terça-feira, 14 de novembro de 2023

Confusões sagradas e tropeções divinos

por LÚCIA SENNA | Escritora e Cantora | Cronista do Mundo Botafogo

O sol se despedia em uma mistura de tons alaranjados, naquele já distante janeiro de 2009. Missa de sétimo dia de Mariinha, minha mãe.

Desejava que a cerimônia fosse parecida com ela: missa cantada, amigos e familiares presentes, sermão emocionante, porém sem maiores delongas, expressão que costumava usar, pois era apressada por natureza.

Planejei tudo meticulosamente, numa tentativa de honrar a memória de Mariinha, com a dignidade e o respeito que o momento exigia. No entanto, o que encontrei dentro daquelas paredes sagradas foi muito distante do que havia imaginado.

Na pequena sacristia da igreja, antes do início da missa, um padre baixo e robusto, ostentando um semblante mal humorado, sem um pingo de sensibilidade no olhar, veio ao meu encontro. Diante dos meus pedidos para participar da cerimônia de forma mais ativa, recebi uma série de NÃOs.

Mas, como assim?

Eu estava ali, com o coração encharcado de dor e saudade, versos prontos para serem lidos e, incrédula, a deparar-me com um verdadeiro muro de recusas vindo daquele ser que se dizia guia espiritual? E os NÃOs vinham acompanhados de sorrisos lacônicos e inflexíveis, proferidos sem sequer dirigir-me o olhar. Minha frustração era palpável.

A missa se desenrolava como eu já previa: sermão sem graça, dito em voz baixa, sem nenhuma emoção e, portanto, sem fazer jus à memória de Mariinha. Até o nome dela foi trocado em um deslize imperdoável. Suas palavras, desprovidas de calor humano, ecoavam por toda igreja, deixando um vazio que não condizia com o momento de despedida que esperava vivenciar.    

Ao final da missa, a sacristia se tornou palco para o que só posso descrever como uma verdadeira comédia divina. Ali, o confronto verbal entre o agora “padreco” e eu, tomou proporções inesperadas. As palavras foram trocadas com intensidade, como um vendaval que ameaçava arrastar as fundações da fé que sustentavam aquele lugar sagrado.

O padre, tomado por uma ira súbita ao me ouvir dizer impropérios sobre a sua conduta anticristã, agiu de maneira impulsiva, atirando no chão o dinheiro que eu havia pago pela cerimônia religiosa. Naquele momento, a frieza das moedas contrastava com a fervorosa devoção que inicialmente me trouxera àquela igreja. O sacristão, um observador inquieto dessa tempestade de emoções, decidiu intervir, numa tentativa de acalmar nossos ânimos pra lá de exaltados.

As vestes do sacristão são dignas de nota, pela peculiaridade das mesmas, parecendo no primeiro instante, ter esquecido o manual de vestimenta eclesiástica:  uma enorme saia rodada e vermelha o envolvia, conferindo-lhe uma aparência que lembrava mais uma baiana do que um membro do clero. Fazia um contraste curioso com a solenidade do local.

Pois foi exatamente nessa bendita saia que eu, atrapalhada como sempre, acabei por tropeçar, esborrachando-me no chão sagrado.  O sacristão, por sua vez, tentando tirar-me da complicada situação, acabou também se enrolando por inteiro na própria vestimenta e ficamos os dois sem ação, diante dos olhares repreensivos do padre.

Vocês podem imaginar a cena?

Pois bem... O clima tenso foi interrompido por uma gargalhada incontrolável do sacristão, que parecia se divertir com aquele lance totalmente inusitado. "Ah, isso aqui nunca foi um desfile de moda, mas você realmente deu um toque especial!", ele disse entre risos, enquanto me ajudava a soltar-me da veste divina.

E, ali, naquela sacristia transformada em palco de comédia, em meio a saias rodadas e olhares atônitos, certifiquei-me que, às vezes, é o humor que nos mantém conectados com o divino. Era como se minha mãe, querida por todos e amante do riso, estivesse ali, de alguma forma, participando da celebração daquele momento especial.

Ficou claro que a fé não reside apenas nos rituais e nas vestes sagradas, mas na compaixão e no respeito que emanam de quem escolhe servir como guia espiritual.

31 comentários:

Anónimo disse...

Só uma palavra para definir essa crônica: HILÁRIA!!!! rsrsrs
Minha prima, só você pra me fazer rir num dia escaldante como hoje!
Beijão,
Lourdes Coelho

Anónimo disse...

