por LÚCIA SENNA, escritora e cantora
escrito para o blogue Mundo Botafogo
Maria e Tereza. Mãe e
filha, de uma família gregária e numerosa. Ambas personalistas e de peculiar
humor. Independentes e nada convencionais. Ligadas por laços fortemente
emocionais com duração além da vida, parceiras e cúmplices.
Natal! Cada membro se
responsabilizando por um item da festa máxima cristã. Elas duas encarregadas do
peru, indispensável, tradicional, centro de mesa!
Delegam tarefas e marcado
fica para o dia da ceia a entrega da simbólica e imponente ave. Eis o que,
vertiginosamente, acontece:
Maria e Tereza haviam
encomendado o famigerado peru, com bastante antecedência, pois dona Matilda,
tida e havida no bairro como sendo quituteira de primeira, desde novembro já
estava com sua agenda lotada de pedidos natalinos.
Dia 25 amanhece sob o
repique festivo dos sinos anunciando o nascimento de Jesus menino. A cerimonia
familiar tem hora marcada para começar. As duas mulheres, ansiosas por natureza,
e querendo que o tropical peru fosse o primeiro a se apresentar à mesa – carro
chefe, com certeza – comunicam ao senhor Osvaldo, motorista contratado, que
retire o carro da garagem, pois é chegada a hora da largada.
Senhor Osvaldo, primeiro
personagem da nossa história, conhecido pelo apelido de ‘Porco’, mereceria – p or sua figura cômica –
bem mais do que um parágrafo: uma crônica. Baixo, magro, barrigudo e sujo.
Muito sujo!
O codinome caía-lhe como
uma luva. Tinha as feições de um suíno e no quesito higiene, era literalmente
um porco. Sua pele era pegajosa e mal cheirosa, assim como as vestimentas.
Noite e dia vestia a mesma bermuda bege. A camiseta desbotada pelo tempo,
deixava à mostra peludos e suarentos sovacos.
A acne, adquirida na mocidade, fazia ainda mais estragos no seu já
comprometido visual. O seu andar era surreal – andava de banda e sempre na
lateral. Senhor Osvaldo era sui generis,
ou se preferirem: ‘suíno-generis’.
Seu carro de trabalho
era uma lastimável Brasília verde musgo que, além de tudo, cheirava a poleiro
de galinhas, pois as trazia de uma feira suburbana, para seu próprio consumo,
deflagrando a inominável batalha de maus odores.
Surpreendentemente,
algumas vezes, dispensava a imunda camiseta, acicatando o espetáculo de horror!
Para agravar, se
possível fosse, o seu deplorável comportamento, ainda gostava de botecos
pé-sujo e se deliciava com saquinhos ensebados de torresmo, iguaria sublime
para ele, quase uma autofagia e que, brutalmente gentil, os oferecia aos
eventuais passageiros da agonia.
Causava espécie a amigos
e familiares que Tereza e Maria, elegantes e sofisticadas, ousassem adentrar na
sucata ambulante e fedorenta.
O segundo personagem da
comédia merece também judiciosas considerações: Ronaldo, apelidado ‘Tubarão’ – para
os íntimos, ‘Tuba’ –, possuía características físicas do predador dos mares,
tirante a nadadeira dorsal. Não havia nele, porém, instinto do mal. Seus verdes
olhos mostravam docilidade de alma.
Era sobrinho da dona
Matilda e a ajudava entregando as encomendas natalinas. Era risonho, simplório
e um tanto desajeitado.
O Porco, conduzindo mãe
e filha, estaciona em frente ao sobrado da quituteira que, à janela, acena
solicitando dez minutinhos de espera, pois a ave está acabando de se aprontar
para o grande evento, uma vez que se aproxima o momento crucial quando será
devida e solenemente degustada.
Desponta, no alto da
escada, o Tubarão, que sob severas recomendações da tia, conhecendo o Tuba como
ninguém, implora para que tenha todo o cuidado, uma vez que a travessa está
bastante pesada contendo o alegórico peru, com sapatinhos prateados entre os
fios de ovos dourados.
Já na rua, Tubarão e
Porco trocam cumprimentos festivos, o que faz a travessa se desequilibrar e,
quase em câmara lenta, cai na calçada o peru, rolando para a rua em declive,
aumentando a velocidade mais e mais. Tubarão sai correndo atrás para o resgate
seguido pelo Porco, que no seu andar lento e lateral, ajudava pouco.
