[Nota preliminar do Mundo Botafogo: O
artigo que se segue constitui o contributo de André Ribeiro na Literatura na
Arquibancada – ver a ligação à publicação original no final do artigo – para a
divulgação do livro ‘O futebol do Botafogo (1951-1960)’, Carlos Vilarinho]
Um ‘mergulho’ na história do Botafogo.
Diferente dos livros dedicados a contar a história de um clube, “O futebol do
Botafogo” é, segundo o próprio autor, Carlos Vilarinho, uma “obra de reflexão e
de combate”. Vilarinho vai fundo em sua pesquisa, passando por diversos períodos
históricos do clube alvinegro: “Meu livro, ao contrário da maioria esmagadora
das obras sobre clubes de futebol, não promove a glorificação de quem quer que
seja. Situa as pessoas como elas agiram diante de fatos concretos,
perfeitamente verificáveis através do simples acesso às coleções de jornais.
Meu livro é engajado, não resta dúvida. Mas não foge à realidade, por mais dura
que seja para o Botafogo. Uma fonte de consulta permanente para jornalistas e
escritores. E para torcedores, dirigentes e atletas do Botafogo”, define
Vilarinho.
Serão oito volumes. A primeira edição
compreende o período entre 1951 e 1960, mas há explicação para isso também e
que você encontrará logo abaixo, na sinopse da obra. O próximo volume, que
trata do período 1961-1965, já está pronto e será lançado em 2014. O terceiro
volume (1966-1970), também já está sendo finalizado.
Sinopse:
“O FUTEBOL DO BOTAFOGO – 1951-1960, de autoria de Carlos Ferreira Vilarinho, aborda um decênio da história do
futebol do GLORIOSO (título conferido ao BOTAFOGO, após a conquista invicta do
campeonato carioca de 1910). Iniciado em outubro de 2009, com informações
recolhidas desde outubro de 2001, o livro foi revisto e finalizado pelo autor
em fevereiro de 2013. Há uma explicação para a escolha do período. Do período
anterior (1904-1950) já cuidou o inesquecível dirigente alvinegro Alceu Mendes
de Oliveira Castro. Um craque na comunicação social, dedicado colecionador,
Oliveira Castro (1906-1962), sem sombra de dúvida, é o pai da memorialística
botafoguense.
Na opinião de Carlos Vilarinho, os Anos
50, principalmente sua primeira metade, foram subestimados pela maioria dos
escritores que trataram da trajetória do BOTAFOGO, induzindo as novas gerações
a crer que se trata de um período de estagnação. Nada mais falso. Nos Anos 50,
o BOTAFOGO foi dirigido pela geração que o vinha conduzindo, com amor
extremado, desde os Anos 20. Uma geração provada na luta intransigente em
defesa do Clube, nos bons e maus momentos.
Para o autor, a tarefa de contar a
História do BOTAFOGO exige
rigorosa fidelidade aos fatos. Mas honestidade intelectual não se confunde com
neutralidade, muito pelo contrário. O FUTEBOL
DO BOTAFOGO – 1951-1960 é um livro engajado, mas que
não foge à realidade, expondo os dramas e alegrias do GLORIOSO.
Botafogo de 1955 (foto)
Por vários motivos, o BOTAFOGO não pode
ser explicado apenas com o recurso às ciências sociais. Não é propósito de
Carlos Vilarinho investigar que outras fontes forneceriam a chave para a
compreensão do destino do GLORIOSO, mas assinala que os mortos (ou melhor, a
memória de sua passagem pela Terra) exercem sobre o alvinegro uma notável
influência, preservando a sua identidade de “Patinho Feio”. “Sem a proteção dos
seus mitos, que se confundem com sua ideologia humanista, elaborada nos seus
primeiros trinta de vida, o BOTAFOGO já teria desaparecido” – assegura o autor.
As novas gerações devem estudar (e
velar) o passado do BOTAFOGO para
fazer respeitado o seu nome
glorioso, agora e no futuro, e melhor
defendê-lo, sem repouso, contra quem quer que seja. Como cantou o poeta Octacílio Gomes, autor da letra
do Hino GLORIOSO.
O FUTEBOL DO BOTAFOGO – 1951-1960, fundamentado em exaustiva pesquisa, se constitui em fonte segura para o
conhecimento das lutas, reveses e triunfos do GLORIOSO, e ao mesmo tempo,
fornece sólidos argumentos para a defesa das suas cores, na abordagem do passado
e na luta presente contra seus adversários, dentro e fora das quatro linhas”.
