Gravura de
Rugendas, 1820 – colorizada
por MILTON
TEIXEIRA
Texto baseado no artigo de Sergio Lordello e na
publicação Botafogo/história dos bairros, de vários autores, João Fortes
Engenharia, 1983
O tradicional bairro de Botafogo nasceu em
meio a uma guerra e, por pouco, quase terminou na mesma ocasião. Com efeito, o
Capitão-Mor e Governador Estácio de Sá (1542-67) fundara a 1º de março de 1565
a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, na base do Morro Cara-de-Cão, na
Urca, onde hoje existe o Centro de Capacitação Física do Exército e Fortaleza
de São João. Tal ato teve por fim não só marcar a ocupação lusitana da Baía,
descoberta pelos lusos em 1502 e até então presa fácil de aventureiros, como
também expulsar a colônia francesa intitulada França Antártica que havia se
estabelecido em 1555 onde hoje é a Ilha de Villegaignon.
No
mesmo ano da chegada, em julho, Estácio começa a doar terras em regime de
sesmarias a colonos e agricultores para que desenvolvessem a região. Tais
doações, além de generosas, estavam livres de impostos e emolumentos,
obrigando-se apenas ao beneficiado medir suas terras e delas deixar registro na
Câmara de Vereadores, bem como desenvolver alguma cultura nelas.
Uma
das primeiras doações foi, no entanto, para seu amigo particular, o futuro Vereador,
sesmeiro e Mordomo da Arquiconfraria de São Sebastião, o vicentino Antônio
Francisco Velho. Era uma doação deveras respeitável, pois abrangia toda a
enseada das futuras praias de Botafogo, Urca, Morro da Viúva e parte do Flamengo,
até a altura da casa Carioca, erguida em 1503 como uma malfadada feitoria
lusitana num braço do Rio Carioca, mais ou menos onde hoje é a Rua Cruz Lima,
no Flamengo.
As
terras de Francisco Velho abrangiam, portanto, áreas correspondentes hoje, aos
bairros de Botafogo, Urca, Flamengo (parte), Humaitá e Lagoa (parte).
A
doação constituía-se basicamente num vale, formado pelos morros que serão batizados
no século XVII de São João e D. Marta, cortado por dois grandes rios: o Berquó
ou Brocó, que ainda hoje existe passando canalizado pelo Cemitério São João
Batista, assim chamado no final do séc. XVII em lembrança de um dos proprietários
locais, o Ouvidor Francisco Berquó da Silveira; sendo o outro rio o Banana
Podre., em grande parte também canalizado, passando paralelamente à Rua São
Clemente, pelos terrenos de algumas mansões, estando a descoberto ainda em algumas
propriedades.
Havia
também uma Lagoa de restinga, ligada ao mar, onde hoje está a Rua Dezenove de
Fevereiro (e que teima em reaparecer sempre que chove), mas a principal e mais bela
atração da doação era, sem dúvida alguma, a formosa enseada de águas plácidas,
tão calmas que os franceses de Villegaignon a batizaram de Le Lac. – o Lago.
Os
índios tamoios, primitivos habitantes, não se sensibilizaram com a beleza da enseada,
não lhe dando nome em especial. Chamavam Botafogo de Itaóca (casa de pedra), em
referência a uma furna que ainda existe onde hoje é o Humaitá (fica no final da
Rua Icatu).
A
partir de 1565, surge o primeiro nome português do local, a Enseada de
Francisco Velho. E por esse nome foi conhecida por mais de quarenta anos.
Francisco
Velho era casado com D. Ana de Moraes de Antas, de tradicional família
vicentina, vinda com Martim Afonso em 1532, e descendente de várias casas reais
européias. Em Portugal, a família era possuidora do tradicional Paço de Antas.,
daí o sobrenome.
O casal
teve ao menos uma filha, D. Isabel Velho, casada com outro fundador do Rio de
Janeiro, Antônio de Mariz Coutinho, futuro Vereador e que entraria na literatura
romântica do séc. XIX como o pai de Ceci, do romance O Guarani, de José de
Alencar.
Quando
houve a expulsão dos franceses em março de 1567 e a transferência da cidade
para o Morro do Castelo, a família Velho passou a residir em morada erguida
onde hoje existe o imenso edifício neoclássico da Universidade do Brasil, na
Avenida Pasteur, antiga Praia da Saudade.
Deve-se
em boa hora lembrar que a topografia de então era bem diferente da atual. Não
existia a Praia Vermelha, nem o terrapleno onde hoje figura a Praça General
Tibúrcio. O Morro da Urca, junto com o Pão de Açúcar e o Cara-de-Cão formavam
uma ilha, separada do continente. O Oceano Atlântico comunicava-se diretamente
com as praias da Saudade e Botafogo. Somente em 1697 é que se fez o aterro que
ligou a Urca ao continente.
Curiosamente,
Francisco Velho veio a ser nosso primeiro seqüestrado no Rio de Janeiro, pois
foi capturado em janeiro de 1567 pelos índios tamoios quando foi ao mato cortar
troncos para erguer a capela de São Sebastião. Velho foi rescaldado com vida
pelos portugueses, depois de épica batalha travada próximo ao que é hoje o
Morro da Glória, a 20 de janeiro de 1567, onde ocorreu espetacular embate entre
cinco canoas portuguesas e cento e oitenta tamoias, com vitória lusitana onde,
ao que se diz, até o próprio São Sebastião em pessoa apareceu para dar uma mãozinha.
O embate entrou para a história como a Batalha das Canoas.
Já bem
idoso, Francisco Velho vendeu suas terras em 1590 ao seu colega de aventuras, o
alentejano de Elvas, João Pereira de Souza Botafogo (1540-1605), sertanista
famoso, e que deixara Portugal, ao que se diz, por embaraços financeiros. João
Pereira emprestaria seu nome em definitivo ao bairro, que se chamou Botafogo
desde então. O curioso é que possivelmente não era nome de nascença, mas sim
apelido, muito comumente dado em Portugal aos arcabuzeiros, homens
especialistas em armas de fogo manuais.
Portanto,
os dois primeiros moradores do bairro já sofriam de velhos problemas cariocas: seqüestro
(Antônio Francisco Velho) e inadimplência (João Pereira de Souza Botafogo).
Fonte: Jornal O Manequinho, Maio de 2007,
pag. 3.
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