por
RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo | mundobotafogo@gmail.com
A imprensa
brasileira noticiou muito sobre os jogadores do Botafogo que atuaram pelo Club
Deportivo Popular Junior Fútbol Club (vulgarmente conhecido por ‘Junior
Barranquilla’ e designado anteriormente por Atlético Junior), a propósito do
jogo de ida da Copa Libertadores da América 2024, citando-se Heleno de Freitas,
Quarentinha e Garrincha.
Contudo, foram na
verdade quatro jogadores, sendo o 4º menos conhecido por ter encerrado a
carreira mais cedo devido a uma grave lesão, embora fosse um craque, de nível semelhante ou até superior a Jairzinho, segundo testemunhas oculares.
Certamente pode-se
até falar de um quinteto de botafoguenses, porque na verdade houve outro atleta
brasileiro que se iniciou profissionalmente no Unión Magdalena e depois no
Junior Barranquilla, tendo posteriormente saído do Junior para ingressar e despontar
verdadeiramente como craque no Botafogo de Futebol e Regatas.
HELENO DE FREITAS
Heleno
de Freitas (ao centro). Crédito: Atlético Junior de Barranquilla (antigo nome),
1950.
Heleno de Freitas
foi vendido ao Boca Juniors (1948) contra vontade de Carlito Rocha. À época o
presidente do Botafogo, assediado pelos argentinos para vender Heleno, Carlito
Rocha disse que só o levavam por 600 mil cruzeiros, convencido que jamais o
Boca Juniors tornaria Heleno na mais cara transferência do futebol
sul-americano. Porém, os argentinos avançaram com esse valor e Carlito Rocha
não teve outra
saída senão vender.
Porém, após 17 jogos
e 13 gols, regressou ao Brasil e ingressou no Vasco da Gama (1949), onde apesar
de ter marcado 13 gols em 17 jogos, acabou por discutir com o técnico Flávio
Costa, apontando-lhe um revólver sem balas, segundo algumas fontes, e cedido ao
Atlético Junior (de Barranquilla) em março de 1950, tendo sido cortado por
Flávio Costa para a Copa do Mundo de 1950 e, provavelmente, a sua ausência
valeu o título ao Uruguai na final da competição.
Heleno de Freitas,
personalidade fascinante que seduziu de Armando Nogueira a Nelson Rodrigues, de
Vinícius de Moraes a Gabriel García Márquez, jogou no Junior Barranquilla e
teve honras de craque pela pena de outro craque – mas da literatura –, Gabriel
García Márquez. Eis um excerto da crônica quando o escritor ainda era
jornalista:
«”Farei milagres”, declarou à imprensa, ao
dar-se conta de que o público queria exatamente isso. Que fizesse milagres. E,
segundo me contam alguns que estiveram nesse dia no Estádio Municipal, o que o
brasileiro fez foi uma milagrosa atuação. Praticamente, disseram, o dr. De
Freitas – que deve ser um bom advogado – redigiu nesta tarde, com os pés,
memoriais e sentenças judiciais não apenas em português e espanhol
alternadamente, mas também citações de Justiniano no mais puro latim clássico.»
Leia no Mundo
Botafogo o texto completo do maior escritor colombiano de todos os tempos,
clicando diretamente em:
Vale a pena ler,
também, o extraordinário acróstico dedicado ao escritor pelo poeta Sérgio
Sampaio, que escreveu no Mundo Botafogo até pouco antes do seu falecimento,
clicando diretamente em:
Marcos Eduardo Neves, autor da obra ‘Nunca houve um homem
como Heleno’, mencionou o contexto futebolístico sul-americano e o fascínio em
seu redor:
«Naquele tempo, era
uma Premier League. Um oásis. Heleno não estava bem, mas lotava os estádios e
fez Gabriel García Márquez ficar vidrado em sua personalidade, pis, formado em
Direito, tinha uma capacidade intelectual acima dos companheiros. Gabo escreveu
que Heleno era ovacionado e aplaudido no mesmo tom. As mulheres queriam vê-lo;
os homens, matá-lo. Levou uma vida promíscua. Saía cm a família, em seguida,
corria atrás de outras mulheres.»
GARRINCHA
Garrincha, 1º da esquerda para a direita (1968). Crédito: Rádio Caracol, 1968.
Sobre Garrincha,
bicampeão do mundo e maior driblador de todos os tempos, nem será necessária
qualquer apresentação, a não ser a razão pela qual jogou uma partida pelo
Junior de Barranquilla, em 1968.