Literatura na Arquibancada destaca
abaixo um trecho da obra, escolhido pelo próprio Vilarinho. Entre tantas
histórias recuperadas nos dez capítulos ele destaca a passagem a respeito de um
tema importante na “identidade” do botafoguense: o hino do “Glorioso”, como é
conhecido o Botafogo. Os fatos relatados ocorreram entre 18 de setembro e 2 de
outubro de 1956.
O HINO ERA OUTRO
por Carlos Vilarinho
Botafogo de
1956 (foto)
Na terça-feira, toda a direção do
futebol se reuniu com Zezé. Adhemar Bebianno renunciou, mas recuou diante da
disposição de Paulo Azeredo de convocar o Conselho Deliberativo para escolher
um novo presidente. Na reunião de quarta-feira, informado de que, no Maracanã,
fora acusado diretamente pelos maus resultados, Bebianno entregou
definitivamente o cargo. Solidários com ele, Beaklini, Estellita e Saldanha
decidiram ficar só até o jogo do domingo.
Zezé sabia que as ondas contra o
Botafogo tinham origem na guerra particular contra ele. Então, o melhor a fazer
era ir embora. Na quinta-feira, Armando Nogueira (Diário Carioca)
saboreou a derrota do seu inimigo: “Crise por quê? Ninguém consegue entender o
Botafogo. A licença de Zezé Moreira e a renúncia de Adhemar Bebianno não têm
sentido”.
No mesmo dia, Geninho, que acabara de
obter o diploma de treinador. Assinou contrato na quinta-feira e assumiu o
cargo. Os aspirantes foram entregues a Paulo Amaral.
Na noite de sexta-feira, os jogadores,
com Geninho e Paulo Amaral à frente, foram até a residência de Bebianno,
convencendo-o a comparecer ao jogo de domingo, no Caio Martins. Bebianno foi
reconhecido pela massa e ovacionado. E o Botafogo descontou tudo no Canto do
Rio. Logo na saída de bola (30 segundos), o médio direito Ari, pressionado,
atrasa do meio de campo e Pedro deixa o couro passar entre as pernas: 1x0. Aos
9, Alarcón recebe de Didi e lança para Garrincha ampliar de sem-pulo: 2x0. Na
segunda etapa, Alarcón encobre o goleiro, mas o centro-médio Betinho salva em
cima da linha. Com a mão! Didi põe na marca e amplia: 3x0. João Carlos é
derrubado por Betinho. Na área! Didi, ao contrário de tantos cobradores neste
campeonato, não desperdiça: 4x0.
Adhemar Bebiano (foto)
No vestiário, a vitória foi dedicada a Bebianno.
Mantendo a pressão, no dia seguinte, uma comissão liderada por Paulo Azeredo e
Luiz Aranha foi até a sua residência. Ele reassumiu na terça-feira. Justamente
na semana rubro-negra.
Rolou a pelota na tarde de sábado. O
Botafogo parece indeciso. A partir dos 10 minutos, o Flamengo exerce terrível
pressão, atirando duas bolas muito próximas às traves de Amaury, mas
rigorosamente, sem merecer a abertura do placar. O Botafogo suporta bem a
sucessão de cargas, tanto que Amaury não pratica nenhuma defesa difícil. Então,
aos 33, recebendo de Didi, Bauer inicia o contra-ataque. Lança Hélio, que
atrasa para Didi. Didi amacia no peito e serve magistralmente a Paulinho, que
arremata. Chamorro toca no couro, mas permite que ele passe sob o corpo e entre
no seu canto esquerdo: 1x0. Bauer e Didi tomam conta da meia-cancha. O Botafogo
equilibra e passa a levar o pânico à defesa rubro-negra. Paulinho, lançado por
Garrincha, perde uma chance de ouro. O Flamengo responde perigosamente, mas a
defesa alvinegra está uma rocha.
Na segunda fase, o Botafogo ataca contra
o gol à esquerda das cabines de rádio. Logo aos 2 minutos, Paulinho parte em
velocidade pela direita e só quando domina o couro, o bandeirinha Pedro Vilas
Boas acusa um off-side. Insatisfeito com seus erros anteriores, Mário
Vianna fixa-se justamente nessa faixa do campo. Está em boa posição e manda o
jogo seguir. A defesa para. Paulinho cruza do fundo e Alarcón, vindo na
corrida, balança a roseira: 2x0. Uma testada espetacular! Em seguida, Alarcón
perde o terceiro, com Chamorro batido. Uma linda bicicleta de Paulinho raspa o
poste. Aos 12, para proteger o gol do disparo à queima-roupa de Paulinho, Thomé
atira-se de carrinho sobre a bola e cai sobre o braço esquerdo, fraturando o
úmero. Orlando Maia vai para o miolo e Garrincha passa a jogar de lateral. O
Flamengo então afrouxa a marcação sobre Paulinho e Alarcón e se manda para o
ataque. Amaury pratica defesas de vulto, secundado por Orlando Maia, um leão.
