por MILTON TEIXEIRA
Texto baseado no artigo de Sergio Lordello e na publicação Botafogo/história dos bairros, de vários autores, João Fortes Engenharia, 1983
Fazendo parte da freguesia rural de São João Batista da Lagoa, que compreendia a maior parte dos atuais bairros da Zona Sul carioca, o arrabalde de Botafogo, até o final do século XVIII, não tinha um papel muito expressivo na Cidade do Rio de Janeiro. Suas terras compunham a Fazenda do Vigário Geral, de propriedade de Clemente Martins de Mattos. Com a morte deste, em 1702, elas sofrem seu primeiro processo de repartição, dando origem a três chácaras: a da Olaria, compreendendo a maior parte do atual bairro de Botafogo, a do Outeiro e a do Vigário Geral.
A instalação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, provoca a expansão das funções administrativas da capital da colônia, assim como a abertura dos portos e a conseqüente intensificação das atividades comerciais. Botafogo passa a abrigar as camadas abastadas da população que se deslocam das freguesias centrais em busca de seu clima agradável e do encanto de suas belezas naturais.
A Fazenda da Olaria foi adquirida inicialmente pelo Conde dos Arcos, último vice-rei do Brasil. Em 1825 ela é transferida para Joaquim Marques Baptista de Leão, que é o primeiro dos moradores de Botafogo disposto a urbanizá-lo, dando-lhe a aparência de um bairro. Subdivide suas glebas para loteamento e abre nelas duas ruas por volta de 1826, a Real Grandeza e a Nova de São Joaquim (Voluntários da Pátria). Seus herdeiros abriram, em 1853, a rua Marques e o Largo dos Leões, onde se situava a mansão da família.
Se até meados de 1850, a figura da transferência de propriedade na área é a chácara, a partir daí será o lote de padrões nitidamente urbanos. Um agente acelerador desse processo foi, sem dúvida, a acessibilidade criada com a introdução de uma série de meios de transporte coletivo que passam a servir Botafogo a partir de 1840, ligando-o ao Centro da cidade. A implantação desses meios de transporte, acessíveis às camadas médias e baixas, com maior capacidade de passageiros e cargas e maior número de viagens diárias, decreta o fim do isolamento de que se beneficiava a aristocracia residente.
A chegada do bonde em 1871, cruzando o bairro e indo até o Jardim Botânico, mudando radicalmente a trama intra-urbana da cidade em geral, atinge Botafogo em particular, ocorrendo a ampliação do número de estabelecimentos comerciais. Botafogo terá, ao fim do século XIX, lançado praticamente toda sua malha viária atual. O final do século XIX introduz um novo agente neste desenho, que são as primeiras iniciativas organizadas por empreendimentos imobiliários.
O Banco Mercantil promove a abertura e a venda de lotes concomitantes das ruas Assis Bueno, Álvaro Ramos, Arnaldo Quintela, Fernandes Guimarães, São Manuel, Rodrigo de Brito, Oliveira Fausto e Travessa Pepe. Os irmãos Farani fazem a mesma coisa com a Farani, Barão de Itambi, Jornalista Orlando Dantas, Clarisse Índio do Brasil, Visconde de Caravelas, Visconde Silva, Pinheiro Guimarães e Conde de Irajá. Em fins de 1890, seriam abertas as ruas: 19 de Fevereiro, Aníbal Reis, Paulino Fernandes, Vila Rica, Tereza Guimarães, Elvira Machado, Martins Ferreira, Capistrano de Abreu, Diniz Cordeiro e João Afonso.
A Rua Voluntários da Pátria, que em 1871 não tinha nenhuma expressão em termos de localização de estabelecimentos comerciais, surge dez anos depois como a de maior número de estabelecimentos no bairro. A crescente mudança funcional do bairro pode ser especialmente sentida pela transformação que sofre a enseada de Botafogo. Este segmento do bairro, de ocupação originalmente aristocrática, vai mudando sua função principal ainda no decorrer da segunda metade do século XIX, transformando-se na segunda via em importância comercial e de serviços do bairro. Nas primeiras décadas do século XX, já é nítida a concentração de colégios e hospitais.
Nos primeiros 30 anos do século XX o Poder Público muda radicalmente o seu papel no movimento de expansão urbana. O Poder Público passa a dar suporte técnico e financeiro à realização do lucro do capital privado através de empreendimentos imobiliários.
O bairro passa por um novo processo de ocupação e adensamento, agora acompanhado e avalizado pelo Poder Público através de Projetos de Alinhamento de abertura de novas ruas, concomitantemente a novos loteamentos, principalmente no período 1925-30.
No bojo da ocupação do bairro, agora tutelada pelo Poder Público, surgem as vilas e habitações coletivas. É digno de nota o surgimento, nos anos trinta, dos primeiros dados estatísticos indicativos da favelização nos morros do bairro, como Pasmado, Saudade e São João. Paralelamente, o processo de ocupação das encostas do Corcovado nesse período, demonstra o início da saturação da parte plana do bairro.
Em 1933, aproximadamente 30% do total de prédios existentes no bairro é constituído de casas em avenidas, concentradas principalmente na Rua São Clemente, no trecho que vai até a Rua Real Grandeza. Em 1937, estão definitivamente encerradas as construções de vilas em Botafogo, por impedimento da legislação municipal. Esta proibição, aliada à renovação das técnicas de construção, permitirão o processo de adensamento do bairro, através de novas formas construtivas, primeiro com pequenos prédios de três a quatro andares, mais tarde, com edifícios de maior altura.
O período compreendido entre 1940 e 1960, marcado por um boom imobiliário nos bairros da orla marítima, principalmente em Copacabana, é uma época de relativa estagnação para Botafogo. O papel de Botafogo como centro de serviços especializados para os demais bairros da Zona Sul já está em marcha nesse período.
A contínua e crescente utilização das ruas de Botafogo como eixos de passagem, numa resposta mecânica do Poder Público ao aumento progressivo do volume de tráfego gerado, e na busca de interligar, a qualquer custo, os diferentes pontos da cidade, acabam por inviabilizar tentativas eficazes de controle e aproveitamento mais racional do seu espaço. A valorização do solo ao longo desses eixos fomentou a competição pela sua utilização entre diversos setores da atividade social e econômica, estimulando a renovação da área, a sua diversificação funcional e verticalização, provocando a expulsão de grande parte de seus antigos moradores e transformando sua paisagem. É um pouco desse Botafogo remanescente.
Fonte: Jornal O Manequinho, Maio de 2007, pag. 4.
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