Lucia querida, Estou rindo até agora da tua " patetice"...rsrs
E porque te conheço bem, sei que és perfeitamente capaz desses gestos tresloucados rsrs
Bjs da Letícia

Anónimo disse...

" ...pois foi exatamente nessa bendita saia que eu , atrapalhada como sempre,acabei por tropeçar, esborrachando- me no chão sagrado"
Ah, LUCIA...não me diga mais nada ...rsrsrsrs
Seu fã há tempos,
EDSON

Anónimo disse...

Lúcia, minha amiga do peito!
Não sabes como é bom ter uma amiga tão original assim. Não sei de ninguém que tenha se enrolado nas saias de um sacristão e despencado no " chão sagrado" (rsrsrs). Se alguém aqui no blog souber de situação semelhante, por favor me deixe saber rsrs
Abraço grandão do Guilherme!

Anónimo disse...

A crônica é toda deliciosa, mas você tem toda razão quando diz que as vestes do sacristão são dignas de nota ( ca ca ca ca). Me escangalhei de tanto rir!!!!
Costa Neto

Anónimo disse...

Lúcia Senna, teu nome já diz tudo : Lúcia é luz! E só poderia vir acompanhado do sobrenome SENNA. Claro, pois uma pessoa tão espirituosa assim, não pode sair de Senna. O trocadilho pode ser comum, mas a Lúcia é INCOMUM, e é isso que vale!!!
Parabéns mais uma vez !
Claudio d'Almeida

Lúcia Costa disse...

Oi, prima!
Hoje essa história passou a ser bem divertida.
Na ocasião do fato queria simplesmente estrangular o padreco...rsrsrs
Beijo, queridona !

Lúcia Costa disse...

Estás usando a palavra exata : PATETICE.
Obrigada por encontrar o termo exato para todos esses meus desatinos.rsrs
Beijocas,

Lúcia Costa disse...

Oi,Edson
Que prazer te encontrar novamente !
Fico mesmo muito feliz por esse reencontro.
Obrigada pelo retorno pois é gratificante demais ler comentários tão simpáticos, como este que agora me fazes...
Grande abraço!

Lúcia Costa disse...

Adorei teu comentário!
Espero que ninguém tenha vivenciado tal situação, pois há um certo charme de ter sido eu a única a tropeçar nas saias de um sacristão rsrsrsrs.
Abração, amigo!

Lúcia Costa disse...

O melhor de tudo é saber que você se escangalhou de tanto rir . Rsrsrs
Obrigada ,Costa Neto.
Grande abraço!

Anónimo disse...

Outra crônica surpreendente: começa de uma forma quase poética, com o sol se despedindo em tons alaranjados, depois, fica tensa com os diversos NÃOs do padre e termina da forma mais engraçada e inusitada possível. QUE DELÍCIA!!!!
Lúcia Senna, você é uma pessoa muito especial e suas crônicas revelam essa mulher criativa e tão intensa na vida. Sei lá : Fantástica!!!!
Celso Rodrigues

Anónimo disse...

Lúcia senna , você é um sucesso, menina!!!!
Joaquim alves

Anónimo disse...

Bem... eu me envolvi tanto com a história que fiquei com muita vontade de também dizer uns desaforos para o " padreco". Amei o sacristão!!!! Uma figuraça!!!! Que bom que mais uma vez você do limão, fez uma refrescante e gostosa limonada. RSRSRS
Eta amiga bacana é você!!!!
CLARA

Lúcia Costa disse...

Oi,Claudio
Não há nada de comum no teu comentário.
Incomum é o elogio que fazes sobre o meu nome.
Não sei nem o que dizer...
Só me cabe agradecer por tanta gentileza.
Abraço enorme!

Lúcia Costa disse...

Nossa , Celso!
Não sei o que dizer diante de tantos elogios!
Estou muito sensibilizada com teu gentil comentário. Tão interessante esse teu olhar atento a ponto de perceber as fases da crônica: a poesia inicial, a tensão e o final surreal.
Obrigada pelo interesse demonstrado.
Abração,

Lúcia Costa disse...

Sou?????
Será??????
Hummmmmm...
Obrigada, Joaquim!Sucesso mesmo é ter leitores tão bacanas como você. O resto é conversa fiada...rsrsrs
Grande abraço!

Lúcia Costa disse...

