por LÚCIA SENNA | Escritora e
Cantora | Cronista do Mundo Botafogo
O sol
se despedia em uma mistura de tons alaranjados, naquele já distante janeiro de
2009. Missa de sétimo dia de Mariinha, minha mãe.
Desejava
que a cerimônia fosse parecida com ela: missa cantada, amigos e familiares
presentes, sermão emocionante, porém sem maiores delongas, expressão que
costumava usar, pois era apressada por natureza.
Planejei
tudo meticulosamente, numa tentativa de honrar a memória de Mariinha, com a
dignidade e o respeito que o momento exigia. No entanto, o que encontrei dentro
daquelas paredes sagradas foi muito distante do que havia imaginado.
Na pequena sacristia da igreja, antes do início da missa,
um padre baixo e robusto, ostentando um semblante mal humorado, sem um pingo de
sensibilidade no olhar, veio ao meu encontro. Diante dos meus pedidos para
participar da cerimônia de forma mais ativa, recebi uma série de NÃOs.
Mas, como assim?
Eu estava ali, com o coração encharcado de dor e saudade,
versos prontos para serem lidos e, incrédula, a deparar-me com um verdadeiro
muro de recusas vindo daquele ser que se dizia guia espiritual? E os NÃOs
vinham acompanhados de sorrisos lacônicos e inflexíveis, proferidos sem sequer dirigir-me
o olhar. Minha frustração era palpável.
A missa se desenrolava como eu já previa: sermão sem
graça, dito em voz baixa, sem nenhuma emoção e, portanto, sem fazer jus à
memória de Mariinha. Até o nome dela foi trocado em um deslize imperdoável. Suas
palavras, desprovidas de calor humano, ecoavam por toda igreja, deixando um
vazio que não condizia com o momento de despedida que esperava vivenciar.
Ao final da missa, a sacristia se tornou palco para o que
só posso descrever como uma verdadeira comédia divina. Ali, o confronto verbal
entre o agora “padreco” e eu, tomou proporções inesperadas. As palavras foram
trocadas com intensidade, como um vendaval que ameaçava arrastar as fundações
da fé que sustentavam aquele lugar sagrado.
O padre, tomado por uma ira súbita ao me ouvir dizer
impropérios sobre a sua conduta anticristã, agiu de maneira impulsiva, atirando
no chão o dinheiro que eu havia pago pela cerimônia religiosa. Naquele momento,
a frieza das moedas contrastava com a fervorosa devoção que inicialmente me
trouxera àquela igreja. O sacristão, um observador inquieto dessa tempestade de
emoções, decidiu intervir, numa tentativa de acalmar nossos ânimos pra lá de
exaltados.
As vestes do sacristão são dignas de nota, pela
peculiaridade das mesmas, parecendo no primeiro instante, ter esquecido o
manual de vestimenta eclesiástica: uma
enorme saia rodada e vermelha o envolvia, conferindo-lhe uma aparência que
lembrava mais uma baiana do que um membro do clero. Fazia um contraste curioso
com a solenidade do local.
Pois foi exatamente nessa bendita saia que eu,
atrapalhada como sempre, acabei por tropeçar, esborrachando-me no chão sagrado.
O sacristão, por sua vez, tentando tirar-me
da complicada situação, acabou também se enrolando por inteiro na própria
vestimenta e ficamos os dois sem ação, diante dos olhares repreensivos do
padre.
Vocês podem imaginar a cena?
Pois bem... O clima tenso foi interrompido por uma
gargalhada incontrolável do sacristão, que parecia se divertir com aquele lance
totalmente inusitado. "Ah, isso aqui nunca foi um desfile de moda, mas
você realmente deu um toque especial!", ele disse entre risos, enquanto me
ajudava a soltar-me da veste divina.
E, ali, naquela sacristia transformada em palco de
comédia, em meio a saias rodadas e olhares atônitos, certifiquei-me que, às
vezes, é o humor que nos mantém conectados com o divino. Era como se minha mãe,
querida por todos e amante do riso, estivesse ali, de alguma forma,
participando da celebração daquele momento especial.