Na suposta
biografia de Garrincha, publicada pelo flamenguista roxo Ruy Castro, o autor
atribui a ida de Garrincha à Bacia do Prata – citando a sua decadência física e
dependência alcoólica – a fim de buscar um clube que permitisse
“reposicionar-se no mercado”.
Jogou, então, uma
partida pelo Junior Barranquilla e, segundo o autor citado, na saída do estádio
a torcida queria agredi-lo. Porém, a versão realmente plausível é outra, e por
isso há que fugir a mil e um pés de distância da leitura do livro “Estrela
Solitária” que contém versões contrariadas por outros testemunhos da vida do craque,
tais como a influência ‘positiva’ de Elza Soares na carreira de Garrincha,
quando justamente o seu declínio e os problemas com o Botafogo começaram após o
início do romance, em 1962, ou quando se assume, depois do personagem morto,
que Garrincha era flamenguista em criança, quando há uma declaração do craque
em como torcia pelo Fluminense nesses primeiros anos de vida.
Adiante, porque
raivas ao Botafogo e a Garrincha há muitas desde final dos anos 50 e início dos
anos 60 do século passado… até aos nossos dias!
Na verdade,
Garrincha foi ter com Elza Soares durante uma excursão da cantora e foi
assediado para jogar uma partida de apresentação pelo Junior Barranquilla, e
como a grande paixão de Garrincha sempre foram o futebol e as mulheres, o
craque aceitou jogar uma única partida como, aliás, fez inúmeras vezes com
outros clubes de cidades por onde passava. Na véspera de falecer, Garrincha
ainda jogou uma pelada com amigos…
Leia no Mundo
Botafogo o texto que desmascara a biografia de Garrincha escrita à maneira de
um flamenguista clicando diretamente em:
Garrincha no Atletico Barranquilla da Colômbia
Nesta publicação
do Mundo Botafogo, os depoimentos de quem viveu esse jogo são claros e
inequívocos. Carlos ‘Papi’ Peña, zagueiro e lateral-esquerdo à época no Junior
Barranquilla (1966 e 1972), narra as circunstâncias do jogo em que Garrincha
atuou pelo Barranquilla:
«Ele veio para ver a Elza Soares, mas acabou
contratado. O brasileiro Marinho Rodrigues era o técnico, e intermediou a
negociação. Garrincha jogou apenas uma partida, nós perdemos, mas ele não teve
culpa. Jogou muito bem, deixou saudades, e foi embora logo depois. Para
mim foi uma grande satisfação estar com o Garrincha. Para mim foi uma honra
jogar a única partida que ele disputou com a nossa camisa. Ele foi um dos
destaques da partida, mas perdemos muitos gols.»
E no portal
www.kodromagazine.com conta-se o seguinte a dado passo do jogo:
«Un tiro libre de Garrincha acabó encontrando
a su compatriota Lima que superó la guardia del arquero Heriberto Solís a los 2
minutos de juego, ante la euforia desmesurada en las gradas. Sus constantes
centros milimétricos no fueron aprovechados por sus compañeros, cayendo
finalmente contra el Santa Fé por 2-3.»
«A falta cobrada por Garrincha acabou por
encontrar o seu compatriota Lima, que superou o goleiro Heriberto Solís logo
aos dois minutos de jogo, para euforia das bancadas. Os seus constantes
cruzamentos perfeitos não foram aproveitados pelos companheiros, que acabaram
por perder por 2-3 para o Santa Fé.»
QUARENTINHA
Quarentinha e Othon Valentim (os 1ºs da direita para a esquerda). Quinteto de ataque composto apenas por brasileiros: Da Cunha, Dida, Romeiro, Quarentinha e Othon Valentim. Crédito: Junior Fútbol Club, 1967.
Armando Nogueira, afamado jornalista botafoguense,
definiu assim Quarentinha:
«Tinha uma canhota o que, então, se chamava
um canhão. Chutava muito forte, principalmente bola parada. Era de meter medo.
Nos jogos Botafogo Santos, era ele, de um lado, o Pepe, do outro. Ai de quem
ficasse na barreira […] Quarentinha
jamais celebrou um gol, fosse dele ou de quem fosse. Disparava um morteiro, via
a rede estufar, dava as costas e se tornava ao centro do campo.»
Chegou a ser
questionado pelos torcedores do Botafogo por não comemorar os seus gols nem os
dos seus companheiros, mas Quarentinha alegava que não fazia mais do que a sua
obrigação ao marcar gols, já que era pago para isso.