Aos 17, Bauer faz sensacional jogada e entrega a Garrincha, que passa por
Jordan e estica para Alarcón. Sai Chamorro até a risca da grande área.
Perseguido por Pavão, Alarcón penetra, dribla o goleiro e empurra mansamente
para o canto esquerdo, apesar do esforço de Pavão: 3x0. Golaço! Aos 19,
Paulinho vai marcar quando é agarrado por Chamorro. Pênalti! Didi cobra com um
tiro forte, no canto direito alto: 4x0. O Botafogo passa a andar em campo.
Garrincha, Orlando Maia e Nilton Santos trocam passes sem pressa, uma, duas,
três, quatro vezes. E daí para Amaury. Olééé! Aos 37, Hélio corre pela ponta e
atira rasteiro. Chamorro salta para agarrar, mas Pavão se antecipa e o encobre.
A bola toma o caminho do gol. Vem Paulinho e balança a roseira: 5x0. Do ataque
até Amaury. Olééé! Paulinho perde o sexto, cara a cara com Chamorro, chutando
por cima. Garrincha para Nilton Santos. Santos para Bauer. Bauer para
Garrincha. Garrincha para Nilton Santos. Santos para Amaury. Olééé! O Botafogo
lavou a alma.
Zagalo prometeu vingança: “Ele
[Garrincha] driblou demais, tentando me desmoralizar. Penso como Duca e
Paulinho: que devemos tirar uma desforra no returno”.
No vestiário, aos prantos, Geninho
caminhava de um lado para o outro. Após o apito final, ele subiu e ficou à
espera dos jogadores, cumprimentando-os um a um: “Muito obrigado”. Adhemar
Bebianno refugiou-se num canto do vestiário e desabafou: “Meu Deus, eu não pedi
tanto”.
No domingo, Armando Nogueira lançou o
veneno: “Contra o Hino do Botafogo - No vestiário estranhou-se que
não tivesse tocado o hino do Botafogo nos alto-falantes do Maracanã: Arno Frank
explicou que a ADEM recebeu, há algum tempo, um apelo do presidente Paulo
Azeredo, no sentido de que não fizessem tocar o disco, pois o Botafogo, por
seus homens mais representativos, entende que a marcha de Lamartine não exalta
na medida ideal as glórias alvinegras. Aliás, dessa opinião era o querido e
saudoso Nelson Cintra, que implicava com aquela história de ‘campeão de 1910’
(como se o Botafogo não tivesse outros títulos mais recentes)”.
O tal “hino” (junto com outros nove)
fora lançado por Lamartine Babo, Yara Salles e Héber de Bôscoli (o Trio de
Osso) num show de homenagem ao Flamengo (“Até Breve, Rio”), no Teatro João
Caetano, em 10/01/1944.
Acontece que o Hino do Botafogo era
outro, criação dos botafoguenses Eduardo Souto (música) - o maior compositor
popular de sua geração - e Octacílio Gomes (letra). (link para letra do
hino http://www.bfr.com.br/oclube/hino.asp )No ano de 1921, um grupo de apaixonadas torcedoras quis presentear o
Botafogo com uma rica bandeira de seda: senhorita Lúcia Monteiro (madrinha) e
senhoras Antenor Las Casas, Bernardino de Carvalho, Francisco Guimarães Romano
e Oldemar Murtinho (alvinegros de primeira linha). Em 29 de junho, General
Severiano lotou. A jovem Lygia Raposo Murtinho conduziu o pavilhão. Seguiram-se
a benção do Monsenhor Castorelli e os discursos de Oldemar Murtinho, Miguel de
Pino Machado (padrinho) e Renato Pacheco (presidente do Botafogo). Uma comissão
de alunos do Colégio Botafogo formou a Guarda de Honra para o ato de
hasteamento. Neste momento, o “GLORIOSO” fez sua estreia oficial, executado por
coro de sócios e banda militar regidos por Eduardo Souto. A festa prosseguiu
até as 22 horas: música, dança e Buffet fornecido pela Confeitaria
Colombo.
Em 12 de julho, a imprensa já anunciava
a venda do disco, na Casa Carlos Gomes – Instrumentos de Música (Rua do
Ouvidor, 153), de Eduardo Souto.
