O
futebol foi, nos primórdios da introdução do jogo no Brasil, lá pelos idos de
mil novecentos e nada, coisa de gente finíssima. Praticado pela fina flor da
mocidade, o violento esporte bretão foi encarado pelos sportmen como um
duelo entre cavalheiros - pautado pelas regras da cordialidade, da fidalguia e
dos valores civilizatórios europeus.
O
comportamento da platéia - o termo é esse mesmo – não podia ser marcado pela
rivalidade ou passionalismos que superassem o reconhecimento da grandeza do
adversário. O resultado era o que menos importava. Fundamental - na vitória ou
na derrota – era manter a dignidade de gentis homens em duelo.
Tudo
muito bonito, e coisa e tal. Só que ao ler a fundamental e bem documentada tese
de doutorado de Leonardo Affonso de Miranda Pereira Footballmania - Uma
História Social do Futebol no Rio de Janeiro (a Nova
Fronteira publicou e eu recomendo vivamente!), descubro que em 1907 os
doutos apreciadores do ludopédio estavam preocupadíssimos com uma coisa - o
comportamento inadequado da torcida do Botafogo, que, segundo jornais da época,
começou a torcer de forma exagerada.
O
Correio da Manhã, edição de 4 de junho de 1907, lamentava que
"sportmen ligados ao Botafogo deixassem de lado a saudação do
brilho das disputas para chorar nas arquibancadas a derrota de seu time".
A direção do Fluminense fez uma repreensão por escrito ao comportamento dos
botafoguenses, que introduziram no Rio de Janeiro, segundo os aristocratas
tricolores, a "condenável prática de vaiar jogadores e juízes".
Indignada, a direção do pó de arroz lamentava que em certo prélio, um jogador
"teria mesmo agredido o juiz, sob a ovação geral dos sócios do
Botafogo".
O mesmo Correio da Manhã, de 18 de junho de 1907, relatava cenas
lamentáveis de um jogo do Carioca Football Club – um time infantil apadrinhado
por sócios do Botafogo. Com fitas pretas e brancas nos chapéus, os
botafoguenses – feito doidos de pedra - "torciam de maneira ostensiva e
exagerada pelo time protegido, vaiando os adversários mesmo quando esses
estavam machucados e invadindo o campo para comemorar os feitos do
Carioca", em comportamento jamais presenciado nos gramados brasileiros.
O
Correio se recusou a acreditar que tal furdunço fosse estimulado
pelos sócios do Botafogo "tal o elevado conceito em que é tido este
simpático club". No dia seguinte, porém, os botafoguenses assumiram os
atos cometidos, atribuindo-os ao entusiasmo pelo clube.
A
própria Liga Metropolitana de Futebol mostrou-se preocupada com os exageros
botafoguenses. A Gazeta de Notícias, que considerava o Fluminense o ‘club chic’
por excelência, manifestou repudio aos atos tresloucados de torcedores do
Botafogo, que chegavam mesmo a apupar senhoritas presentes aos estádios.
Chocadas com a algazarra dos botafoguenses, as moças abanavam-se sem parar,
abrindo seus leques franceses e ameaçando toda sorte de desmaios e faniquitos
contra os deselegantes alvinegros. […]
É
interessante […] constatar que os futebolistas, naqueles anos pioneiros do jogo
em nossas terras, ressaltaram a surpreendente passionalidade que marcou a
relação da torcida do Botafogo com o clube.
Sem comentários:
Enviar um comentário