segunda-feira, 27 de maio de 2024

Botafoguenses e Junior FC de Barranquilla: um quinteto de craques, não um trio

por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo | mundobotafogo@gmail.com

A imprensa brasileira noticiou muito sobre os jogadores do Botafogo que atuaram pelo Club Deportivo Popular Junior Fútbol Club (vulgarmente conhecido por ‘Junior Barranquilla’ e designado anteriormente por Atlético Junior), a propósito do jogo de ida da Copa Libertadores da América 2024, citando-se Heleno de Freitas, Quarentinha e Garrincha.

Contudo, foram na verdade quatro jogadores, sendo o 4º menos conhecido por ter encerrado a carreira mais cedo devido a uma grave lesão, embora fosse um craque, de nível semelhante ou até superior a  Jairzinho, segundo testemunhas oculares.

Certamente pode-se até falar de um quinteto de botafoguenses, porque na verdade houve outro atleta brasileiro que se iniciou profissionalmente no Unión Magdalena e depois no Junior Barranquilla, tendo posteriormente saído do Junior para ingressar e despontar verdadeiramente como craque no Botafogo de Futebol e Regatas.

HELENO DE FREITAS

Heleno de Freitas (ao centro). Crédito: Atlético Junior de Barranquilla (antigo nome), 1950.

Heleno de Freitas foi vendido ao Boca Juniors (1948) contra vontade de Carlito Rocha. À época o presidente do Botafogo, assediado pelos argentinos para vender Heleno, Carlito Rocha disse que só o levavam por 600 mil cruzeiros, convencido que jamais o Boca Juniors tornaria Heleno na mais cara transferência do futebol sul-americano. Porém, os argentinos avançaram com esse valor e Carlito Rocha não teve outra
saída senão vender.

Porém, após 17 jogos e 13 gols, regressou ao Brasil e ingressou no Vasco da Gama (1949), onde apesar de ter marcado 13 gols em 17 jogos, acabou por discutir com o técnico Flávio Costa, apontando-lhe um revólver sem balas, segundo algumas fontes, e cedido ao Atlético Junior (de Barranquilla) em março de 1950, tendo sido cortado por Flávio Costa para a Copa do Mundo de 1950 e, provavelmente, a sua ausência valeu o título ao Uruguai na final da competição.

Heleno de Freitas, personalidade fascinante que seduziu de Armando Nogueira a Nelson Rodrigues, de Vinícius de Moraes a Gabriel García Márquez, jogou no Junior Barranquilla e teve honras de craque pela pena de outro craque – mas da literatura –, Gabriel García Márquez. Eis um excerto da crônica quando o escritor ainda era jornalista:

«”Farei milagres”, declarou à imprensa, ao dar-se conta de que o público queria exatamente isso. Que fizesse milagres. E, segundo me contam alguns que estiveram nesse dia no Estádio Municipal, o que o brasileiro fez foi uma milagrosa atuação. Praticamente, disseram, o dr. De Freitas – que deve ser um bom advogado – redigiu nesta tarde, com os pés, memoriais e sentenças judiciais não apenas em português e espanhol alternadamente, mas também citações de Justiniano no mais puro latim clássico.»

Leia no Mundo Botafogo o texto completo do maior escritor colombiano de todos os tempos, clicando diretamente em:

Gabriel García Márquez e 'o doutor De Freitas'

Vale a pena ler, também, o extraordinário acróstico dedicado ao escritor pelo poeta Sérgio Sampaio, que escreveu no Mundo Botafogo até pouco antes do seu falecimento, clicando diretamente em:

Acróstico a Gabriel García Márquez

Marcos Eduardo Neves, autor da obra ‘Nunca houve um homem como Heleno’, mencionou o contexto futebolístico sul-americano e o fascínio em seu redor:

«Naquele tempo, era uma Premier League. Um oásis. Heleno não estava bem, mas lotava os estádios e fez Gabriel García Márquez ficar vidrado em sua personalidade, pis, formado em Direito, tinha uma capacidade intelectual acima dos companheiros. Gabo escreveu que Heleno era ovacionado e aplaudido no mesmo tom. As mulheres queriam vê-lo; os homens, matá-lo. Levou uma vida promíscua. Saía cm a família, em seguida, corria atrás de outras mulheres

GARRINCHA

Garrincha, 1º da esquerda para a direita (1968). Crédito: Rádio Caracol, 1968.

Sobre Garrincha, bicampeão do mundo e maior driblador de todos os tempos, nem será necessária qualquer apresentação, a não ser a razão pela qual jogou uma partida pelo Junior de Barranquilla, em 1968.

Na suposta biografia de Garrincha, publicada pelo flamenguista roxo Ruy Castro, o autor atribui a ida de Garrincha à Bacia do Prata – citando a sua decadência física e dependência alcoólica – a fim de buscar um clube que permitisse “reposicionar-se no mercado”.

