sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Camisa Gloriosa nos países bálticos: lendas lituanas e Colina das Cruzes (II)

 

Os povos bálticos são muito religiosos e esculpem imagens de Jesus Cristo em cima de diversos materiais, incluindo troncos de árvore (imagem que adquiri há muitos anos na República Checa devido à sua beleza). Átrio exterior da Igreja de Santa Ana, no centro de Vilnius, capital da Lituânia. Crédito: Ruy Moura | Mundo Botafogo.

compilação e montagem de textos de RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo

Na Lituânia existem diversas lendas, desde as mais simples às mais elaboradas, tal como em todo mundo. No Ocidente as lendas são geralmente baseadas em amores fatais como nos casos do infante D. Pedro e D. Inês de Castro ou Romeu e Julieta.

Nos países bálticos, mais a leste da Europa e oriundos de culturas diferentes no espaço e no tempo, as estórias também incluem narrativas dramáticas, como são todas as narrativas de natureza mitológica, lendária ou religiosa, que incluem elementos de sacrifício, de tragédia e quiçá de glória ulterior.

No entanto, as narrativas são ligeiramente diferentes, contendo elementos relativamente inéditos comparativamente às estórias do Ocidente.

A lenda lituana de Palanga conta que havia um santuário pagão em Palanga que tinha uma Sacerdotisa muito bela e que um belo Príncipe, quando soube da sua inusitada beleza, visitou o santuário e pediu a Sacerdotisa em casamento. Porém, ela recusou porque prometera aos Deuses guardar a sua virgindade até à morte. Então o Príncipe levou-a à força e organizou um grande casamento.

Pormenor da imagem anterior. Crédito: Ruy Moura | Mundo Botafogo.

Quando mais tarde ele morreu, a Sacerdotisa ficou livre e regressou a Palanga para cumprir o destino a que se propusera, servindo os Deuses até a morte. Diz a lenda que ela foi enterrada em Palanga, no sopé da falésia que leva seu nome em sua homenagem.

Embora evidenciando uma mensagem clara e muito interessante, a lenda de Palanga é simples, nada comparada com a bizarra lenda da Colina das Cruzes.

Uma pequena colina localizada a cerca de 12 quilômetros da cidade de Siauliai, no norte da Lituânia, pode parecer, à primeira vista, um cenário de filme barato de terror de Hollywood, mas a Colina das Cruzes é um lugar real, um lugar de peregrinação há muitos anos. Sobre a pequena colina estão depositadas centenas de milhares de cruzes que representam a devoção cristã do povo lituano e um memorial à luta do país contra a opressão.

A origem exata desta tradição de colocar cruzes na colina é incerta, mas acredita-se que as primeiras cruzes foram deixadas no local depois da revolta contra a Rússia, em 1831.

Entrada da Colina das Cruzes. Crédito: Ruy Moura | Mundo Botafogo.

Ao longo dos séculos, não apenas cruzes, mas grandes crucifixos, esculturas de patriotas lituanos, estátuas de santos e milhares de pequenas efígies e rosários foram trazidos por peregrinos católicos. As cruzes foram colocadas ali para homenagear os rebeldes mortos e desaparecidos, e até o início do século XX havia cerca de 200 cruzes; em 1940 já havia perto de 500; e estima-se que mais de 100 mil artefatos religiosos foram colocados no monte até hoje.

As origens variam de quando as cruzes começaram aparecendo na colina perto de Siauliai. Uma história é que no século XVIII, quando a população da Lituânia ainda era principalmente pagã, antes da maioria dela ter sido cristianizada, um grupo de pagãos incendiou a igreja que existia naquele local. E como um memorial aos sacerdotes, as pessoas começaram a deixar cruzes nos escombros da igreja. Existem muitas variações para esta história, como a que conta sobre dois templários cristãos que estavam passando pela região e foram mortos naquele lugar, iniciando a tradição.

Colina das Cruzes. Crédito: Ruy Moura | Mundo Botafogo.

