por CARLOS
VILARINHO
especialmente
para o Mundo Botafogo
sócio-proprietário e historiador do Botafogo de Futebol e Regatas
[A narração que se segue reporta-se ao II Volume da coleção ‘O Futebol do Botafogo’ e ao ano de 1964]
Na quarta-feira (dia 2 de dezembro), já desfeitas as negociações para amistosos em Paramaribo ou Belo Horizonte, o Botafogo realizou um coletivo (titulares 2x0). Mesmo fora de posição (ponta esquerda), mas já disputando sem receio as jogadas, Garrincha deu um verdadeiro show, fez um gol, mas ainda não garantiu sua escalação contra o Flamengo.
O Botafogo folgou no final de semana. Com as vitórias do Flamengo (2x0 Campo Grande) e do Bangu (4x0 Madureira); mais o empate do Fluminense (1x1 Vasco), a classificação ficou assim: Flamengo (34 pg); Bangu e Fluminense (33 pg); Botafogo (32 pg). O Botafogo precisaria vencer o Flamengo e torcer por tropeços (improváveis) de Bangu e Fluminense.
Na terça-feira, dia 8, Chirol comandou um rigoroso individual (60 minutos) ao som do estribilho: “Um, dois, três, o Flamengo não tem vez”. Era uma resposta à notícia de que o Flamengo já havia encomendado as faixas de campeão. Antes da atividade, Nilton Santos avisou: “Vou jogar, domingo, minha última partida pelo campeonato carioca. Depois, irei à excursão do Botafogo e na volta encerro minha carreira”.
No coletivo do dia seguinte (titulares 3x1), Garrincha (agora, na sua posição), embora mais desembaraçado, voltou a evitar as jogadas de choque, mantendo o suspense no momento em que a imprensa agitava um diabólico veto do Botafogo à sua escalação, pois uma atuação espetacular contra o Flamengo tornaria mais cara sua renovação.
Na quinta-feira, o Fluminense venceu o São Cristóvão (2x0) e somou 35 pontos, afastando o Botafogo do páreo.
Mas o Botafogo não alterou seus planos de vitória. No apronto de sexta-feira (no Forte Copacabana), com a volta de Jairzinho à direita, Garrincha foi lançado na esquerda, mantido Roberto no centro. A certa altura, Didi substituiu Élton, enquanto Humberto entrava no lugar de Mané (que passou para os aspirantes, na direita). Didi e Garrincha seguiram com o time para a concentração. Enfrentariam o Flamengo? Nem Palmeiro sabia responder! Era a guerra!
No sábado, o Bangu massacrou o Bonsucesso (5x1) e também chegou aos 35 pontos, passando a torcer por uma vitória do Botafogo para disputar uma melhor de três com o Fluminense. Um empate levaria a um supercampeonato.
Palmeiro apelou aos jogadores para lutarem com vontade porque “não era da tradição do Botafogo servir de degrau para ninguém ser campeão”. O Flamengo queria evitar o supercampeonato, mas já entrou em campo moralmente derrotado, pois Flávio Costa barrou Ananias só porque ele residia em Bangu, bairro de seu antigo clube.
O
Botafogo aplicou um 4-2-1-3 com um beque na sobra e Arlindo um pouco à frente
de Élton e Gérson (uma parede). O esquema se transformava num 4-3-2-1, com
Roberto e Humberto vindo buscar jogo. Jairzinho foi sempre a válvula de escape
e o tormento do Flamengo. Com Amauri e Osvaldo bloqueados, restaram ao Flamengo
os tiros de longe e as costuras na busca de uma brecha. E o Botafogo poderia
ter ido para o intervalo com boa vantagem no placar, pois superou o Flamengo em
raça, técnica e oportunidades. Arlindo, por exemplo, na pequena área, atirou um
petardo no pé da trave, numa confusão iniciada por Roberto.
Na fase final, o Botafogo impôs-se definitivamente. Aos 23, Mura sofre falta de Osvaldo. Ele finge que vai bater, mas sobe para receber o toque de Gérson, enquanto Jairzinho corre para a pequena área, levando Paulo Henrique. Perseguido por Osvaldo, Mura chega ao corredor e cruza na risca da pequena área. Roberto sobe com elegância de craque e testa para o filó, no canto direito de Marcial: 1x0. Golaço! No final, só não teve olé porque Nilton Santos pediu a Gérson para o Botafogo “ganhar sem maltratar”. “O bicampeonato ficou na saudade” – disse bem a faixa da torcida alvinegra.
Numa tarde em que todos os alvinegros estiveram bem (Humberto, nem tanto, por jogar na ponta), Manga foi a estrela do jogo, confirmando sua condição de maior goleiro do Brasil. Gérson foi outro monstro, num vaivém sensacional. Arlindo, craque! No vestiário, Gérson, que novamente derrotara as vaias, salientou que o Botafogo não era só Garrincha: “Torcida não ganha jogo. Isto é literatura. Jogo se ganha no campo e vence quem tem mais categoria, mais classe. Foi o que mostramos. Ganhamos e como eu já esperava, e, se surpresa tive, foi quanto ao escore, que foi pequeno demais para a nossa superioridade. Time por time, provamos, neste final, que temos melhor que Fla e Flu. Foi pena termos perdido tanto tempo com experiências”.
Na melhor de três, quarta-feira (1x0) e domingo (3x1), o Fluminense venceu e ficou com o título. No perde-ganha geral, triunfou em 1964 quem errou menos, confirmando a opinião de Manga: “Nenhum dos nossos adversários se destacou como grande time”. Segundo muitos analistas, a camisa tricolor prevaleceu sobre o grande time (Bangu). Na coluna de quarta-feira, Armando divergira: “Tenho visto o Flamengo, com a sua camisa irresistível, perder algumas decisões no Maracanã; tenho visto o Fluminense, igualmente consagrado pela tradição de sua camisa, decidir títulos e perdê-los de maneira contundente para adversários cujas camisas jamais entraram no rol dos mitos do futebol, como é o caso da camisa do Botafogo e do América”.
Na tarde de terça-feira, 15, já com a cota (5 milhões) no bolso, o Botafogo embarcou para Salvador, onde enfrentaria o Bahia. Didi teve de acertar as contas com o Fisco e perdeu o avião, só seguindo na manhã de quarta-feira. Quarentinha ficou por aqui mesmo, desolado por ter sido dispensado em cima da hora. Queixando-se de febre e dores de garganta, Garrincha foi dispensado pelo Dr. René Mendonça. À noite, o Botafogo venceu por 1x0, gol de Roberto, já perto do fim (aos 36).
13/12/1964 – 1x0 Flamengo, gol de Roberto. Time: Manga, Mura, Zé Carlos, Nilton Santos e Rildo, Élton, Arlindo e Gérson, Jairzinho, Roberto e Humberto.
16/12/1964 – 1x0 Bahia, gol de Roberto. Time: Manga, Mura, Zé Carlos, Nilton Santos e Rildo, Didi (Élton), Arlindo (Ayrton) e Gérson, Jairzinho (Sicupira), Roberto e Zagalo (Humberto).
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