Jogou, então, uma partida pelo Junior Barranquilla e, segundo o autor citado, na saída do estádio a torcida queria agredi-lo. Porém, a versão realmente plausível é outra, e por isso há que fugir a mil e um pés de distância da leitura do livro “Estrela Solitária” que contém versões contrariadas por outros testemunhos da vida do craque, tais como a influência ‘positiva’ de Elza Soares na carreira de Garrincha, quando justamente o seu declínio e os problemas com o Botafogo começaram após o início do romance, em 1962, ou quando se assume, depois do personagem morto, que Garrincha era flamenguista em criança, quando há uma declaração do craque em como torcia pelo Fluminense nesses primeiros anos de vida.

Adiante, porque raivas ao Botafogo e a Garrincha há muitas desde final dos anos 50 e início dos anos 60 do século passado… até aos nossos dias!

Na verdade, Garrincha foi ter com Elza Soares durante uma excursão da cantora e foi assediado para jogar uma partida de apresentação pelo Junior Barranquilla, e como a grande paixão de Garrincha sempre foram o futebol e as mulheres, o craque aceitou jogar uma única partida como, aliás, fez inúmeras vezes com outros clubes de cidades por onde passava. Na véspera de falecer, Garrincha ainda jogou uma pelada com amigos…

Leia no Mundo Botafogo o texto que desmascara a biografia de Garrincha escrita à maneira de um flamenguista clicando diretamente em:

Garrincha no Atletico Barranquilla da Colômbia

Nesta publicação do Mundo Botafogo, os depoimentos de quem viveu esse jogo são claros e inequívocos. Carlos ‘Papi’ Peña, zagueiro e lateral-esquerdo à época no Junior Barranquilla (1966 e 1972), narra as circunstâncias do jogo em que Garrincha atuou pelo Barranquilla:

«Ele veio para ver a Elza Soares, mas acabou contratado. O brasileiro Marinho Rodrigues era o técnico, e intermediou a negociação. Garrincha jogou apenas uma partida, nós perdemos, mas ele não teve culpa. Jogou muito bem, deixou saudades, e foi embora logo depois. Para mim foi uma grande satisfação estar com o Garrincha. Para mim foi uma honra jogar a única partida que ele disputou com a nossa camisa. Ele foi um dos destaques da partida, mas perdemos muitos gols

E no portal www.kodromagazine.com conta-se o seguinte a dado passo do jogo:

«Un tiro libre de Garrincha acabó encontrando a su compatriota Lima que superó la guardia del arquero Heriberto Solís a los 2 minutos de juego, ante la euforia desmesurada en las gradas. Sus constantes centros milimétricos no fueron aprovechados por sus compañeros, cayendo finalmente contra el Santa Fé por 2-3

«A falta cobrada por Garrincha acabou por encontrar o seu compatriota Lima, que superou o goleiro Heriberto Solís logo aos dois minutos de jogo, para euforia das bancadas. Os seus constantes cruzamentos perfeitos não foram aproveitados pelos companheiros, que acabaram por perder por 2-3 para o Santa Fé

QUARENTINHA

Quarentinha e Othon Valentim (os 1ºs da direita para a esquerda). Quinteto de ataque composto apenas por brasileiros: Da Cunha, Dida, Romeiro, Quarentinha e Othon Valentim. Crédito: Junior Fútbol Club, 1967.

Armando Nogueira, afamado jornalista botafoguense, definiu assim Quarentinha:

«Tinha uma canhota o que, então, se chamava um canhão. Chutava muito forte, principalmente bola parada. Era de meter medo. Nos jogos Botafogo Santos, era ele, de um lado, o Pepe, do outro. Ai de quem ficasse na barreira […] Quarentinha jamais celebrou um gol, fosse dele ou de quem fosse. Disparava um morteiro, via a rede estufar, dava as costas e se tornava ao centro do campo

Chegou a ser questionado pelos torcedores do Botafogo por não comemorar os seus gols nem os dos seus companheiros, mas Quarentinha alegava que não fazia mais do que a sua obrigação ao marcar gols, já que era pago para isso.

Leia no Mundo Botafogo as peripécias da carreira de Quarentinha, clicando diretamente em:

Quarentinha: percurso alvo de equívoco técnico, contusão, farras e birra de cartola

Saiu do Botafogo justamente por ser sisudo. Num dia em que marcara três gols contra o America pelo campeonato carioca, o artilheiro foi saudado por Brandão Filho com tapinhas nas costas. Quarentinha não gostou, respondeu asperamente, o dirigente também não gostou e exigiu retratação que não foi feita pelo craque, e logo em seguida foi vendido para o Unión Magdalena (1965), onde marcou 40 gols. Popular e prestigiado ingressou no Deportivo Cali (1966), mas não obteve o mesmo sucesso e acabou seguindo para o Junior Barranquilla (1967) em busca de redenção.

No Junior realizou 35 partidas e anotou 12 gols. Rafael Casé, autor da obra ‘O artilheiro que não sorria’, definiu assim a chegada ao Junior:

«Barranquilla o acolhe, e Quarentinha vive muito bem na cidade. Ele joga em uma linha formada só com brasileiros: Pepe Romero (ex-Palmeiras), Da Cunha (ex-Flamengo), Dida (ex-Flamengo) e Valentim (ex-Botafogo). Dizem que foi o melhor ataque da história do futebol colombiano. Quando, em dezembro de 1967, decide voltar ao Brasil, causa grande comoção e surpresa. Na Colômbia ele não tinha que dividir o estrelato com tantos outros jogadores

Apesar de idolatrado, Quarentinha decidiu que educaria os seus filhos no Brasil, e regressou à terra natal.

