por RUTH MANUS
19 de abril de 2017
O combinado não era eles serem jovens para sempre?
Meus pais não são velhos. Quer dizer, velho é um conceito
relativo. Aos olhos da minha avó são muito moços. Aos olhos dos amigos deles,
são normais. Aos olhos das minhas sobrinhas, são muito velhos. Aos meus olhos,
estão envelhecendo. Não sei se lentamente, se rápido demais ou se no tempo
certo. Mas sempre me causando alguma estranheza.
Lembro-me de quando minha mãe completou 60 anos. Aquele
número me assustou. Os 59 não pareciam muito, mas os 60 pareciam um rolo
compressor que se aproximava. Daqui uns anos ela fará seus 70 e eu espero não
tomar um susto tão grande dessa vez. Afinal, são apenas números.
Parece-me que a maior dificuldade é aprendermos a
conciliar nosso espírito de filho adulto com o progressivo envelhecimento
deles. Estávamos habituados à falsa ideia que reina no peito de toda criança de
que eles eram invencíveis. As gripes deles não eram nada, as dores deles não
eram nada. As nossas é que eram graves, importantes e urgentes. E de repente o
quadro se inverte.
Começamos a nos preocupar – frequentemente de forma
exagerada – com tudo o que diz respeito a eles. A simples tosse deles já nos
parece um estranho sintoma de uma doença grave e não uma mera reação à poeira.
Alguns passos mais lentos dados por eles já não nos parecem calma, mas sim uma
incômoda limitação física. Uma conta não paga no dia do vencimento nos parece
fruto de esquecimento e desorganização e não um simples atraso como tantos dos
nossos.
Num dado momento já não sabemos se são eles que estão de
fato vivendo as sequelas da velhice que se aproxima ou se somos nós que estamos
excessivamente tensos, por começarmos a sentir o indescritível medo da hipótese
de perdê-los – mesmo que isso ainda possa levar 30 anos.
Frequentemente nos irritamos com nossos pais, como se
eles não estivessem tendo o comportamento adequado ou como se não se
esforçassem o bastante para manterem-se jovens, vigorosos e ativos, como
gostaríamos que eles fossem eternamente. De vez em quando esbravejamos e damos
broncas neles como se estivéssemos dentro de um espelho invertido da nossa
infância.
Na verdade, imagino eu, nossa fúria não é contra eles. É
contra o tempo. O mesmo tempo que cura, ensina e resolve é o tempo que avança
como ameaça implacável. A nossa vontade é gritar “Chega, tempo! Já basta! 60 já
está bom! 65 no máximo! 70, não mais do que isso! Não avance, não avance
mais!”. E, erroneamente, canalizamos nos nossos pais esse inconformismo.
O fato é que às vezes a lentidão, o esquecimento e as
limitações são, de fato, frutos da idade. Outras vezes são apenas frutos da
rotina, tão naturais quanto os nossos equívocos. Seja qual for a circunstância,
eles nunca merecem ter que lidar com a nossa angústia. Eles já lidaram com os
nossos medos todos - de monstros, de palhaços, de abelhas, de escuro, de provas
de matemática – ao longo da vida. Eles nos treinaram, nos fortaleceram, nos
tornaram adultos. E não é justo que logo agora eles tenham que lidar com as
nossas frustrações. Eles merecem que sejamos mais generosos agora.
Mais paciência e menos irritação. Menos preocupação e
mais apoio. Mais companheirismo e menos acusações. Menos neurose e mais
realismo. Mais afeto e menos cobranças. Eles só estão envelhecendo. E sabe do
que mais? Nós também. E é melhor fazermos isso juntos, da melhor forma.
4 comentários:
Essa crônica é espetacular!
Gostei tanto que fiz questão de ler em voz alta para os meus familiares e amigos presentes. A autora foi muito feliz ao escrever esse texto.
Acho que interessa a todos nós, independente da faixa etária. Maravilhoso!
Essa crônica e a do Sexalescente que publiuei no dia od meu aniversário são delirantemente deliciosas!
Beijos Gloriosos.
Belíssimo texto!
Me identifiquei muito com tudo, principalmente em relação aos nossos queridos velhos.
O envelhecimento e relativo aquele que observa; quanto a perda de nossos pais, um dia simplesmente acontece, quando menos se espera. Então, melhor relaxar e curtir muito eles, enquanto for possível.
Idem, idem, aspas, aspas. Quando não sabemos viver o presente com as pessoas do presente, o futuro traz remorsos. Viver é hoje! Relaxando e curtindo quanto possível...
Beijos Gloriosos.
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