por
RUY MOURA
Editor do Mundo Botafogo
Flavio Pereyra Natero (ou Nattero, segundo algumas fontes) nasceu a 2 de março de 1920, em Paysandú, no Uruguai, caçula de seis irmãos e filho de pai militar, tendo no entanto crescido em Montevidéu; atuou na posição de goleiro entre 1938 e 1958, iniciando a sua carreira no Club Nacional de Football e terminando-a no Botafogo de Futebol e Regatas.
O atleta iniciou-se nas divisões juvenis do Nacional, estreando-se no dia 26 de junho de 1938, em amistoso de inauguração do Parque Sedalana, empatando por 1x1 com o Sedalana, tendo Andriolo marcado pelos Nacional e Mandracho pelo Sedalana. A equipe formou com Pereyra Natero, Grosso, Holanda, Aguirre, Martínez, Acosta, Andriolo, Minoli, Aradao, Arbelbide e Paesch.
Em 1940 ingressou na Instituição Atlética Sud América, tendo sido publicamente reconhecidas as suas qualidades ao ser convocado pela primeira vez para a Seleção do Uruguai, sagrando-se campeão da Copa América em 1942.
Porém, o seu objetivo era o Club Atlético Peñarol, ao qual chegou em 1944, em troca de 7.000 pesos, e cujo goleiro titular era o mais tarde lendário Roque Gastón Máspoli, que se iniciara ao lado de Natero no Nacional. Máspoli foi titular absoluto do Peñarol durante os três primeiros anos em que representou o clube (1941, 1942 e 1943), tendo estreado a 28 de fevereiro de 1941 na vitória por 4x2 sobre o River Plate em jogo de celebração do 50º aniversário oficial dos ‘carboneros’ (designação devido ao clube ter sido fundado por operários ferroviários e à época os trens serem movidos por carvão, ‘carbon’ em espanhol). Porém, desde 1944 até 1951 Máspoli teve que disputar a titularidade em alternância com Pereyra Natero (que saiu do clube em 1954), e somente a partir de 1952 até à sua aposentação (1955) se fixou novamente como titular absoluto.
Máspoli
tinha uma grande contextura física, boa flexibilidade e noção de antecipação,
embora tivesse fraqueza no jogo aéreo, que compensava com o uso da mão sobre os
cabeceadores adversários (ação considerada legal à época). No entanto, Natero
possuía um grande físico e excelentes condições técnicas,
porque apesar de ser menos seguro do que Máspoli era mais moderno, dono da bola
aérea e da pequena área e a sua ousadia e valentia supriam alguns erros, sendo
o goleiro preferido do técnico inglês Randolph Galloway (1948) e do técnico
húngaro Imre Hirschl (1949-1952), também conhecido por Emerich ou Emérico
Hirschl, cuja ousadia era levada ao extremo.
Quando Pereyra Natero ingressou no Peñarol o seu arquirrival Nacional era pentacampeão uruguaio (1939-1943) e foi nesse ano de 1944 que o ciclo foi invertido, tendo Natero se consagrado bicampeão uruguaio em 1944 e 1945. Em 1946 e 1947 o Nacional foi novamente campeão e Máspoli voltou à titularidade em 1947, mas o goleiro engordou de 90 para 102 quilos e Pereyra Neto tornou-se dono indiscutido da posição entre 1948 e 1951, ainda que Máspoli ocasionalmente participasse de partidas importantes.
Em 1948 o campeonato não foi finalizado por greve dos jogadores, e em 1949 seria o ano mais formidável para o Peñarol e para Pereyra Natero. Nesse ano os carboneros formaram a mais famosa equipe uruguaia da 1ª metade do século XX, conhecida por ‘La Maquina del 49’, e o seu ataque designado por ‘Quadrilha da Morte’. No ano seguinte, em 1950, seria essa a equipe base da poderosa Seleção do Uruguai que arrebataria a Copa do Mundo em pleno Maracanã.
