terça-feira, 19 de novembro de 2024

Em nome de ZEUS

por LÚCIA SENNA | Escritora e Cantora | Cronista do Mundo Botafogo

Após meses sonhando com a Grécia, embarquei em uma excursão de dezessete dias pela Teturismo. Eu sabia que o meu maior desafio seria o avião. Do Rio a Frankfurt foram doze horas em uma cadeira desconfortável, com tão pouca inclinação que me senti mais como uma contorcionista do que como uma viajante. A comida? Ah, essa é uma história à parte. Lembrei-me do glamour dos voos de antigamente, onde até um lanche, por mais simples que fosse, tinha um ar de sofisticação.  Agora, o que restou foi um misto de desespero e uma refeição que mais parecia uma experiência de laboratório.

Depois de uma conexão de mais de três horas em Frankfurt cheguei a Atenas exaurida, um verdadeiro bagaço. Saí toda bonitinha do Rio, vestida com roupas compradas para a ocasião, e cheguei lá com o cabelo armado e a maquiagem derretida, pronta para enfrentar a cidade dos deuses. Mas a recompensa me aguardava: ao avistar a Acrópole e ver o grandioso Partenon, o coração disparou. As colunas imponentes, tão perfeitas e antigas, contavam séculos de história. A sensação de estar onde os deuses eram adorados é inigualável.

E a emoção continuou com a visita a Olympia, outro lugar mágico onde a história ganha vida. Caminhar pelas ruínas dos antigos Jogos Olímpicos é como entrar em um livro. Parecia que estava vendo, nitidamente, os atletas preparando-se para as competições épicas, e isso - pasme! - em 770 a.C.  Em seguida, Meteora, um dos lugares mais especiais do mundo. E se não tivermos outra razão pra visitar a Grécia, Meteora já seria suficiente.

Do continente partimos de ferry para as famosas ilhas gregas banhadas pelo mar Egeu. A entrada no ferry é uma odisseia moderna. Milhares de turistas, cada um com suas bagagens, todas muito parecidas, se espremendo numa espécie de “garagem de malas”. O cenário é digno de um filme de comédia. O desembarque, um verdadeiro pandemônio onde as malas são as protagonistas e os passageiros detetives atrapalhados. As pessoas começam a procurar por suas bagagens como se fossem parentes perdidos. E, entre empurrões e risadas, o que tínhamos era um espetáculo completo de humor e caos.

Bagagens em punho, chegamos a Mykonos, a primeira ilha a ser visitada. De dentro de um catamarã, mergulhei no deslumbrante mar Egeu e, ali submersa nas águas azuis, extasiada com tanta beleza, não pude deixar de pensar que aquele lugar era um sonho!

As coisas começaram a ficar hilárias quando, saindo do catamarã, sentei em um restaurante à beira-mar e achei que seria uma boa ideia pedir um peixinho fresco. Que grande erro! O prato chegou e lá estava ele, inteiro, enorme e com aquele olhar fixo e duro, me encarando, como se quisesse dizer: “Você realmente vai me comer?” Eu quase desmaiei. Para quem tem horror a animais inteiros, prontos pra serem devorados, aquela cena foi como um ato de crueldade gourmet. Atordoada, deixei o local e me abracei com um gelato, pensando que a vida é curta demais pra comer o que nos desagrada.

A Grécia, sabemos, é um país caro, especialmente quando se troca reais por euros. Os preços nos restaurantes pareciam ter sido determinados por algum deus da fortuna, porque definitivamente não cabiam no nosso orçamento de mortais.

 A solução? O dito “farnel”. Sim, o café da manhã nos hotéis era digno de deuses. E um planejamento estratégico, para evitar um almoço de preços proibitivos, se fez necessário. Discretamente, nos agachávamos como verdadeiros espiões em missão para embrulhar em guardanapos, sanduiches, frutas e bons tacos daquele delicioso queijo grego. Cada novo item que conseguíamos colocar na mochila era celebrado como uma conquista épica, digno de um hino de vitória.

Logo percebemos que a estratégia de “farnel” não era exatamente uma missão secreta. Nos hotéis, mensagens de alerta começavam a aparecer por toda parte: “É proibido fazer farnel.” Uau, não sabíamos que estávamos tão perto da ilegalidade. A surpresa veio quando um grupo de coreanos, na maior cara de pau, ignorou a mensagem e começou a desferir suas próprias táticas de farnel. Fiquei admirada com a ousadia deles. Mas, diante de almoços de preços absurdos, não nos restou outra saída a não ser programar nossa próxima ação clandestina com um pouco mais de astúcia.