Leia no Mundo Botafogo
as peripécias da carreira de Quarentinha, clicando diretamente em:
Saiu do Botafogo
justamente por ser sisudo. Num dia em que marcara três gols contra o America
pelo campeonato carioca, o artilheiro foi saudado por Brandão Filho com
tapinhas nas costas. Quarentinha não gostou, respondeu asperamente, o dirigente
também não gostou e exigiu retratação que não foi feita pelo craque, e logo em
seguida foi vendido para o Unión Magdalena (1965), onde marcou 40 gols. Popular
e prestigiado ingressou no Deportivo Cali (1966), mas não obteve o mesmo
sucesso e acabou seguindo para o Junior Barranquilla (1967) em busca de
redenção.
No Junior
realizou 35 partidas e anotou 12 gols. Rafael Casé, autor da obra ‘O artilheiro
que não sorria’, definiu assim a chegada ao Junior:
«Barranquilla o acolhe, e Quarentinha vive
muito bem na cidade. Ele joga em uma linha formada só com brasileiros: Pepe
Romero (ex-Palmeiras), Da Cunha (ex-Flamengo), Dida (ex-Flamengo) e Valentim
(ex-Botafogo). Dizem que foi o melhor ataque da história do futebol colombiano.
Quando, em dezembro de 1967, decide voltar ao Brasil, causa grande comoção e
surpresa. Na Colômbia ele não tinha que dividir o estrelato com tantos outros
jogadores.»
Apesar de
idolatrado, Quarentinha decidiu que educaria os seus filhos no Brasil, e
regressou à terra natal.
Foi o maior
goleador do Botafogo, com artilharia estimada entre 298 e 313 gols, e 442 jogos
pelo Clube. Pela Seleção Brasileira e por outros clubes, antes e depois do
Botafogo, marcou aproximadamente mais 200 gols, elevando para cerca de 500 gols
assinalados em toda a carreira.
OTHON VALENTIM
Othon
Valentim. Acervo do Club Deportivo Popular Junior / Divulgação.
Othon Valentim,
um craque menos conhecido nos tempos atuais, encerrou a carreira mais cedo devido
a terem-lhe arrebentado o joelho e prejudicado um percurso altamente promissor
na equipe principal do Glorioso e na Seleção Brasileira.
Othon foi uma
revelação da safra de Neca, tricampeão carioca juvenil em 1961/62/63 juntamente
com Jairzinho, Roberto Miranda, Arlindo, Canavieira, Mura e tantos outros
craques revelados pelo Glorioso. Jairzinho, Othon Valentim, Arlindo e Roberto
Miranda eram considerados as maiores revelações desse tricampeonato.
Em depoimento ao
Mundo Botafogo, o alvinegro Jesiel Ribeiro, que acompanhava os juvenis à época,
descreveu assim a equipe tricampeã:
«Estes juvenis constituíam um timaço e faziam
contra-ataques absolutamente ´mortais’. Em certos momentos davam corda ao
adversário, fingindo-se dominados. Na primeira chance, a bola nos pés de
Arlindo que esticava para Jairzinho, ou Othon, voando, um ou outro, pelo meio
dos zagueiros adversários e presenteando o sempre raçudo, rompedor e ‘matador’
Roberto que só tinha o trabalho de faturar.»
E acrescentou
sobre aqueles que eram considerados os maiores craques da equipe juvenil:
«Presenciei jogadas geniais de Jair, com
dribles pelo lado direito, a exemplo de Mané, e com uma explosão que deixava
atônitos os zagueiros adversários. Mas o melhor do time era o Othon Valentim.
Tinha um chute forte, era muito bom driblador e um artilheiro nato, fazendo sempre
muitos gols e servindo de garçom para os seus companheiros.»
Em 1963 Othon
Valentim sagrou-se campeão Pan-americano representando a Seleção Brasileira
juntamente com os seus companheiros botafoguenses Hélios Dias (goleiro),
Adevaldo (zagueiro), Zé Carlos (meio-campista), Jairzinho e Arlindo (atacantes),
além de Carlos Alberto Torres (zagueiro) e Aírton ‘Beleza’ (atacante) que mais
tarde também representariam o Botafogo.
Nesse
Pan-americano Aírton ‘Beleza’ e Othon Valentim foram os maiores artilheiros e ambos
faturaram gols em todos os jogos.
