segunda-feira, 9 de novembro de 2009

"Perdão, velhinhos!"


por Gerson Soares
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Mané, durante um coletivo na Gávea, quando atleta do Flamengo, driblou o goleiro reserva uma vez. Este, como um gato, recuperou-se, atirou-se a seus pés, foi driblado novamente. Não se dando por batido, levantou-se, cara-fechada, dentes trincados, mãos espalmadas, encheu o peito de ar e mergulhou, na tentativa de evitar o gol. Caiu de bunda no chão, contorcendo-se em dores. Mané parou a jogada e pediu atendimento para o desafortunado.

Depois do treino, já a caminho de casa, pela Avenida Atlântica, ouvindo uma moda de viola no rádio de seu Fusca, Mané aproveitou a parada num sinal para pegar um maço de cigarros no porta-luvas. Nesse instante, passou em velocidade um conversível vermelho. O motorista gritou:

– “Garrincha veado!”

Mané olhou assustado, não deu tempo de ver o agressor, perguntou-me se eu o havia reconhecido. Eu disse que parecia ter sido o goleiro que ele humilhara no treino.

Resolveu ir atrás, devolver o xingamento, mas o carro importado do goleiro era veloz, foi impossível alcançá-lo. Tentei demover Mané da idéia de retribuir o palavrão, mas ele, irredutível, queria a qualquer custo emparelhar seu Fusca à máquina cor de sangue do playboy. Não conseguiria alcançar o homem. A testa franzida, o olhar de águia definiam sua fúria por não devolver a ofensa.

Observei um carro da marca Mercedes-Benz conduzido com cautela por um senhor idoso; careca, bigodes brancos, óculos fundo de garrafa, lentes verdes. A seu lado, uma senhora, olhar cândido, cabelos totalmente grisalhos. Reconheceram Garrincha, mas arrancamos e eles ficaram para trás. Aceleraram e passaram por nós, olhando firmes para terem certeza de que se tratava realmente do inigualável Gênio das Pernas Tortas.

Paramos em outro sinal, Garrincha conversava comigo manipulando o maço de cigarros ainda fechado, chateado por não ter devolvido o xingamento a seu desafeto.

O casal de idosos queria saudar Garrincha. Para isso emparelhou seu Mercedes-Benz, lado a lado, bem pertinho do Fusca, quase tocando-o. A senhora, então, aproveitou a aproximação e, carinhosamente, exclamou:

– “Mané Garrincha!”

Mané, sem perceber, falando comigo e ao mesmo tempo abrindo o maço de Hollywood, ao ouvir o chamado pensou tratar-se novamente do goleiro. E não perdeu tempo: virou-se e, com a cabeça quase dentro do carro da idosa fã, respondeu em alto e bom tom:

– “Fala, bicha arrombada!”

O casal se assustou. Olhos arregalados, ambos boquiabertos, envergonhados pela inesperada e grosseira resposta. O motorista fez o carro sair em disparada. Mané, ao perceber o que fizera, tentou, em vão, alcançar a potente máquina para se desculpar. Não conseguiu.

Não conformado, dirigiu até nossa casa, na Urca, lamentando-se, citando sem parar todo o seu arrependimento por ter tido comportamento tão diferente, tão contrastante com sua simplicidade, sua candura. De tão revoltado consigo mesmo, só parava de se lamentar para jurar, sem meias palavras, que se vingaria do goleiro. E repetia:

– “Perdão, velhinhos!”

Fonte: www.sosserve.com.br 

8 comentários:

Rodrigo Federman disse...

Hahahahahah!
Que bela história, Rui!
Putz, como eu adoraria ter assistindo o Mané jogar!!!
Abs e SA!!!

Anónimo disse...

kkkkkkkkkkk
kkkkkkkkkkk

Excelente!

Um abraço.

Ruy Moura disse...

Como sabes, Rodrigo, assisti ao Mané a jogar, e também sou um dos que garanto que não haverá igual, porque nem sequer o futebol de hoje, e menos ainda do futuro, aceitaria um jogador com as condições paradoxais apresentadas pelo Mané. Como diz Gerson: Pelé pode aparecer, mas Mané nunca mais!

Abraços Gloriosos!

Ruy Moura disse...

Esse Mané, Phoquinha, foi inventado. Não deve ter nascido de maneira normal como os outros humanos... rsrsrs...

Curiosamente, contextualizando devidamente, eu acho que Garrincha tinha inteligência acima da média. Aliás, os ingleses, que não são dados a elogios baratos, proferiram esta sentença:

“Se ele é considerado meio burro, não posso fazer a menor ideia do que, para os brasileiros, é ser inteligente”. – Texto de um jornal inglês.

Abraços Gloriosos!

Lewis Kharms disse...

Também acho que o Garrincha era muito inteligente. Quando leio os causos que ‘usam’ pra taxá-lo como estúpido (que não tem nada a ver com o relato da postagem), a imagem que me vem é, ao contrário da intenção do narrador, a de um sujeito muito perspicaz, com ‘tiradas’ altamente criativas e inusitadas.

O mesmo, talvez numa outra medida, são os ‘causos’ do Perácio - que são mais escassos. A ‘tirada’ da Linha do Equador e a do cigarro no posto de gasolina, que meu tio contava como se fossem provas da estupidez do sujeito, na verdade me fazem pensar o contrário.

E é assim que forjam a história oficial: ‘torcendo’ o sentido pro lado que lhes convém. (E olha que o meu tio era um fã incondicional do Garrincha e do Perácio também, apesar de tricolor de carteirinha e com direito a carteirinha de sócio do Vasco, pra poder assistir a todos os jogos Fluminense).

Saudações alvinegras!

Ruy Moura disse...

O Garrincha tinha claramente uma grande sensibilidade acerca da vida e uma relação profunda com a natureza e a essência das coisas. Por isso os urbanos, os polidos, os mundanos e todos aqueles que valorizam apenas os dons 'intelectuais', as relações sociais complexas e a ambiência social elaborada e afins, não entendem quem foi a pesssoa Garrincha, nem porque passou do prazer de beber ao vício de beber, nem porque decidiu seguir o destino que lhe estava destinado sem tentar contrariá-lo.

Quanto ao Perácio não tenho dados suficientes, mas creio, pelo que sei, que o Perácio era vaidoso e petulante com essa vaidade, o que não era uma coisa inteligente. E creio que se deslumbrou com o seu sucesso, coisa que nãoa conteceu a Garrincha.

Abraços Gloriosos!

Anónimo disse...

Rui,


O Garrincha só era possível no Botafogo.O único clube que lhe deu uma oportunidade.

Nosso Botafogo continua aí...
Quem sabe?

S.A.
Patrick Dias
Patrick Dias

Ruy Moura disse...

Eh, Patrick, nem pense nisso. Não há mais Garrinchas. É pena, mas não há, porque nunca mais ninguém jogará futebol com a simplicidade e a essência interpretada por Garrincha. Ele tinha apenas uma única jogada e com ela enganava todos em campo e fazia rir todos fora de campo. E se houvesse Garrincha, o presidente Pinóquio vendia-o logo como fez com o Maicosuel e se prepara para o fazer também com os oriundos das bases.

Abraços Gloriosos!

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