Ficou claro que a fé não reside apenas nos rituais e nas vestes sagradas, mas na compaixão e no respeito que emanam de quem escolhe servir como guia espiritual.
31 comentários:
Só uma palavra para definir essa crônica: HILÁRIA!!!! rsrsrs
Minha prima, só você pra me fazer rir num dia escaldante como hoje!
Beijão,
Lourdes Coelho
Lucia querida, Estou rindo até agora da tua " patetice"...rsrs
E porque te conheço bem, sei que és perfeitamente capaz desses gestos tresloucados rsrs
Bjs da Letícia
" ...pois foi exatamente nessa bendita saia que eu , atrapalhada como sempre,acabei por tropeçar, esborrachando- me no chão sagrado"
Ah, LUCIA...não me diga mais nada ...rsrsrsrs
Seu fã há tempos,
EDSON
Lúcia, minha amiga do peito!
Não sabes como é bom ter uma amiga tão original assim. Não sei de ninguém que tenha se enrolado nas saias de um sacristão e despencado no " chão sagrado" (rsrsrs). Se alguém aqui no blog souber de situação semelhante, por favor me deixe saber rsrs
Abraço grandão do Guilherme!
A crônica é toda deliciosa, mas você tem toda razão quando diz que as vestes do sacristão são dignas de nota ( ca ca ca ca). Me escangalhei de tanto rir!!!!
Costa Neto
Lúcia Senna, teu nome já diz tudo : Lúcia é luz! E só poderia vir acompanhado do sobrenome SENNA. Claro, pois uma pessoa tão espirituosa assim, não pode sair de Senna. O trocadilho pode ser comum, mas a Lúcia é INCOMUM, e é isso que vale!!!
Parabéns mais uma vez !
Claudio d'Almeida
Oi, prima!
Hoje essa história passou a ser bem divertida.
Na ocasião do fato queria simplesmente estrangular o padreco...rsrsrs
Beijo, queridona !
Estás usando a palavra exata : PATETICE.
Obrigada por encontrar o termo exato para todos esses meus desatinos.rsrs
Beijocas,
Oi,Edson
Que prazer te encontrar novamente !
Fico mesmo muito feliz por esse reencontro.
Obrigada pelo retorno pois é gratificante demais ler comentários tão simpáticos, como este que agora me fazes...
Grande abraço!
Adorei teu comentário!
Espero que ninguém tenha vivenciado tal situação, pois há um certo charme de ter sido eu a única a tropeçar nas saias de um sacristão rsrsrsrs.
Abração, amigo!
O melhor de tudo é saber que você se escangalhou de tanto rir . Rsrsrs
Obrigada ,Costa Neto.
Grande abraço!
Outra crônica surpreendente: começa de uma forma quase poética, com o sol se despedindo em tons alaranjados, depois, fica tensa com os diversos NÃOs do padre e termina da forma mais engraçada e inusitada possível. QUE DELÍCIA!!!!
Lúcia Senna, você é uma pessoa muito especial e suas crônicas revelam essa mulher criativa e tão intensa na vida. Sei lá : Fantástica!!!!
Celso Rodrigues
Lúcia senna , você é um sucesso, menina!!!!
Joaquim alves
Bem... eu me envolvi tanto com a história que fiquei com muita vontade de também dizer uns desaforos para o " padreco". Amei o sacristão!!!! Uma figuraça!!!! Que bom que mais uma vez você do limão, fez uma refrescante e gostosa limonada. RSRSRS
Eta amiga bacana é você!!!!
CLARA
Oi,Claudio
Não há nada de comum no teu comentário.
Incomum é o elogio que fazes sobre o meu nome.
Não sei nem o que dizer...
Só me cabe agradecer por tanta gentileza.
Abraço enorme!
Nossa , Celso!
Não sei o que dizer diante de tantos elogios!
Estou muito sensibilizada com teu gentil comentário. Tão interessante esse teu olhar atento a ponto de perceber as fases da crônica: a poesia inicial, a tensão e o final surreal.
Obrigada pelo interesse demonstrado.
Abração,
Sou?????
Será??????
Hummmmmm...
Obrigada, Joaquim!Sucesso mesmo é ter leitores tão bacanas como você. O resto é conversa fiada...rsrsrs
Grande abraço!