Em 1949, Pereyra Natero e o Peñarol conquistaram a Tríplice Coroa ao vencerem invictamente todos os clássicos e competições – ‘Campeonato de Honor’, ‘Campeonato Competencia’ e ‘Campeonato Uruguayo’. O título máximo foi obtido com 16 vitórias e 2 empates, 62 gols a favor e 17 contra; no conjunto do ano foram 32 partidas e 113 gols, em média de três gols e meio por jogo, e apenas uma vez o clube foi derrotado naquele ano, em amistoso com os argentinos do Huracán.
Natero foi, então, o goleiro titular do famoso clássico de 9 de outubro de 1949 frente ao Nacional, conhecido por ‘Jogo da Fuga’, uma espécie de ‘Jogo do Senta’ na versão Botafogo x Flamengo. Foi o duelo mais esperado do ano com o Estádio Centenário completamente lotado. O Peñarol dominou toda a 1ª parte e, numa sinfonia de futebol desdobrado, terminou vencendo por 2x0 e anunciava-se uma goleada. Aos 38’, após passe de Schiaffino, Ghiggia abriu o placar. Já no final da 1ª parte o árbitro assinalou pênalti a favor do Peñarol, e diante de protestos e empurrões foi expulso o tricolor Tejera. Míguez cobrou o pênalti, defendido por Aníbal Paz em primeira instância, mas Vidal converteu o 2º gol no rebote. Os tricolores alegaram invasão de área por Vidal, o árbitro foi alvo de agressões e Gómez do Nacional também foi expulso.
O Nacional não regressou para a 2ª parte do jogo, fugindo à inevitável goleada orquestrada pela ‘Quadrilha da Morte’. Com as bancadas em delírio, Hohberg, Schiaffino, Ghiggia e Pereyra Natero encabeçaram a ‘Volta Olímpica’, sagrando-se campeões antecipados.
A imprensa não perdoou a atitude: “Digan que Nacional se retiró, porque si no le encajaban seis” (Dionisio Alejandro Vera); "Hay que saber perder y luchar hasta el fin” (El Día); “El secreto no radica siempre en saber ganar. Es preciso tener temple y elegancia para saber perder y Nacional no supo elegir el verdadero caminho” (El Plata).
Nessa inesquecível e sempre relembrada ‘fuga’ o Peñarol formou com Pereyra Natero, Enrique Hugo e Sixto Possamai; Juan Carlos González, Obdulio Varela e Washington Ortuño; Alcides Edgardo Ghiggia, Juan Eduardo Hohberg, Oscar Omar Míguez, Juan Alberto Schiaffino e Ernesto Vidal.
No ano seguinte, em 1950, sendo o Peñarol a base da Seleção e Pereyra Natero o seu goleiro titular, seria suposto que o selecionador Juan López Fontana convocaria o guardião carbonero, mas a sua opção foi por Máspoli, reserva de Pereyra Natero no Penãrol, e por Aníbal Paz, goleiro titular do Nacional, rejeitando a ousadia e a valentia de um em favor da maior segurança que o outro eventualmente teria. E, assim, Pereyra Neto não foi campeão do mundo em 1950.
Mas Pereyra Neto continuou sendo o titular do Peñarol sob o comando de Hirschl e tornou a conquistar (pela 4ª vez) o campeonato uruguaio em 1951. Em 1952 o técnico húngaro desligou-se do Peñarol após 4 anos e o seu sucessor recuperou Máspoli na titularidade da baliza, sendo Pereyra Netaro reserva do Peñarol na conquista do bicampeonato de 1953 e 1954 (este invicto).
Foi então que Pereyra Natero fechou o
ciclo carbonero e ingressou no Club Atlético Cerro por um breve período. Sobre
o Peñarol declarou em 1979 a um jornal uruguaio:
“Peñarol
fue casi todo, porque el resto me lo dio el Botafogo de Río. Pero Peñarol me
dio fama, posibilidades y la gran fortuna de ser titular de su primer equipo
durante años. Y como corolario, ser titular en aquel equipo del 49.”
No Cerro, Pereyra Natero comprou o seu próprio passe e rumou ao Brasil, porque o Palmeiras manifestara o desejo de ter um goleiro com as suas características, mas chegou tarde e fora de tempo para se inscrever no Palmeiras. Durante dois meses foi jogando amistosos e acumulando bom dinheiro, mas houve uma confusão com os argentinos que treinavam no Palmeiras e decidiu regressar ao Uruguai. Porém, Zezé Moreira gostava do seu estilo e chamou-o para o Botafogo, já em 1956, reorientando o seu destino para o Rio de Janeiro.
