Imagem: revista Esporte Ilustrado
por MICHEL LAURENCE
Dizem que foi numa tarde de 1953, o time do
Botafogo se aprontava para o treino quando Arati, um médio-volante com mais
raça do que talento entrou pelo vestiário quase arrastando um jovem pelo braço.
– Seu
Gentil, este aqui vai ser o maior craque da história do Botafogo.
Gentil, sábio, poliglota, técnico por opção,
sorriu e pediu para o rapaz pedir um uniforme na rouparia e se trocar. Não
podia duvidar da palavra de Arati.
João Saldanha, então técnico dos juvenis, e seu
grande amigo Sandro Moreira, repórter do Diário da Noite, ouviram a conversa.
Os dois se apressaram e foram para campo na Rua General Severiano, a procura de
uma sombra e ver o nascimento de um grande jogador.
Quando Gentil viu a “promessa” de calção, quase
expulsou Arati do vestiário:
– Tá
brincando comigo rapaz? Como é que você me traz um rapaz com esse – e Gentil
procurou a palavra – com esse…com esse “defeito” nas pernas?
– É de
nascença, seu….
Não deu nem tempo de Arati completar a fala:
– Claro,
um defeito desses só pode ser de nascença! – e olhando para o rapaz – Me
desculpa, não estou te ofendendo!
Provavelmente para compensar, Gentil permitiu
que o rapaz assistisse ao treino.
O treino passando e João e Sandro ali esperando
a “sensação” entrar em campo. Lá pelas tantas Arati insistiu: – Seu Gentil, dá uma chance para o rapaz!
Gentil olhou feio para o ex-jogador, mas acabou
chamando o rapaz: – Filho, como é teu
nome?
O rapaz baixou os olhos e timidamente respondeu:
– Manuel!
– Manuel
não é nome de jogador – afirmou o treinador – Tem algum apelido?
– Garrincha,
lá em Pau Grande me chamam de Garrincha!
– É, pelo
nome da tua cidade é que não vai dar para te chamar! Qual é tua posição?
– Ponta,
seu Gentil, sou ponta-direita!
– Tá, tá
bom, entra lá no lugar do 7, nos reservas.
Dizem que a primeira coisa que o rapaz fez foi
chegar perto do grande Nilton Santos e dizer baixinho: – Seu Nilton, sou seu fã!
Nilton Santos, o maior de todos os
laterais-esquerdos do mundo, sorriu e aconselhou: – Deixa disso, vai lá e joga a tua bola para garantir o feijão da
família!
Na primeira bola que pegou, Garrincha caminhou
em direção ao Nilton Santos, parou, e de repente gingou o corpo para a esquerda
e arrancou feito um demônio pela direita. Nilton ficou ali plantado, enquanto o
rapaz cruzava para a área… a bola que Garrincha recebeu, Nilton Santos já foi
pra cima tentando encurtar o espaço. Garrincha gingou de novo e de novo
arrancou pela direita feito um demônio em direção ao gol.
João Saldanha e Sandro Moreira não acreditavam
no que acabavam de ver e acompanharam de perto quando viram Nilton Santos
caminhar em direção a Gentil Cardoso que estava tão espantado quanto os dois.
Calmamente Nilton Santos pediu: – Gentil, contrata esse garoto logo porque
nunca mais… nunca mais quero jogar contra ele!
Sandro era o único jornalista no treino e no fim
foi entrevistar o novo fenômeno;
No fim do seu relato contou a história com a
fala do Nilton Santos.
A repercussão foi imensa. Tão grande que Sandro
foi criando muitas histórias que seriam de Mané Garrincha, mas que tinham como
autor Sandro Moreira. As vezes perguntavam ao Mané se era verdade. Ele sorria
e… para que desmentir?
– É, foi
eu!
– Aquela
que você comprou o rádio que o Mário Américo tinha pago uma fortuna lá na Copa
de 58, dizendo que o rádio “não ia servir lá no Brasil, porque falava sueco”, é
sua também?
Mané soltava uma enorme gargalhada,
provavelmente por ser a primeira vez que ouvia a história inventada por Sandro,
e dizia: – Claro, claro, tanto que o
Mário quer me “pegar”! – e quase se dobrava de tanto rir.
Sandro Moreira inventou dezenas de “causos” do
Mané, e construiu o folclore em torno do maior ponta-direita do mundo em todos
os tempos. Histórias tão boas que até hoje as vezes se duvida que não sejam
verdadeiras.
Sandro faleceu em 1987.