Há ainda a lenda dos monges noutra colina, a Colina das Três Cruzes, também com várias versões, uma delas entrelaçada com acontecimentos narrados na Crônica de Bychowiec. Segundo esta crônica, 14 monges franciscanos foram convidados a Vilnius durante o século XIV pela família nobre lituano-polaca. A visita dos monges e o seu comportamento na cidade irritou o povo de Vilnius, porque os padres franciscanos pregavam o Evangelho em público e difamavam velhos Deuses lituanos. As crenças pagãs estavam amplamente vivas entre o povo de Vilnius, resultando na morte de todos os 14 frades. Sete deles foram decapitados na colina onde está o Monumento das Três Cruzes. A lenda diz que as Três Cruzes foram construídas pela primeira vez pelos cristãos em memória dos 14 monges ali mortos. Outras lendas têm interpretações ligeiramente diferentes; no entanto, apesar das histórias, sabe-se que as Três Cruzes foram construídas antes de 1649. Nesse ano, as cruzes foram retratadas num panegírico ao Bispo Jerzy Tyszkiewicz.

Mas regressando à história da bizarra Colina das Cruzes, ela tornou-se uma fonte de orgulho nacional até 1863, quando ocorreram as revoltas contra os Russos, os quais retiraram as cruzes da colina por três vezes e cavaram uma vala ao redor para impedir as pessoas de entrarem no lugar. No entanto, as pessoas continuaram a colocar cruzes na colina e isso foi considerado um crime punível, mas ainda assim as cruzes continuaram aparecendo.

Colina das Cruzes. Crédito: Ruy Moura | Mundo Botafogo.

Finalmente, após a Primeira Guerra Mundial, a Lituânia desfrutou de cerca de 20 anos de independência, embora tenha passado por períodos de disputas territoriais com os seus vizinhos e um golpe de Estado em 1926. Porém, quando a Alemanha invadiu a Polônia em 1939, a situação piorou. O país foi dividido por um acordo entre a Alemanha e a URSS, e este último país ocupou e anexou a Lituânia em 1940. A Alemanha ignorou o acordo e também a ocupou em 1941. Três anos mais tarde retirou-se e o país foi ocupado novamente pelos soviéticos. Ao longo dos quatro anos de ocupação a Lituânia perdeu 15% de sua população, incluindo mais de 90% dos seus compatriotas judeus.

Em 1991, com o advento da independência da Lituânia, a Colina das Cruzes se tornou um símbolo nacional da luta pela independência. Naquela época, cerca de 35.000 cruzes já haviam sido colocadas na colina, variando em tamanho desde alguns centímetros à 4 metros de altura. O Papa João Paulo II prestou homenagem ao local em 1993 e doou uma estátua de Jesus Cristo crucificado, e disse que a colina era um lugar de paz, amor, esperança e sacrifício. Atualmente, o número de cruzes é de centenas de milhares e é visitado por outras tantos milhares de pessoas e peregrinos de todo o mundo.

Fontes da série “Camisa Gloriosa nos países bálticos”: https://en.wikipedia.org; https://es.abcdef.wiki; https://es.wikipedia.org; https://it.wikipedia.org; https://pt.wikipedia.org; https://travelshelper.com; https://www.itinari.com; https://www.magnusmundi.com

2 comentários:

Sergio disse...

Que coisa boa ler essas estórias. Mundo Botafogo é cultura de alta qualidade muito além esporte e em especial do futebol. ABS e SB!

Ruy Moura disse...

Durante um tempo a missão do blogue manteve-se estritamente relacionada com a compilação e divulgação das façanhas e glórias do Botafogo em todos os desportos, mas depois evoluiu para um conglomerado de desporto, cultura e lazer.

Atualmente tenho muitos projetos acadêmicos e profissionais em curso e não consigo alimentar suficientemente o blogue com essa tripla perspetiva, até porque sempre colaboraram no blogue muitas pessoas, mas é difícil manterem a mesma pegada durante muito tempo e hoje as publicações são quase exclusivamente da minha responsabilidade, dificultando o desenvolvimento da trilogia desporto, cultura e lazer. A ausência muito prolongada da Lúcia Senna e a partida do Sérgio Sampaio fizeram baixar as pautas de cultura e lazer. Porém, sempre que tenho alguma oportunidade de regressar a essas matérias, faço-o.

Em dezembro o blogue faz 16 anos de publicações diárias. Calculo que tenha usado mais de 20.000 horas da minha vida, além de dois anos pré-blogue em que pesquisei sobre o nosso Glorioso e produzi um estoque muito considerável de matérias prontas a publicar a partir da criação do blogue. Tenho tido sempre estoques para os dias em que o tempo realmente é muito escasso. Agora tenho menos reservas.

Abraços Gloriosos.

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