terça-feira, 11 de março de 2014

Notícias de um botafoguense desativado

[Paulo Marcelo Sampaio é o autor destas crônicas, interpretando os protagonistas pelos quais assina; as crônicas publicadas no Mundo Botafogo são uma gentileza do autor.]

por Otto Lara Resende*

Eu, que nunca gostei de briga, quase me meto numa. Sempre conciliador, a coisa que mais admirei foi a ponte. Escrevia num mesmo dia editoriais para jornais diferentes. E rivais. O assunto era o mesmo e lá estavam meus textos, anônimos, com opiniões opostas. Afinal sei alguns minutos de muitos assuntos. E acabo não sabendo de nada. Ser jornalista é isso: entrar numa loja de secos e molhados à procura de condimentos. Encontrado o que se quer, o texto sai.

Dito isso, volto à zona de risco. A situação estava tensa. A poucos minutos de começar unión española e Botafogo, Waldir Amaral e Jorge Cury discutiam asperamente. Eu não entendia o por quê. João Saldanha me explicou. Acontecia antes das transmissões lá embaixo. Como eram duas estrelas da Rádio Globo, um narrava o primeiro tempo e o outro, o segundo. Waldir tinha uma tese. O Botafogo, como visitante, tentaria resolver tudo no primeiro tempo. E como botafoguense, queria ser o locutor dos gols do Glorioso. Estava difícil segurar a fúria dos dois. Eu, que sempre me considerei um Botafogo desativado, quis tomar partido. Mas logo falei pra mim mesmo. “Sou conciliador, sou conciliador”.

De repente o clima mudou. Oldemário Touguinhó – sempre ele com seus furos! – vem com uma notícia. Loureiro Neto tinha acabado de morrer. “Poxa, tão novo. De quê?”, quis saber Sandro Moreyra. Sofria com problemas no coração. Jorge Cury e Waldir Amaral ficaram petrificados. E se abraçaram, chorando. Mas logo ficaram felizes. Quem narraria esse ou aquele tempo era só um detalhe. Agora eles teriam um trepidante para as transmissões. Como estava muito em cima da hora, os dois decidiram ficar por aqui mesmo. Seria cansativo para o Loureiro subir aos céus e descer à Terra no mesmo dia.

Como trabalhei na TV Globo, dei a idéia de fazer uma transmissão em ‘off-tube’, onde os locutores narram o jogo a partir das imagens da TV. Borjalo, outro botafoguense que gostava da tranquilidade de Teresópolis – “lá é mais sossegado do que aqui”, costuma dizer – viabilizaria o sinal. Loureiro reuniu os dois para explicar a quantas andava o Botafogo. A Rádio Eternidade estava pronta para estrear. A vibração daquele grupo era tanta que aquilo me contagiou. E lembrei do tempo em que eu morava em Bruxelas. Era 1958 e o futebol brasileiro provocava delírios e paixões. Sete anos depois, no pólo norte – contei isso numa crônica na Folha de S.Paulo – via o sol da meia-noite e um esquimó pulou no meu pescoço. “Pelé! Pelé!”, gritava ele, fedendo a peixe.

Hoje, na companhia de Nelson Rodrigues, de João Saldanha, de Armando Nogueira, converso mais sobre futebol. É um esporte que fascina tanto que vale qualquer sacrifício. Saldanha fez isso. Pulmões dilacerados, fugiu do hospital e embarcou em cadeira de rodas para a Itália cobrir a Copa de 90. Não voltou mais. Nem sequer almoçou comigo no final do Leblon como prometera. O Sandro Moreyra entrou vivo num hospital e saiu morto. Por que chamam hospital de casa de saúde? Escolho uma cadeira do lado dele para assistir a partida. Jogo mais ou menos. Armando, na cadeira da frente, nota meu desconforto e pede. “Calma, Otto! O campo tá ruim. Se não dá por baixo, o negócio é o chuveirinho”. “O time é fraco. E desperdiçamos muitas chances. Sei não!”, alerta Saldanha. O castigo vem em pouco tempo.

“O relógio marrrrrrca….. 39 da segunda etapa”, anuncia Waldir Amaral. Eu me pego roendo as unhas, temeroso da derrota. Um minuto depois, o alívio. “Indivíduo competente o Ferreyra. Tem peixe na rede de Sanchéz. Qual o detalhe, Loureirooooo?” “Marcelo Mattos bateu a falta rapidamente para Edilson. O lateral-direito cruzou e El Tanque Ferreyra subiu mais que os zagueiros e não desperdiçouuuuu. Um a um!”, descreve o trepidante.

Eu, que lá embaixo andava desanimado porque não podia mais ler nos jornais as colunas do Armando e do Claudio Mello e Souza, volto a viver o Botafogo. Agora o Paulinho Mendes Campos e Fernando Sabino não podem reclamar mais de mim. Dizem até que o Hélio Pellegrino, que nem torce pelo Botafogo, é mais Botafogo do que eu. Preciso descansar meu coração. Falei demais pra quem ama tanto o silêncio.

* Otto Lara Resende é jornalista.

Notas do editor do Arquiba Botafogo:
1. O texto acima mistura realidade e ficção.
Bibliografia:
1. Resende, Otto Lara – Bom dia para nascer, Companhia das Lewtras, 1993
2. Instituto Moreira Salles – http://ims.uol.com.br//hs/ottolararesende

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