De
acordo com Luiz Mendes (comentarista da Rádio Globo) e Geraldo Romualdo da
Silva (ex-jornalista esportivo de O Globo e do Jornal dos Sports), a frase,
originalmente, era ‘há coisas que só acontecem ao Vasco da Gama e ao Botafogo’.
Por quê? Simplesmente porque os dois clubes não conseguiam chegar ao título do
Campeonato Carioca por mais que tentassem. Mas quando o Vasco formou o
‘Expresso da Vitória’ e, em 1945, evitou que o Flamengo conquistasse o
tetracampeonato e sagrou-se campeão invicto – repetindo a invencibilidade em
1947 e 1949 – a frase, depreciativa até certo ponto, ficou apenas com o
Botafogo – com juros e correção monetária.
E não
se pode afirmar que era injusta, mesmo após o Botafogo conquistar de maneira
surpreendente o Campeonato Carioca de 1948, justamente sobre o quase imbatível
Vasco, que acabara de conquistar o título de Campeão dos Campeões
Sul-americanos em Santiago do Chile. Daí em diante, só o Botafogo carregou esse
fardo, repleto de fracassos e de ocorrências trágicas com jogadores e
ex-jogadores do clube, culminando com a necessidade de vender a sede de General
Severiano à Vale do Rio Doce, em 1973, para saldar dívidas quase impagáveis com
o INSS e o Imposto de Renda. Nunca, jamais, em tempo algum, um clube grande do
Rio havia perdido seu patrimônio imobiliário, sendo “exilado” para o distante
subúrbio de Marechal Hermes.
Mas
mesmo antes dessa inusitada transação – que demoliu o estádio e esteve prestes
a derrubar a sede, erguida em estilo mourisco –, uma sequência fatal com seus
ex-jogadores começou a ocorrer com o clube. Heleno de Freitas morreu louco num
hospício em Barbacena, aos 39 anos; Carlyle, ex-Fluminense, foi atropelado e
morto na saída do Mineirão; Chicão, lateral-esquerdo, foi assassinado a tiros
num posto de gasolina em Bonsucesso; Dirceu Guimarães, ex-Seleção Brasileira,
morreu num desastre de automóvel na Avenida das Américas; Garrincha despediu-se
da vida aos 49 anos vítima de complicações com o alcoolismo; o jovem Clei,
lateral que começava a despontar, foi assassinado por traficantes; tudo isso
sem contar as mortes prematuras de Didi, Quarentinha, Édison Pinto de Assis,
Bob, Orlando Maia, Neivaldo Carvalho, Américo Pampolini e muitos outros.
Parecia
maldição: vestia a camisa alvinegra, ficava marcado para morrer. E a vocação
para a tragédia era coisa antiga. O glorioso zagueiro Dinorah Cândido de Assis,
um dos campeões de 1910, suicidou-se em 1924 depois de ficar paraplégico em
conseqüência de uma bala alojada na espinha durante um duelo entre seu irmão,
Dilermando, e o escritor Euclides da Cunha. Para não citar o comandante Edu da
Panair, botafoguense e padrinho de Heleno de Freitas, que jogou seu avião Constellation
contra um morro em Porto Alegre em 1950, e o artilheiro Paulo Valentim, que se
casou com a prostituta Hilda Furacão, foi ídolo do Boca Juniors e acabou
enterrado como indigente no Cemitério de Chacaritas, em Buenos Aires.
ENTRE
AS GLÓRIAS, IMPEDIU DUAS VEZES O TETRA DO MAIOR RIVAL, O FLAMENGO. Em campo, o
Botafogo também sofreu – e sofreu muito. Ficou de 1935 a 1948 para conquistar
um título carioca, justamente sobre o verdadeiro poderio que era o time do
Vasco da Gama; aí, só foi ser novamente campeão em 1957, com a goleada de 6 a 2
sobre o Fluminense; e, depois do bicampeonato de 1967/68, conseguiu passar os
21 anos seguintes sem colocar a mão na taça. A sonhada vitória só viria em 1989
num jogo que entrou para a história do Campeonato Carioca, pois a decisão (1 a
0) foi contra o Flamengo, cuja poderosa equipe tinha Zico, Leonardo, Aílton e
Alcindo. Isso para não falar nas arbitragens capciosas, como a de José Marçal
Filho na decisão do título de 1971 diante do Fluminense, e a proteção dos árbitros
no tricampeonato conquistado pelo Flamengo em 2007-2008-2009.
Talvez por isso, o grande Mario Filho, ilustre flamenguista, escreveu: “Ser Botafogo é escolher um destino e dedicar-se a ele. Não se pode ser Botafogo como se é outro clube: você tem que ser de corpo e alma”. Já o gaúcho Luís Fernando Veríssimo costuma dizer que, “às vezes, torcemos pelo Botafogo apesar do Botafogo”. E Vinicius de Moraes perguntava: “O senhor sabe lá o que é um choro de Pixinguinha? O senhor sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal? O senhor sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?”.
Mas,
calma lá! O clube da Estrela Solitária tem seus orgulhos. E se tem! Foi, por
exemplo, o que mais jogadores cedeu à Seleção Brasileira – Nílton Santos,
Garrincha, Didi, Amarildo e Zagallo – no bicampeonato mundial, no Chile; foi
apontado pela FIFA como um dos 12 mais destacados clubes do século 20; detém o
recorde de goleada numa decisão de Campeonato Carioca (6 a 2 no Fluminense, em
1957); recuperou seu patrimônio imobiliário de General Severiano; inspirou duas
telenovelas na Rede Globo (“Desejo” e “Hilda Furacão”); foi campeão da
Conmebol, em 1993; e campeão Brasileiro de 1995.
Infinitamente
mais importante que tudo isso, foi o Botafogo que impediu que seu mais temível
adversário, o Flamengo, chegasse duas vezes ao tetracampeonato, glória que só o
alvinegro ostenta (1932-1933-1934-1935): eliminou o rubro-negro em 1956, dando
o título por antecipação ao Vasco da Gama; e agora, em 2010 (100 anos depois de
1910, que é citado no hino do clube), ao conquistar a Taça Guanabara e a Taça
Rio, esta última justamente sobre o rubro-negro, chamado pela imprensa de
‘Império do Amor’ – por causa da dupla de ataque Adriano, o Imperador, e Vágner
Love.
Como
se vê, há coisas que só acontecem mesmo ao Botafogo. Porque o clube tem algo
que nenhum outro tem. Ou nas palavras do iluminado tricolor Nelson Rodrigues,
“o Botafogo é o clube mais passional, mais siciliano, mais calabrês do futebol
brasileiro”.
[Ressalva do Mundo
Botafogo: há fontes que asseguram que Mário Filho era fluminense e não
flamenguista, como alguns referem em razão de ter escrito bastante sobre o
flamengo.]
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