A vida é essa,né Clara?
Fazer limonada dos limões foi uma das coisas legais que aprendi com Mariinha. Ela era mestre nisso !
Beijocas, querida!

Anónimo disse...

Lucia, não posso sequer imaginar a cena...
Vai além da minha capacidade imaginativa ...rsrsrs

Anónimo disse...

Oi, minha cronista favorita.
Mais um golaço!
No dia que eu voltar a jogar te quero no time. Topas?
Gloriosos abraços.

Lúcia Costa disse...

Bem, eu não posso negar que nem eu ,mesmo nas minhas mais loucas fantasias,poderia me imaginar dizendo impropérios para um padre e me enrolando na saia de um sacristão...
Portanto, meu caro anônimo, concordo totalmente contigo : uma cena inimaginável!!!! Rsrsrs

Lúcia Costa disse...

Vou arriscar que esse comentário é do GARRINCHA! Ah, só pode ser...
Estou topando fazer parte do seu time.
Que honra, será pra mim !!!!!
Abraço GLORIOS0!

Anónimo disse...

Oi, querida
Eu, que conheci muito bem a tua mãe, tenho certeza que ela iria morrer de rir dessa situação. Ela era adorável. Alegre, divertida , bem humorada e muito espirituosa. Sorte tua de ser herdeira de um DNA tão bacana.
A crônica é divertidissima!!!!
Beijão, lindona!
Tereza

Anónimo disse...

Lucia nos brinda com mais um de seus saborosos "causos" cheios de humor. À medida q o texto se desenrola, vamos imaginando nossa Lúcia, com todo o seu jeitinho de ser, reagindo à cada situação. E é isso o que o torna ainda mais engraçado! Parabéns, garota!!
Solange

Lúcia Costa disse...

Ah,Tereza, é isso mesmo, minha amiga! Ter herdado o DNA de Mariinha é realmente o que me faz muito feliz! Ela era uma pessoa incrível e soube saborear a vida como ninguém.
Obrigada, Te.
Beijo enorme!

Lúcia Costa disse...

Oi, amiga!
Dos " causos" que tenho vivenciado, esse , sem dúvida nenhuma, supera com folga, todos os demais. Quando eu me lembro da cena na sacristia,chego a duvidar se aquilo aconteceu de verdade.
Sei que também tens vivências fantásticas. Como preciso constantemente de bons " causos" para transformar em crônicas, quem sabe podes me ceder alguns ? Sim,te darei o crédito aqui no blogue.rsrsrs
Adorei te encontrar por aqui. Venha sempre!
Beijão, queridona!

Anónimo disse...

Esse conto merece virar um curta- metragem.Cada um que escuta o desenrolar da história imagina os detalhes da cena de um modo.A sua marca está ali registrada: muito humor e desenvolvimento da crônica bem eficiente .Tudo muito bom. Adorei!
Mas agora vem a pergunta: É tudo verdade?
Anita

Lúcia Costa disse...

Sim, Anita, é tudo verdade...
Certamente eu não conseguiria criar uma situação tão absurda como essa que , de fato, me aconteceu. Tenho mais é que agradecer a sorte de viver coisas tão malucas e poder transforma- las em crônicas bem humoradas.
Muito bom e muito gratificante teu comentário.
Beijão, amiga!

Anónimo disse...

Depois da dupla JOVIAL/ GERTRUDES, não imaginei que a nossa cronista pudesse ir além. Que bobagem a minha! Com essa última, está claro que Lucia Senna sempre nos trará uma grata e surpreendente surpresa.
Parabéns!
João Martini

Anónimo disse...

Lucia, continuo aguardando seu comentário , pois são sempre interessantes e prazerosos.
Você esqueceu de mim ?
Gloriosos abraços

Lúcia Costa disse...

Boa noite, João Martini !
Peço desculpas por não ter conseguido enviar o comentário, mas na realidade estava ocorrendo falhas no sistema e a minha postagem não era publicada. Agradeço demais as tuas palavras sempre tão estimulantes e é claro que jamais poderia ter esquecido um leitor que já me acompanha desde outros carnavais rsrsrs
Realmente JOVIAL e GERTRUDES fizeram uma excelente dupla.Confesso que eu também me apaixonei por eles rsrsrs. Mas o show tem que prosseguir e a minha responsabilidade é grande diante de vocês , leitores amigos e sempre tão gentis...
Espero continuar podendo receber comentários super simpáticos , como esse que me fazes agora.
Grande e afetuoso abraço,

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