A
estreia ocorreu em amistoso, no dia 26 de fevereiro de 1956, na cidade de
Vitória (ES), vencendo por 3x0 o Santo Antônio, com gols de Alarcón, Garrincha
e Wilson Moreira. A equipe formou com Pereyra Natero (Edgard), Orlando Maia,
Domício e Nilton Santos; Bob (Juvenal) e Pampolini; Garrincha (Neivaldo), gato
(Mário), Alarcón (Wilson Moreira), João Carlos (Paulinho) e Rodrigues.
O goleiro teve o privilégio de ser o arqueiro do Botafogo na estreia de Didi pelo alvinegro, no dia 11 de março, no Estádio Godofredo Cruz, em Campos (RJ), vencendo o Americano por 2x1, com gols de João Carlos e Didi. A equipe formou com Pereyra Natero, Orlando Maia, Domício e Nilton Santos; Bob e Pampolini; Garrincha, Didi, Alarcón, João Carlos e Rodrigues.
Logo depois Natero integrou a comitiva que excursionou na Europa de 1 de abril a 23 de junho, estreando-se internacionalmente no dia 2 de abril, na cidade de Antuérpia, na Bélgica, vencendo o IFK Norrköping (Suécia) por 2x0, com gols de Alarcón e Wilson Moreira. A equipe formou com Pereyra Natero, Orlando Maia, Domício e Rubens; Pampolini e Juvenal; Garrincha, Wilson Moreira, Alarcón, João Carlos e Neivaldo.
No entanto, correndo a parte final da sua carreira, Pereyra Natero partilhou a vaga do arco botafoguense com o titular Amauri durante o ano de 1956 e com Amauri e Adalberto em 1957, tendo realizado apenas 18 jogos nesse período – 11 jogos em 1956 e 7 jogos em 1957.
O seu último jogo no Botafogo ocorreu no dia 4 de julho de 1957, na cidade de Caracas, na Venezuela, perdendo para o Barcelona (Espanha) por 3x0 na disputa da Pequena Copa do Mundo. A equipe formou com Pereyra Natero, Beto, Domício e Nilton Santos; Pampolini e Nilson Santos; Garrincha, Didi, Paulinho Valentim, Edson e Quarentinha.
Na mesma entrevista de 1979, anteriormente citada, Pereyra Natero declarou sobre o Botafogo:
“Fue una verdadera suerte y no dejo de sentirme conforme. Me quedé tres años en es club y recorrí y conocí el mundo. Viajé a Europa, jugué contra los mejores equipos, gané mayor prestigio aún y me hice un montón de amigos. Los cariocas son distintos, te hacen sentir como en tu casa y así me sentía yo; me entendía perfectamente con ellos y pude salir adelante con fortuna.”
Pereyra Natero aposentou-se em 1958 e desconhece-se a data da sua morte.
Fontes principais: El Diário, nº
101, de 22.08.1979; Historia do Peñarol, de Luciano Álvarez (edição Aguilar); https://atilio.uy;
https://imortaisdofutebol.com; https://www.auf.org.uy; https://www.raicesuruguay.com;
https://www.xn--pearol-xwa.org; La Voz de Peñarol, nº 41, junho de 1946
(1921-1958); O Futebol do Botafogo (1951-1960), de Carlos Ferreira Vilarinho
(edição do Autor); Wikipédia Roque Máspoli.
4 comentários:
Ruy, o ano da data de nascimento está errada, está 2020. ABS e SB!
Muito grato pela observação, Sergio! Já corrigi. Goleiro com 2 anos de idade nem para os dentes-de-leite servia! (rsrsrs)
Abraços Gloriosos.
Kkķkķk (erro de digitacao). Sensacional postagem.
Fico feliz por ter gostado do artigo, José Vanilson. Fi-lo por solicitação sua. Vão surgir outros que também sugeriu.
Abraços Gloriosos.
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