Colcha de retalhos

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por LÚCIA SENNA, escritora e cantora

escrito para o blogue Mundo Botafogo

Ando com Saudades de mim. Saudade da pouca idade, da cara levada e lavada, de uma certa irresponsabilidade, de um jeito meio sem jeito e da disposição e energia para pular da cama, vestir a malha colorida e rumar para a academia. Sim, fazia parte da minha Rotina, fazer Ginástica na academia. E com que alegria eu ia... Mama mia!

Ainda na cama, ponho-me a pensar ‘naquela menina’ e decido ir ao encontro dela. Preciso matar as saudades. Sei onde encontrá-la – na academia, claro!

Levanto-me preguiçosa e, através da vidraça, constato que está chovendo! Não será uma chuvinha que irá impedir o inusitado encontro. Escancaro as janelas e, feliz, grito a plenos pulmões: – ”Chuva, bendita sejas!”

De um salto abro o armário do quarto e deparo-me com o vazio. Há dias atrás, tomada por forte desejo de desapego, exagerei na dose e me desfiz de todas as malhas que eu tinha.  E agora? Com que roupa eu vou?

Improviso um top rosa e uma calça lilás. Olho-me no Espelho, espelho meu e rio daquela garota que adorava zombar da sisudez das cores. “Afinal”, dizia ela, “o lilás está para o rosa, assim como o verso está para a prosa”. E lá ia ela, rua acima, rua abaixo, a favor do vento e da vida.

Aquela guria, de olhar desafiador, parecia mesmo acreditar na ilusão da Eterna juventude eterna. E eu estava ansiosa por reencontrá-la.

Volto frustrada da Academia. Procurei-a pelos quatro cantos, e nada. Ninguém a conhecia. Estranho… ela é tão popular! Conversa com toda gente e adora um Blá, blá, blá.  Onde, afinal, andará essa menina?

Desolada deito na minha Rede que te quero rede e dou asas à imaginação. Se não a encontrei na Academia, com toda certeza, logo mais estará em algum Happy hour.  Sempre gostou de festas e de cantar.  Na época da faculdade, ‘matava aula’ no barzinho e dizia em alto e bom som, para quem quisesse ouvir, que o seu negócio era cantar e complementava com uma frase que já era sua marca registrada: – “Cantar, que prazer que me dá”. Foi nessa época que ganhou dos amigos o delicioso apelido de butterfly.

O balanço da rede ativa a minha memória. Volto ao passado e vejo-a revoltada com alguma espinha que, irritante, teimava em aparecer nos finais de semana, tipo Encontro casual.

Aquilo era uma verdadeira maldição, mas o destino cruel decretava, sem dó nem piedade, que em Dia de Festa, Espinha na Testa.

Dentro da rede e ainda agarrada às lembranças, quase perco a hora da happy hour. É lá que, com toda certeza, ela estará dançando e cantando como se não houvesse amanhã. Chego com o coração aos pulos de ansiedade na casa recém-inaugurada no baixo Botafogo. Espaço charmoso, decorado com esmero e comidinhas de tempero sem igual.

Um único senão – estava verdadeiramente lotada de gente. Muito mais do que o espaço podia comportar. Muito, muito mais! Um Tsunami social.

Olhos atentos a todos que por mim passavam, pescoço espichado, procuro-a freneticamente.  Tento também encontrar seus amigos de apelidos divertidos, companheiros mais constantes das noitadas de então, a saber: O peru, o porco e o tubarão.  Tudo em vão.

Volto frustrada da happy hour. Afundada na rede, choro desconsoladamente.  Sei que Chorar acalma a alma. E é disso que necessito. Não posso desistir dessa busca. Acalmando-me encontrarei novos caminhos que me levarão ao encontro ‘daquela’ garota cheia de si e de não Me toques, de frases de efeito e que, sem falsa modéstia, batia no peito, orgulhosa, por ser fera na arte de fazer amigos, unir, juntar, agregar.

Na verdade, ‘aquela’ menina tinha uma imaginação surreal. Posso, portanto, encontrá-la abarrotada de Malas na passarela do aeroporto do Galeão, indo para alguma ilha inexplorada e deserta, levando na bagagem uma certa personagem da sua infância, a Irmã Regina – A freira que era má –, e por lá deixá-la ficar.

Posso ainda dar de cara com ela em Rio das Ostras, conversando   animadamente com o Zezinho, figura folclórica da região que, aos berros, puxava seu velho carrinho de mão, anunciando: – “Olha a pamoooonha! Tem pamonha quentinha, curau de milho verde...”

A imaginação fértil a capacitava a fazer coisas inimagináveis. Certa vez, preparou um Jantar à luz de velas e, de repente, seus pensamentos cada vez mais lúdicos, levaram-na ao encontro dos casais que a literatura consagrou como sendo a imagem do eterno amor: Romeu e Julieta, Dante e Beatriz e Marília de Dirceu.

Volto ao ponto de partida, frustrada e cansada das inúteis buscas. Não quero parecer melodramática, mas choro o nosso não reencontro.  Choro um pedaço da minha vida que deixou de existir. Estou bem mais sensível do que gostaria. Estico o choro e choro por todos os tormentos alojados na minha mente. E quando já nem sei mais do que chorar, digo com a voz embargada: – “Pobre de mim, que não caço pokemons”. Todos estão caçando, menos eu... BUÁ, BUÁ, BUÁÁÁÁÁ!!!!

Depois de choramingar a minha miséria existencial, resolvo dar um basta. Respiro fundo e deixo que a tal felicidade dê o ar de sua graça. Tenho razões de sobra para sorrir. Estar aposentada do serviço público é uma delas. Aposentadoria, tempo de poesia.  Canto noite e dia: – “Oh, abre alas que eu quero passar...” Atualmente, Sou cigarra, fui formiga. O que mais posso querer da vida?

Feliz com a conclusão dos fatos, resolvo dar uma reunião para os meus mais queridos amigos. Ciça, aquela que, incrédula, vive na frente do espelho a se perguntar “Hipocondríaca, eu?”, por razões óbvias, não foi convidada. Cantamos, dançamos e tomamos homéricos porres de incontida felicidade!  E a minha velha e conhecida Depressão pós- festa, desta vez não se pronunciou.

Dia seguinte, acordo tarde, casa desarrumada, sinais de festa por todos os lados. Reflito sobre a vida e sobre mim mesma. Penso que o que mais importa, de fato, na nossa curta existência são as relações de afeto que a gente constrói.  Numa sociedade cada vez mais consumista e individualista, investir nos amigos é lucro certo.  E eu que sou cronista, já percebo que o assunto pode dar ‘pano pras mangas’. Apostar em temas palpitantes são os meus Ócios do ofício.

Uauuu!!! Uma linda borboleta colorida acaba de entrar no meu quarto. Reconheço-a de imediato. Sou tomada por forte emoção. O tão esperado reencontro aconteceu!!!!