Bastou apenas um olhar
entre mãe e filha para que as duas se escangalhassem de tanto rir, ignorando as
esfarrapadas desculpas do Tuba que, de soslaio, vez em quando, olhava a tia na
janela, desesperada, já com os bobs colocados aos cabelos para a ceia, gritando
ao sobrinho:
– Traga logo este peru
que dou um jeito nele! E para as freguesas: – Não se preocupem que o deixarei
supimpa para as Festas!
Tuba conseguiu, afinal,
segurar a prenda prometida antes que ela entrasse na movimentada avenida e ali
mesmo fosse desossado.
O riso incontrolável de Tereza
e Maria não continha qualquer dose de preocupação ou zanga, pois era devido tão
somente ao surrealismo da situação.
Dona Matilda recebe o
maltrapilho peru, o leva para cozinha e, após banhar-lhe as partes, deixa-o
como era antes da queda.
As duas, colocam-no no
carro do Porco e vão para o natalino ágape. Lá, uma distante da outra, riem
internamente e cúmplices ao se olharem quando alguns dos mais esnobes convivas
saboreiam com exclamações elogiosas a pièce
de résistance!
18 comentários:
Luis Borges e seus tais recorrentes tigres
Ultrapassados pelo Porco e o Tubarão!
Consegues essa façanha com simples crônica,
Inclusive, pode fazer com que tu migres,
Afastando-te do medo da escuridão,
Sinos natalinos em sagrada sinfônica!
Eis que introduzes, também, o peru da festa,
No texto, o único veraz animal! Morto!
No primo papel, não deitou, rolou à festa,
A cronista, ante o leitor, rindo, absorto!
Carregavam, os primeiros, dois apelidos,
O par, de fato, aos irracionais, parecidos!
Soa burlesca, a história, mas foi real,
Tanto risos causou, um pouco constrangidos,
Afinal, se estava festejando o Natal!
Sérgio Sampaio,
www.umpoetinha.com.br
Lúcia, Você é gloriosa, só não digo que é uma estrela solitária porque você tem uma legião de fãs! Obrigado Ruy, por ter me ensinado o caminho das pedras, ou melhor, o caminho das crônicas da Lúcia. Ela é ótima! Parabéns Lúcia, vou ser seu seguidor. Eu não estava apenas perdendo o glacê do bolo, mas o bolo inteiro.
Maurício Dantas
Caminho das pedras, Maurício?! Acho que é mais o trilho para a... mina de ouro! (rsrsrs)
Ela é absolutamente inovadora e surpreendente! Absolutamente invulgar!
Abraços Gloriosos, companheiro!
Errata: o verso "No primo papel, não deitou, rolou à festa"
por um lapso, é, na verdade: "No primo papel, não deitou, rolou, atesta"...
Desculpas, Sérgio Sampaio, www.umpoetinha.com.br >
Lucia,fantástica!!!Esto aqui morrendo de rir.ÓTIMA!!!Como sempre multifacetada.Parabénsssss!bjss carmem cardoso
Muito hilário. Só de imaginar a cena, já faz gargalhar. Parabéns a Lucia que consegue com sua crônica divertir a todos. Continue sempre assim. Bjs. Sonia Costa
Lúcia
Concordo com o comentário da Sónia Costa.Essa sua.cronica é muito
Hilariante.😂
Aconteceu mesmo?
É real ?
Surreal sem dúvida é.rsrs.
Valeu
Me escangalhei de rir.
Que vc. tenha um ano muito legal
E até o 2017😂😂😂'😉
Oi, Carminha
É uma história e tanto ! Sempre achei que daria uma cronica cômica. E, pelo jeito,
eu estava certa , a tirar pelos comentários postados.
Obrigada, amiga.
Bjs,
Oi, Sônia
Tenho uma satisfação enorme quando alguém me diz que achou graça ou que morreu de rir ao ler algo escrito por mim. Sorrir é bom, rir é ótimo, mas gargalhar é maravilhoso.
Conheço bem tuas gargalhadas. São contagiantes! Sinto-me, portanto, altamente elogiada.
Beijos, querida
Só uma rainha muito espirituosa e de bem com a vida para fazer de suas histórias pessoais quase que uma comédia hilária dessa.
E o bom que são personagens que existiram em sua vida e dignos de de Chico Anísio, Jô...
Muito bom saber que não é só uma "rainha" mas também uma camaleoa dos sentimentos, dos generos...
Mais uma vez nota 1000 para você.
Oi, Marcos
Também concordo com vocês. A situação foi pra lá de engraçada.
Respondendo à sua pergunta sobre a realidade dos fatos : foi real e com pessoas do meu grupo familiar. Pois é! Essas coisas também acontecem nas melhores famílias (KKKKK)
Aproveito para lhe desejar um ótimo 2017.Que o Ano Novo chegue bem risonho pra você.