A primeira audição do “GLORIOSO”, fora
do Botafogo, ocorreu no Trianon (Rua Treze de Maio), centro das atividades
artísticas da Capital. Oduvaldo Vianna vinha de arrendar o famoso teatro,
dando-lhe uma nova fisionomia (inclusão do cinema). Surgiu o “Movimento
Trianon”. Em 29 de julho, o Hino foi apresentado ao grande público. Os ingressos
esgotaram. A direção do Programa coube ao jovem Lyra Tavares (20 anos), com
especial participação de Francisco G. Romano, fazendo caricaturas no palco.
Romano (seu nome de guerra) fazia então muito sucesso na Dom Quixote (revista
de sátira política). A interpretação do “GLORIOSO” coube à atriz Abigail Maia
(botafoguense), grande estrela de seu tempo.
https://www.youtube.com/watch?v=n9eubiXerB8 (link para o hino)
O “GLORIOSO” era cantado em todas as
ocasiões: jogos, bailes, solenidades, etc. No carnaval de 1922, por exemplo, no
salão de Wenceslau Braz, com a massa em polvorosa, foi ele que encerrou o
concurso de fantasias. Entretanto, em 1950, a marcha de Lamartine Babo foi
gravada em disco, caindo rapidamente no gosto do público mais jovem com a ajuda
poderosa do Rádio. O Botafogo reagiu. Em 16/03/1955, Armando Nogueira fez o
registro, mantendo-se à distância: “Não é o Hino – Um grupo de
associados do Botafogo articula um movimento para levar o clube a reagir contra
a difusão da marcha ‘Botafogo, Botafogo, campeão de 1910’, da autoria de
Lamartine Babo. Recusam-se os alvinegros a aceitá-la como o hino do Botafogo”.
Armando sabia perfeitamente que a recusa tinha fundamento, pois “o Hino
era outro”.
Voltemos a 1956. Na segunda-feira, 1º de
outubro, Nelson Eduardo Souto (filho de Eduardo Souto) escreveu uma carta ao
Botafogo: “Só nos resta fazer o que agora fazemos: oferecer ao Botafogo uma
gravação do seu verdadeiro Hino. Creio que essa gravação está de acordo com a
atitude da Diretoria, pois musicalmente será feita com o que de melhor existe.
Radamés Gnattali fará a orquestração. A orquestra e o coro da Rádio Nacional se
incumbirão da execução. O disco, assim que tivermos em mãos, entregaremos ao
Sr. Paulo Azeredo”. Na quarta-feira, o (genial) botafoguense Radamés Gnattali
cumpriu a incumbência com enorme prazer.
Na terça-feira, embora não pudesse
ignorar a mobilização alvinegra em torno do resgate do “GLORIOSO”, Armando
Nogueira optou por promover as queixas de Lamartine Babo, feitas na véspera:
“Se falo, na música, no campeonato de 1910, é porque foi esse o fato mais
destacado de toda a História do Botafogo. Reconheço que de lá para cá, o
Botafogo conquistou outras glórias, mas o meu objetivo era ressaltar o
acontecimento mais expressivo, tradicional”.
Sobre o autor:
Carlos Ferreira Vilarinho, 58 anos,
carioca, é bacharel em Comunicação Social pela UFRJ (1978) e em Direito pela
UERJ (2004). É autor de QUEM DERRUBOU JOÃO SALDANHA (2010), denúncia de uma
conspiração política, livro que conquistou, em 2011, o troféu de prata no
Prêmio João Saldanha de Jornalismo Esportivo – categoria literatura – conferido
pela Associação de Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro - ACERJ.
Nas décadas de 1970 e 1980, foi ativo
participante da luta pela derrocada do regime nazista imposto pelo golpe
militar de 1964. Exerceu diversas funções de direção no Sindicato dos Bancários
do Rio de Janeiro (1979-1981). Participou da fundação da CUT – Central Única
dos Trabalhadores (1983), de cuja direção estadual tomou parte (1985). No terreno
da cultura popular, desde 1969, dedica-se à pesquisa da trajetória do Botafogo
de Futebol e Regatas, clube do qual já foi conselheiro (2003-2005).
Sou aposentado. Sempre fui bancário
(Banerj e Banco do Brasil) por opção. Jamais desejei ser jornalista porque
morreria de fome, não seguiria as pautas e seria sempre demitido. Exerci a
função de redator somente na imprensa sindical e em algumas publicações
clandestinas (por motivos óbvios). Só escrevo por prazer e por dever de
consciência.
Serviço:
O livro (edição do autor) pode ser
encontrado (pela internet) nas Livrarias Saraiva, Travessa, Siciliano e Folha
Seca. Também pode ser adquirido nas Lojas Oficiais do Botafogo, pessoalmente ou
pela internet. No Botafogo, o livro está sendo vendido a R$49,90. Nas demais
livrarias, a R$38,00.
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