa algum tempo. Valtencir é chutado no chão por Vanderlei. Era pra quebrar!

No segundo tempo, os atleticanos voltaram dispostos a tudo, caçando os adversários e procurando atingi-los deslealmente. Aos 9, Manga defende o tiro perigosíssimo de Ronaldo e Valtencir alivia. Aos 12, numa cobrança de falta, Roberto recebe de Gérson e fuzila de primeira, mas a bola não entra. Que azar! Aos 13, Buião recebe outra firme de Gérson. O tempo fecha. Aos 20, Rogério passa por Hélio, mas atira fraco, permitindo que Grapete salve em cima da linha. Incrível! Aos 22, Vanderlei derruba Paulo Cézar e passa a agredi-lo com pontapés. Airton socorre o companheiro, mas é chutado por Grapete, revida com uma bofetada e é expulso. Ferido seriamente na cabeça, Paulo Cézar é retirado na maca, debaixo de vaia. Frederico Lopes atribuiu o corte à grama! Aos 25, Ronaldo comete falta em Manga e toca para o gol vazio, mas o juiz já apitara a infração. Mas aos 28, Zé Carlos corta com as duas mãos um passe para Ronaldo: “Senti que seria encoberto e não vi que o Moreira estava atrás de mim. Creio que por causa do nervosismo, tive a impressão de estar fora da área”. Pênalti! Ninguém quer bater, mas Ronaldo se apresenta e abre o placar: 0x1. Gérson se mandou, mas faltou sorte ao Botafogo para desfazer a injustiça.

A delegação alvinegra só deixou o Mineirão na madrugada de quinta-feira, protegida por forte escolta policial, depois de sucessivos pedidos de socorro pelo telefone do estádio. Não parou aí. Uma multidão voltou a atacar a caravana botafoguense, dando socos, pisoteando e rasgando bandeiras, e depredando quaisquer ônibus e carros com chapa da Guanabara. Um atleticano esfregou um cigarro aceso no braço da irmã de Carlos Roberto, Tânia. Sua irmã Regina reagiu e se feriu na mão. Os mineiros gritavam para os cariocas: “Tragam ambulâncias!” e “Sexta-feira é dia de enterro”.

A terceira partida estava marcada para daí a 48 horas, na mesma rinha, mas a chefia da delegação decidiu regressar ao Brasil na manhã seguinte e não voltar a Belo Horizonte, mesmo ao custo da eliminação.

Ney Palmeiro disse ao Globo: “Posso informar – e aqui vai uma opinião pessoal – que se ele [o juiz] expulsasse o Bianchini no lance que originou a contusão grave de Carlos Roberto, não haveria mais jogo e o conflito engolfaria público e jogadores”.

No recurso dirigido ao STJD, o Botafogo responsabilizou o Atlético e a imprensa local pelo “calamitoso clima de pavor” e que resultou em “promessas de massacre e em pedidos de cabeças”. Denunciou o juiz, que, antes mesmo do início da partida, advertiu “os jogadores botafoguenses de que, sob pena de expulsão, não lhe criassem situações embaraçosas”. E pediu que a decisão fosse realizada em campo neutro, em qualquer lugar, “menos em Belo Horizonte”.

Surpreendido com a atitude do Botafogo, Guilherme Ferreira ordenou a retenção da cota que lhe era devida. Chegou a alardear que parte dela seria repassada ao Atlético Mineiro para ressarci-lo das despesas relacionadas à terceira partida. Conversa! Na sexta-feira, o gerente do Banco Industrial de Campina Grande, Murilo Macedo Cunha, procurador nomeado pelo Botafogo, recebeu na tesouraria da FMF, sem dificuldades, o pagamento (pouco mais de 66 mil), prontamente transferido ao Botafogo.

Na manhã de sexta-feira, João Havelange reunira a diretoria da CBD para informar sua decisão de adiar sine die o terceiro jogo, mas confirmando-o para Belo Horizonte. Informado por telefone, Fábio Fonseca julgou-a injusta, pois fora tomada “somente para favorecer ao Botafogo” a quem acusou de procurar deixar, através de um noticiário tendencioso e maledicente, uma imagem negativa do tratamento recebido em Minas Gerais.

À noite, julgado pela expulsão contra o América, Roberto foi absolvido pelo TJD (4 votos a 2). Menos mal, pois a enfermaria estivera lotada ao longo de todo o dia. Moreira estava bebendo água de canudo. Zé Carlos fora agredido na perna direita. Valtencir perdera os movimentos do braço esquerdo. Gérson estava com o tornozelo esquerdo bastante inchado. Rogério conseguira livrar o tornozelo de todas as sarrafadas, mas ainda sentia dores na virilha direita. Roberto levou soco na cara (sem bola) e foi chutado no tornozelo e na virilha direita. Paulo Cézar ainda não retirara o esparadrapo do couro cabeludo. Pelo menos, Ferreti se recuperou.

Também na sexta-feira, em carta encaminhada a Octávio, Frederico Lopes pediu demissão do quadro de árbitros e pendurou o apito. No sábado, ele se mostrou inteiro ao Jornal do Brasil: “Só não o expulsei [Gérson] de campo para que ele sofresse o castigo por ter provocado os adversários, no Maracanã, criando assim um péssimo ambiente para o segundo jogo. O mesmo castigo mereceu o Paulo Cézar. (...) Nada tenho contra o Botafogo, e sim contra Gérson. A torcida do Atlético, da mesma forma, não criou aquele ambiente para o Botafogo, e sim para Gérson”. Não havia mais dúvidas de que Frederico Lopes agira com dolo.

Extraído do livro “O Futebol do Botafogo – 1966-1970” (a lançar em 2022).

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