Adaptação de Rui Moura
(blogue Mundo Botafogo)
Marcelo
Lartigue, nascido em Buenos Aires, fundou, em sociedade, há mais de 30 anos, em
Búzios, o jornal ‘O Perú Molhado’, que considera o ‘jornal oficial’ de Búzios.
O fotógrafo Marcelo Lartigue chegou ao Rio de Janeiro no final da década de
1970, com o intuito de entrevistar Garrincha. Lartigue levou Garrincha a São
Paulo, de trem, para ver Elza Soares no palco. Fez dezenas de fotos do craque,
inclusive na casa de Mané Garrincha em Bangu.
Diz que não liga muito ao futebol, mas apesar de viver no Brasil há mais de
trinta anos, torce contra a Seleção Brasileira. Fora do futebol, é um
franco-atirador, zombeteiro e anti-nacionalista. Aquando da guerra das
Malvinas, em 1982, Lartigue foi visto doando sangue para os soldados ingleses,
e recusou-se a ser enganado pelo governo militar argentino.
A
sua decisão de viver no Brasil é bastante original. Certa vez, em agosto de 1979, uma criança perguntou ao general e presidente
Figueiredo o que ele faria se tivesse que educar um filho ganhando o salário
mínimo. O último general do ciclo militar respondeu à maneira Figueiredo: – “Daria
um tiro na cabeça, meu filho”. Lartigue - que ainda não tinha decidido onde
viver - assistiu à fala presidencial pela televisão e decidiu: – “Vou morar
aqui mesmo!”
1º número de O Perú Molhado
Pouco depois, um suicida subiu ao topo de um edifício, no centro do Rio, e
durante horas ameaçou se jogar, mas as horas passaram e nada do homem se atirar.
Então, a patuléia, lá embaixo, passou a exigir o suicídio: – “Se joga logo,
porra!”, “Covarde!”, “Preciso trabalhar, suicida filho da p…!” Quando o ex-suicida
foi retirado pelos bombeiros, a polícia teve que salvar o homem de uma multidão
capaz de o linchar. E Lartigue teve a confirmação de que o Brasil seria seu
novo lar. Somente uma cidade lhe abalou a convicção de viver no Brasil:
Nápoles, porque, diz, “lá a confusão é ainda maior.”
Sobre
a sua profissão de raiz, ele afirma: – “Faço muita
foto falsa, sem filme na máquina. Gosto mais da ação, de preparar a fotografia,
do que da própria foto”. Hoje, o que mais gosta é de fazer montagem: Armando
Ehrenfreund, secretário de Turismo de Búzios, foi a Moscou e trouxe uma foto.
Lartigue, no computador, fez com que Wladimir Putin, líder russo, recebesse o
brasileiro no aeroporto. – “As pessoas acreditam piamente. Faço de conta que
envio correspondentes à Europa e ao Oriente, monto as fotos e as pessoas
perguntam como é que consigo pagar essas viagens.”
No
que respeita ao jornal de Búzios, fundado contra ventos e marés, resistente ao
tempo e ao conservadorismo, Lartigue conta que nasceu de uma aposta com o artista plástico Ivald Granato.
Aníbal à esquerda e Marcelo à direita
Um dia qualquer de 1981, Aníbal Martinho e Marcel
Lartigueo, desempregados por razões diversas, decidiram abrir, com Ivald
Granato, a loja Búzios Artes, à rua Manoel Turibe de Farias, em frente ao Bar
Nascimento, no Centro da cidade: Aníbal expôs as suas pinturas abstratas,
Marcelo suas fotos e o artista plástico Ivald Granato os seus quadros, já de
reconhecida aceitação no mercado das artes. Como precisavam de dinheiro, os preços
cobrados pelas obras eram muito altos e, por isso, não venderam nada.
Entretanto, Ivald afirmou, numa mesa de
bar, que o argentino não conseguiria lançar um jornal em Búzios em curtíssimo
espaço de tempo. Lartigue aceitou o repto e, juntamente com Aníbal, colocou o
jornal na rua em três dias – onde permanece até hoje.