Todavia, já na
equipe principal, e sendo um dos maiores jogadores da sua época, Othon foi
sujeito a duas intervenções cirúrgicas ao joelho e nunca mais tornou a ser o
mesmo jogador em campo, tendo mais tarde pendurado as chuteiras com apenas 27
anos de idade, tal como relata Jesiel Ribeiro:
«Porém, um brucutu do Corinthians, após levar
um autêntico baile do garoto no Maraca, arrebentou-lhe o joelho e encerrou
precocemente a carreira promissora.»
Leia mais
pormenores no Mundo Botafogo sobre a carreira de Othon Valentim clicando
diretamente em:
Leia também no
Mundo Botafogo sobre a fabulosa equipe de juvenis (atualmente juniores, que
acabou por ser tetracampeã carioca em 1964 já com outras novas revelações) e o
trabalho que essa garotada dava a Nilton Santos durante os treinos, com depoimento
do próprio Enciclopédia, clicando diretamente em:
E finalmente
relembrar a foto acima referente a Quarentinha com aquele que foi considerado o
melhor quinteto de ataque do futebol colombiano, totalmente brasileiro: Da Cunha,
Dida, Romeiro, Quarentinha e Othon Valentim.
PC CAJU
Fantástico quinteto de Rogério, Gérson,
Roberto Miranda, Jairzinho e PC Caju, vindo do Junior FC para o Botafogo FR,
1967 | Divulgação.
Outro grande nome
na história do Botafogo, Paulo Cézar Caju, também campeão mundial, representou
o Brasil e o Botafogo na Copa do Mundo, em 1970, com os companheiros
botafoguenses Jairzinho e Roberto Miranda, além de Gérson, o ‘canhotinha de
ouro’, que saíra do Botafogo após seis anos de grande sucesso e ingressara no
São Paulo havia pouco tempo.
PC Caju poderá constituir
não o quarteto, mas talvez o quinteto de jogadores que representaram o Botafogo
e o Junior Barranquilla. Porém, PC Caju não foi do Botafogo para o Junior, fez
o percurso inverso, jogando no Junior Barranquilla, em 1966, quando ainda era um meninote.
Eis um excerto do seu depoimento ao ‘Museu da Pelada’:
«Eu nasci na Favela
dos Tabajaras, em Botafogo. Não conheci meu pai biológico, fui criado por Dona Esmeralda,
minha mãe. […] Eu sempre quis ser
jogador. […] Comecei a jogar futebol
de salão no Flamengo, aos 10 anos de idade, e foi aí que a vida começou a
mudar. […]
Havia um menino que jogava lá comigo chamado
Fred e a gente se identificou muito. Eu sempre ia a casa dele e numa dessas
idas ele sugeriu ao seu pai, o senhor Marinho Oliveira, treinador do Flamengo,
à época, que me adotasse. E foi o que ele fez.
E dos 10 aos 12 anos, comecei a viajar com
ele, pois ele era treinador e teve uma carreira respeitável no Equador e
Honduras, onde dirigiu a seleção local. Lembro que Dona Esmeralda, minha mãe,
entendeu que essa mudança seria o melhor para mim e fui morar com eles sem me
afastar dela.
Passamos a morar em Tegucigalpa, capital de
Honduras. Eu treinava com os jogadores hondurenhos que iam servir à seleção.
Isso foi por dois anos e meio. Aos 15 anos de idade, chegamos na Colômbia e
comecei a jogar profissionalmente, primeiro no Unión Magdalena, de Santa Marta,
cidade natal de Valderrama, e depois no Junior Barranquilla. Em minha estreia,
ao lado de Dida e Escurinho, vencemos o Millonarios por 5 a 2 e fiz três gols.»
Em 1967, com 17
anos de idade, o futuro craque regressou ao Brasil para os primeiros testes em
General Severiano e o resto foi o que se viu, um ponta esquerda brilhante e campeã
do mundo em 1970.
Leia a ficha
biográfica de PC Caju no Mundo Botafogo clicando diretamente em:
E foi assim que do trio mencionado pela mídia no jogo do
1º turno, deixou de ser um trio de jogadores que jogaram em ambos os clubes,
mas sim um quarteto e, no final, um quinteto de grandes atletas botafoguenses
que brilharam no Botafogo de Futebol e Regatas e no Club Deportivo Popular
Junior Fútbol Club.
Fontes principais: app.juniorfc.co; lcincocero.com;
ge.globo.com; mundobotafogo.blgspot.com;
www.kodromagazine.com; www.museudapelada.com; www.ole.com.ar; www.terra.com.br.