por
MAURÍCIO STYCER
Repórter
especial do iG, 7 de fevereiro de 2019
In
Blog da Mallu Cabral
Nenhum jogador é mais identificado com a história
do Botafogo do que Nilton Santos. Ele estreou em 1948 e se aposentou em 1964 –
época das maiores glórias do clube, num time em que também atuavam Garrincha,
Didi, Zagallo e Amarildo, entre outros. Nunca atuou por outro clube. Jogou
quatro Copas do Mundo pela seleção brasileira (reserva em 1950, titular em
1954, bicampeão mundial em 58 e 62).
Considerado o “inventor” da moderna forma de atuar
na lateral, investindo em direção ao ataque, Nilton Santos figura em qualquer
antologia de grandes craques do século 20. Também é um personagem típico da
fase “romântica” do futebol: ao longo dos seus 16 anos no Botafogo, assinou
inúmeros contratos em branco e, claro, não enriqueceu com o exporte.
Nilton Santos não vai comparecer à homenagem deste
domingo no Engenhão. Desde janeiro de 2007, ele vive em uma clínica, na zona
sul do Rio de Janeiro. Sofre do Mal de Alzheimer e enfrenta a perda progressiva
da memória. No ano passado, enfrentou outros problemas de saúde, já superados –
uma dengue hemorrágica e uma cirurgia na vesícula
A reportagem do iG visitou Nilton Santos neste
sábado, véspera da homenagem no Engenhão. À porta do quarto onde vive, uma
placa de madeira, assinada pelo ex-jogador, já avisa: “Seja bem vindo. Não fale
mal do Botafogo”. Sou recebido por dona Célia, casada com Nilton há 30 anos
(“mais dez de rolo”). Sou apresentado a ele como jornalista, mas logo
acrescento:
“Sou botafoguense”. Nilton Santos sorri e diz:
“Soube escolher”.
O quarto está cheio. Dois ex-jogadores, colegas de
Botafogo do final da década de 50, estão presentes. Adalberto, goleiro do time
campeão de 1957, e Cacá, lateral direito do time campeão de 1961. A conversa
gira em torno do folclórico Paulo Amaral, então preparador físico da equipe (e
da seleção brasileira).
“O Paulo Amaral esticava a corda, apertava demais”,
recorda-se Cacá. “E o apelido do Nilton, nessa época, era Chiado, porque ele
chiava, reclamava”, conta Adalberto.
Nilton acompanha as histórias e os causos com os
olhos. Sorri nos momentos engraçados e faz cara de reprovação em outras
passagens. “Não tinha nenhum padre naquele time”, conta Cacá, que
posteriormente atuou na Portuguesa, em São Paulo. “Todo mundo pintava e
bordava. E o Paulo Amaral botava todo mundo pra treinar”.
Nilton confirma e acrescenta: “A turma jogava
baralho à noite”. Cacá conta que num torneio no México, véspera da partida
final, a jogatina no hotel do Botafogo começou às 10 da noite e prolongou-se
até as 9 da manhã. “O jogo era meio-dia. Quando cheguei para o café da manhã,
não achei ninguém. Estava todo mundo jogado cartas”. A partida contra o América
do México foi vencida por 2 a 1 – mas no sufoco. “Nos últimos 10 minutos,
ninguém agüentava mais correr. Ficou o Manga no meio do gol, eu encostei na
trave direita, o Nilton na trave esquerda e eles ficaram bombardeando”, conta
Cacá.
Nilton folheia a biografia de Quarentinha, “O
Artilheiro Que Não Sorria”, de Rafael case, recém-lançada. Maior artilheiro da
história do Botafogo, Quarentinha dizia que não comemorava seus gols porque
apenas cumpria a sua obrigação ao marcá-los. Nilton silencia quando Adalberto
começa a contar uma história
“O Quarenta era difícil. Era da boêmia. Uma vez
teve uma discussão dele com o Zagallo dentro do ônibus. ‘Você não joga nada’,
disse o Quarenta. ‘Não jogo nada, mas tenho dinheiro no bolso’, respondeu o
Zagallo. Muita gente tinha bronca porque o Zagallo chegou no Botafogo ganhando
um salário mais alto”, encerra Adalberto
Digo a Nilton Santos que nunca tive o privilégio de
vê-lo jogar, mas me recordo do dia em que, em 1974, então assessor técnico do
Botafogo, irritou-se com Armando Marques, por conta da sua arbitragem num jogo
contra o Atlético (MG), e deu um soco no árbitro, que caiu pela escada no túnel
do Maracanã. Nilton Santos sorri e fala:
“Todo mundo tinha vontade de bater nele. ‘Deixa eu
te dar um abraço. Eu queria muito fazer o que você fez’. Onde eu ia, depois, as
pessoas vinham me cumprimentar”, conta, com um sorriso maroto.
Dificuldades e apoio do Botafogo
A camisa comemorativa de Nilton Santos [apresentada
antes da partida Botafogo x Bangu] é uma criação da grife Estilo Carioca, de
Flavio Ferreira Lopes. É uma réplica da camisa usada pelo Botafogo na conquista
do bicampeonato Carioca, em 1962, em cima do Flamengo. Vai custar R$ 99 – e 20%
do valor de cada unidade vendida será revertido para Nilton (os 10% de
royalties a que tem direito, mais 10% do Botafogo, que cedeu sua parte para o
ex-jogador).
“Já tenho pedido de 5 mil unidades”, diz Flavio. A
camisa é em algodão, com o escudo e o número 6, às costas, bordados, como
antigamente. Junto ao peito, vem um autógrafo de Nilton Santos. Curiosamente, a
faixa central da camisa é branca – foi um ano especial, raro, em que isso
ocorreu, pois o estatuto do Botafogo determina que a faixa central seja preta.
Todas as despesas de Nilton Santos na clínica onde
está internado há dois anos correm por conta do Botafogo. Compromisso original
do ex-presidente Bebeto de Freitas, foi mantido pelo atual, Maurício Assumpção.
Outras “ações de reconhecimento”, como define Paulo
Kleinberger, presidente da ComFogo, estão sendo articuladas. Kleinberger criou
um fundo com 30 cotistas para dar um apoio permanente ao ex-jogador. “A gente
tem que valorizar os nossos ídolos”, explica, durante visita a Nilton Santos.
Dona Célia chama a atenção para duas gravuras de
madeira penduradas nas paredes do quarto. São obra de Nilton. “Tem 200 anos que
eu parei de fazer”, ele diz, cortando o assunto. A conversa então volta-se para
a casa em Araruama, onde o casal vivia. É um momento tocante da visita.
“Tenho vontade de ir lá”, diz o ex-jogador.
“Quer mesmo?”, pergunta Célia.
“Se você quiser, eu te levo”, ela diz.
“Quero ver se o cachorro ainda me reconhece”, diz
Nilton.
“Chama-se Poti”, diz Célia. “É o nosso filho, que a
gente pegou na rua para criar”.
A visita está terminando. Nilton está cansado.
Antes de ir embora, Adalberto, o goleiro de 1957, resume a história:
“Tudo o que fizerem para o Nilton é pouco. Em
relação ao que ele fez, tudo o que fizerem é pouco”.
Fonte: http://blogdamallucabral.blogspot.com/2009/02/exclusivo-uma-visita-nilton-santos.html
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