A vida é essa,né Clara?
Fazer limonada dos limões foi uma das coisas legais que aprendi com Mariinha. Ela era mestre nisso !
Beijocas, querida!
Lucia, não posso sequer imaginar a cena...
Vai além da minha capacidade imaginativa ...rsrsrs
Oi, minha cronista favorita.
Mais um golaço!
No dia que eu voltar a jogar te quero no time. Topas?
Gloriosos abraços.
Bem, eu não posso negar que nem eu ,mesmo nas minhas mais loucas fantasias,poderia me imaginar dizendo impropérios para um padre e me enrolando na saia de um sacristão...
Portanto, meu caro anônimo, concordo totalmente contigo : uma cena inimaginável!!!! Rsrsrs
Vou arriscar que esse comentário é do GARRINCHA! Ah, só pode ser...
Estou topando fazer parte do seu time.
Que honra, será pra mim !!!!!
Abraço GLORIOS0!
Oi, querida
Eu, que conheci muito bem a tua mãe, tenho certeza que ela iria morrer de rir dessa situação. Ela era adorável. Alegre, divertida , bem humorada e muito espirituosa. Sorte tua de ser herdeira de um DNA tão bacana.
A crônica é divertidissima!!!!
Beijão, lindona!
Tereza
Lucia nos brinda com mais um de seus saborosos "causos" cheios de humor. À medida q o texto se desenrola, vamos imaginando nossa Lúcia, com todo o seu jeitinho de ser, reagindo à cada situação. E é isso o que o torna ainda mais engraçado! Parabéns, garota!!
Solange
Ah,Tereza, é isso mesmo, minha amiga! Ter herdado o DNA de Mariinha é realmente o que me faz muito feliz! Ela era uma pessoa incrível e soube saborear a vida como ninguém.
Obrigada, Te.
Beijo enorme!
Oi, amiga!
Dos " causos" que tenho vivenciado, esse , sem dúvida nenhuma, supera com folga, todos os demais. Quando eu me lembro da cena na sacristia,chego a duvidar se aquilo aconteceu de verdade.
Sei que também tens vivências fantásticas. Como preciso constantemente de bons " causos" para transformar em crônicas, quem sabe podes me ceder alguns ? Sim,te darei o crédito aqui no blogue.rsrsrs
Adorei te encontrar por aqui. Venha sempre!
Beijão, queridona!
Esse conto merece virar um curta- metragem.Cada um que escuta o desenrolar da história imagina os detalhes da cena de um modo.A sua marca está ali registrada: muito humor e desenvolvimento da crônica bem eficiente .Tudo muito bom. Adorei!
Mas agora vem a pergunta: É tudo verdade?
Anita
Sim, Anita, é tudo verdade...
Certamente eu não conseguiria criar uma situação tão absurda como essa que , de fato, me aconteceu. Tenho mais é que agradecer a sorte de viver coisas tão malucas e poder transforma- las em crônicas bem humoradas.
Muito bom e muito gratificante teu comentário.
Beijão, amiga!
Depois da dupla JOVIAL/ GERTRUDES, não imaginei que a nossa cronista pudesse ir além. Que bobagem a minha! Com essa última, está claro que Lucia Senna sempre nos trará uma grata e surpreendente surpresa.
Parabéns!
João Martini
Lucia, continuo aguardando seu comentário , pois são sempre interessantes e prazerosos.
Você esqueceu de mim ?
Gloriosos abraços
Boa noite, João Martini !
Peço desculpas por não ter conseguido enviar o comentário, mas na realidade estava ocorrendo falhas no sistema e a minha postagem não era publicada. Agradeço demais as tuas palavras sempre tão estimulantes e é claro que jamais poderia ter esquecido um leitor que já me acompanha desde outros carnavais rsrsrs
Realmente JOVIAL e GERTRUDES fizeram uma excelente dupla.Confesso que eu também me apaixonei por eles rsrsrs. Mas o show tem que prosseguir e a minha responsabilidade é grande diante de vocês , leitores amigos e sempre tão gentis...
Espero continuar podendo receber comentários super simpáticos , como esse que me fazes agora.
Grande e afetuoso abraço,
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