Outro momento memorável e hilário do passeio aconteceu em visita à caverna Melidoni, em Creta. A guia, com uma energia contagiante, nos fez subir por alguns bons minutos em degraus de pedras escorregadias, como se estivéssemos numa maratona. Depois, com sorriso radiante, revelou que estávamos no caminho errado. O sol forte fez nosso humor azedar, até porque essa não era a primeira vez que a moça errava. No palácio de Knossos, qualquer tentativa de fazer perguntas era frustrada pelo já famoso: “Calma, sobre isso depois vou explicar.”  Tal explicação jamais se concretizava.

Em contrapartida, tivemos o privilégio de conhecer um guia grego que falava português com uma fluência impressionante. Culto e engraçado, nos falou sobre a mitologia de uma forma tão envolvente que mais parecia que estávamos assistindo a uma peça de teatro. Sua paixão pela Grécia era contagiante e nos fez sentir como se fossemos parte da própria história.

Mas, apesar do esforço do guia, volto dessa viagem com uma certeza: a mitologia grega é o meu calcanhar de Aquiles. Como entender essa confusão de mitos e lendas, onde os deuses tanto podem ser a solução como a causa dos dilemas humanos?  Zeus, por exemplo, o grande chefão do Monte Olimpo, tem um currículo impressionante. É o deus do céu, do raio, do trovão... e da infidelidade. Se existisse um tinder no reino dos deuses, ele seria o rei dos matches. Hera, coitada, vivia de canto chorado, lamentando as inúmeras traições do sujeito. Dizem que entrou em depressão profunda, quando ouviu do safado: “Hera, você já era!”

Voltando para Aquiles, o grande herói grego, fico aqui pensando como se sentiria se soubesse que sua fraqueza acabaria se transformando em um termo para descrever nossas inseguranças modernas. Aposto que ele, muito provavelmente, daria uma risada e diria: “Então, agora sou o símbolo da vulnerabilidade? Que maravilha!” Em seguida, criaria um podcast chamado “superando vulnerabilidades”, onde dividiria suas experiências de heroísmo e, claro, daria dicas de como lidar com inseguranças e, logicamente, com os calcanhares.

Em nome de ZEUS, quem diria que o calcanhar de Aquiles seria mais famoso que suas inúmeras vitórias? Pois é, na guerra da fama, fraquezas se tornam lendas.

9 comentários:

Anónimo disse...

Lúcia Senna voltou para alegrar nosso blog ,com suas deliciosas e bem humoradas crônicas. A de hoje está uma gostosura! Alexandre paiva

Anónimo disse...

Em nome de Zeus, Lúcia Senna, não se ausente por tanto tempo. Você faz falta. Suas crônicas são especiais e nos tiram da mesmice da rotina. Joaquim Alves

Anónimo disse...

Parabéns, Lúcia! Cronica hilária como sempre! KKKKK Celso Rodrigues

Anónimo disse...

Você, amiga, explorou o lado engraçado da viagem e o fez com muita graça, pois o lado cultural todos nós conhecemos bem. Mais um texto diferente e divertido! LOURDECA

Anónimo disse...

Obrigada ,Alexandre !
Dizem que o bom filho a casa torna, não é? Então, eu posso até me ausentar por um período, mas como boa filha , estarei sempre voltando.
Grande abraço

Lúcia Costa disse...

Oi, Joaquim
Boa noite!
Fiquei emocionada com o seu comentário. Portanto, em nome de ZEUS , prometo não mais me ausentar...bem, se o nosso querido editor concordar.
Abraços gloriosos!

Lúcia Costa disse...

Que bom que você gostou! Fico feliz em saber. Grande abraço!

Lúcia Costa disse...

Oi, Deca querida !!!!
Nessa minha viagem aconteceram muitas situações inusitadas. Precisei escolher algumas pra contar. Outras tantas ficaram de fora. Acho que vou acabar aproveitando- as para escrever EM NOME DE ZEUS 2 KKKKK
Beijão

Anónimo disse...

Lucia, q crônica deliciosa! Vc voltou da Grécia completamente inspirada pelas musas!!
Sol de Anlarec

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