Abraços,
Oi, Maurício
Entrar o ano " vestida" de gloriosa e brilhante como uma "estrela" é garantia do mais absoluto sucesso. Mas, Maurício, sucesso mesmo é poder merecer teus elogios e te ter como seguidor. Agora, um segredo : Não sou estrela solitária por ter uma "legião de fãs", como, gentilmente, dizes. A razão é outra: é porque faço parte do MUNDO BOTAFOGO - esse, sim, conta com um número incalculável de fãs.
Bendita a hora que resolveste dar uma espiadinha na minha " Espinha na testa...".
Confesso que me deixaste bastante emocionada ao dizer que não estavas perdendo
apenas o glacê do bolo, mas o bolo inteiro. E emoções, sabemos, não se expressam através de meras palavras. Agradeço teus comentários e te desejo um glorioso
ANO NOVO.
Grande Abraço,
Ruy,
Mina de ouro, sorte grande , loteria esportiva ou coisa assim, ganhei no dia em que me aceitaste como colaboradora do blogue. O MUNDO BOTAFOGO tem me proporcionado momentos emocionantes, únicos, extraordinários e inesquecíveis.
Devo tudo isso a ti. Se não fosse através do blogue - sucesso incontestável- onde publicar meus escritos? Como ser vista MUNDO afora? Como obter comentários tão enriquecedores? Em que lugar teria sido recebida com tanto carinho e cordialidade? Onde, RUY? Onde?
Aceite meus eternos e sinceros agradecimentos. Fazer parte do MB abrilhanta qualquer currículo. Sinto- me condecorada!!! (kkkkkkk)
Abraços gloriosos, querido editor.
Sérgio,
Teu acróstico também está hilariante!
Adorei " Luis Borges e seus tais recorrentes tigres/ Ultrapassados pelo Porco e Tubarão ". Bela " sacada'!!! Continuas genial! Pegas as minhas crônicas, degusta-as com atenção e prazer ( logo se vê) e me devolves em forma de acróstico/poesia
interpretando-as com maestria.
Obrigada, meu poeta e muita poesia em 2017.
Abraços,
Querida Lúcia,
Muito obrigado, meu texto foi um presente para você, o Fernando, o Ruy e o Blogue, pela paciência comigo e, de sua parte, todo esse carinho, que espero em breve poder retribuir.
Lucia, você nos emociona pela riqueza dos detalhes, desnuda os personagens, dando-nos a real dimensão das figuras que encenam a sua história, para nosso deleite e riso.
Cheguei a sentir um cheirinho de sovaco, mas não foi isso o que me fez cair pra trás, foi a surpresa da plástica no desossado à encantar os comensais.
Daria um esquete do peru.
Bjs.
Este é o meu comentário, mas não consigo colocar no blogue, sequer consegui entrar para visualizar meu texto.
Amanhã a netinha estará aqui e vai me passar mais uma aula de como não ter medo da máquina.
Feliz Ano Novo, bjs do seu fã e amigo.
De ontem para hoje orientado pelo seu editor Rui Moura , descobriu o caminho das minas de ouro rs escolhi três crônicas ao acaso : 'dia de festa espinha na testa ' 'A freira que era má' 'Saudades de mim '.
Sou formado em psicologia embora não exerça a profissão .
Sinto me confortado para lhe dizer o seguinte : você tem de sobra o que chamamos hoje de inteligência emocional. Impressionante?
Você sempre tem uma saída honrosa para situações do cotidiano.
Vou ler todas as outras e outros comentários virão , aguarde me !! Meus parabéns
Adriano soares
Oi, Paulo
Minha família tem muitas histórias que podem servir de matéria prima para próximas crônicas. São situações engraçadas que , certamente, dariam bons textos. Só não sei se me cobrariam direitos autorais... (kkkkkk)
Obrigada, amigo, por teus comentários nota 1OOO.
Bjs,
Boa tarde, Adriano
Percebo que estás me visitando pela primeira vez, não é?
Bom saber que conseguiste ter acesso às minhas crônicas, seguindo a orientação do nosso editor Ruy Moura. Saiba que o Ruy é um homem muito generoso e por isso refere-se ao conjunto dos textos como sendo a trilha da" mina de ouro".
Na realidade é apenas a trilha que faço na esperança de alcançar meus leitores.
E , quando tenho o retorno através de comentários tão importantes como o teu, fico com a certeza que estou indo pela trilha certa.
Aguardo com ansiedade futuros comentários.
Obrigada pelas interessantes considerações aos meus escritos.
Que 2017 te traga muita felicidade!
Abraços,
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