Os fundadores Aníbal Martinho e Marcelo Lartigue não podiam ser mais
diferentes entre si: um é português, o outro argentino; um é filho de
juiz de futebol, o outro de um psiquiatra; um é alto e magro, o outro é baixo e
gordo; um escreve, o outro fotografa. Afinal, o que teriam em comum essas duas
figuras tão diferentes, além da barba que por coincidência usam? Ambos são
irreverentes, e mantiveram essa irreverência por duas décadas na publicação de
O Perú Molhado, no qual Aníbal era o redator-chefe. Mas então Martinho perdeu a
sua quota de sócio-proprietário, por conta de arranjos financeiros, e Lartigue logo
se incompatibilou com ele e Aníbal foi para a concorrência. Aníbal faleceu em
2010 após vários tratamentos durante vários anos.
Embora Lartigue dirija o jornal, é a sua esposa Alessandra, acreana de
nascença, que faz quase tudo. Lartigue afirma que “O Perú sai quando pode”. E
como se faz o jornal? O artista da fotografia e do jornalismo explica o seu
método de trabalho: – “Fico sentado aqui, em frente ao Cigalon. As pessoas
passam e me contam coisas. A notícia vem ao jornal, o jornal não corre atrás da
notícia”.
Marcelo Lartigue, ao contrário dos jornais que se pretendem imparciais e
sérios, deixa claro que é “um mercenário: se pagar um espaço no jornal, pode
falar o que quiser. Somos éticos, mas nossa ética dura uma semana. O Perú
Molhado é um jornal de moral variável”. Essa, afirma, é a “cara de Búzios.
Quero que a irreverência volte. A cidade está muito careta, muito religiosa.
Por isso faço essas barbaridades”.
Nem todos gostam do desrespeito que o jornal dedica a todos e a tudo: – “Já
sofri ataques violentos. Quebraram meu nariz, apanhei, fui processado”. Combate
o cinzentismo e a submissão. Reage “ao costume das prefeituras de inventar
jornalistas e jornais, o que gera uma péssima qualidade de jornalismo: eles se
tornam funcionários públicos”. Lartigue não poderia ser um deles: fuma charuto
e faz questão de fazer humor com seu Perú. Há mais de 30 anos.
‘O
Perú Molhado’ tem um humorismo mordaz, é a favor dos gays e Búzios recebe 2.500
gays por ano em eventos, declara-se ateu e combatente das igrejas – assumindo
que é uma das suas loucuras –, é alvo de quatro processos semanais, em média. E como sobrevive há tanto tempo sendo um jornal tão desrespeitoso? Antes de
tudo, com o apoio dos mecenas, sejam eles empresários ou políticos, que nem por
isso estão livres de uma ou outra zombaria nas páginas do jornal que
patrocinam.
Na verdade, somente na sua 1ª edição a
expressão ‘Peru’ foi escrita sem acento – daí até à atualidade passou a O Perú
Molhado.
Em
suma, quando se trata de O Perú Molhado não importa a pergunta que você vai
fazer. É sempre ‘sim’ a resposta que você recebe. Afinal, O Perú é o único
jornal do mundo em que o editor diz para o seu repórter: – “Vai lá e faz o que
você quiser”.
Marcelo
Lartigue tem uma máxima: – “Os governos caem, e o Perú
continua de pé.”
Há uma última grande, maior e decisiva diferença entre Aníbal Martinho e
Marcelo Lartigue, que justifica a minúcia dada pelo Mundo Botafogo ao argentino
e que me faz inclinar mais a favor do seu ‘gosto artístico’: Aníbal tornou-se
torcedor do Fluminense e Marcelo torcedor do Botafogo – como não podia deixar
de ser.
[Nota final de Mundo Botafogo: As fontes principais são citadas, mas a
parte mais significativa do artigo foi buscar trechos ao primeiro endereço
citado abaixo, que inclui um texto originalmente publicado na edição nº 07 da
Revista CIDADE, em novembro de 2006, e da autoria de Marco Antônio de Carvalho,
ex-editor da Revista CIDADE e vencedor do prêmio máximo da literatura
brasileira, o 52º Prêmio Jabuti (em 2007), com o livro “Um Caminho Cigano
Fazendeiro”, onde narra a trajetória de Ruben Braga. Marco Antônio faleceu em
2007 pouco antes de ser agraciado com o Jabuti.]
Fontes:
http://www.buzioselparador.com.br/por/blog/perumolhado.php
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