Foi o maior goleador do Botafogo, com artilharia estimada entre 298 e 313 gols, e 442 jogos pelo Clube. Pela Seleção Brasileira e por outros clubes, antes e depois do Botafogo, marcou aproximadamente mais 200 gols, elevando para cerca de 500 gols assinalados em toda a carreira.

OTHON VALENTIM

Othon Valentim. Acervo do Club Deportivo Popular Junior / Divulgação.

Othon Valentim, um craque menos conhecido nos tempos atuais, encerrou a carreira mais cedo devido a terem-lhe arrebentado o joelho e prejudicado um percurso altamente promissor na equipe principal do Glorioso e na Seleção Brasileira.

Othon foi uma revelação da safra de Neca, tricampeão carioca juvenil em 1961/62/63 juntamente com Jairzinho, Roberto Miranda, Arlindo, Canavieira, Mura e tantos outros craques revelados pelo Glorioso. Jairzinho, Othon Valentim, Arlindo e Roberto Miranda eram considerados as maiores revelações desse tricampeonato.

Em depoimento ao Mundo Botafogo, o alvinegro Jesiel Ribeiro, que acompanhava os juvenis à época, descreveu assim a equipe tricampeã:

«Estes juvenis constituíam um timaço e faziam contra-ataques absolutamente ´mortais’. Em certos momentos davam corda ao adversário, fingindo-se dominados. Na primeira chance, a bola nos pés de Arlindo que esticava para Jairzinho, ou Othon, voando, um ou outro, pelo meio dos zagueiros adversários e presenteando o sempre raçudo, rompedor e ‘matador’ Roberto que só tinha o trabalho de faturar

E acrescentou sobre aqueles que eram considerados os maiores craques da equipe juvenil:

«Presenciei jogadas geniais de Jair, com dribles pelo lado direito, a exemplo de Mané, e com uma explosão que deixava atônitos os zagueiros adversários. Mas o melhor do time era o Othon Valentim. Tinha um chute forte, era muito bom driblador e um artilheiro nato, fazendo sempre muitos gols e servindo de garçom para os seus companheiros

Em 1963 Othon Valentim sagrou-se campeão Pan-americano representando a Seleção Brasileira juntamente com os seus companheiros botafoguenses Hélios Dias (goleiro), Adevaldo (zagueiro), Zé Carlos (meio-campista), Jairzinho e Arlindo (atacantes), além de Carlos Alberto Torres (zagueiro) e Aírton ‘Beleza’ (atacante) que mais tarde também representariam o Botafogo.

Nesse Pan-americano Aírton ‘Beleza’ e Othon Valentim foram os maiores artilheiros e ambos faturaram gols em todos os jogos.

Todavia, já na equipe principal, e sendo um dos maiores jogadores da sua época, Othon foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas ao joelho e nunca mais tornou a ser o mesmo jogador em campo, tendo mais tarde pendurado as chuteiras com apenas 27 anos de idade, tal como relata Jesiel Ribeiro:

«Porém, um brucutu do Corinthians, após levar um autêntico baile do garoto no Maraca, arrebentou-lhe o joelho e encerrou precocemente a carreira promissora

Leia mais pormenores no Mundo Botafogo sobre a carreira de Othon Valentim clicando diretamente em:

Othon Valentim: uma promessa por cumprir

Leia também no Mundo Botafogo sobre a fabulosa equipe de juvenis (atualmente juniores, que acabou por ser tetracampeã carioca em 1964 já com outras novas revelações) e o trabalho que essa garotada dava a Nilton Santos durante os treinos, com depoimento do próprio Enciclopédia, clicando diretamente em:

O mestre e a garotada

E finalmente relembrar a foto acima referente a Quarentinha com aquele que foi considerado o melhor quinteto de ataque do futebol colombiano, totalmente brasileiro: Da Cunha, Dida, Romeiro, Quarentinha e Othon Valentim.

PC CAJU

 Fantástico quinteto de Rogério, Gérson, Roberto Miranda, Jairzinho e PC Caju, vindo do Junior FC para o Botafogo FR, 1967 | Divulgação.

Outro grande nome na história do Botafogo, Paulo Cézar Caju, também campeão mundial, representou o Brasil e o Botafogo na Copa do Mundo, em 1970, com os companheiros botafoguenses Jairzinho e Roberto Miranda, além de Gérson, o ‘canhotinha de ouro’, que saíra do Botafogo após seis anos de grande sucesso e ingressara no São Paulo havia pouco tempo.

PC Caju poderá constituir não o quarteto, mas talvez o quinteto de jogadores que representaram o Botafogo e o Junior Barranquilla. Porém, PC Caju não foi do Botafogo para o Junior, fez o percurso inverso, jogando no Junior Barranquilla, em 1966, quando ainda era um meninote.

Eis um excerto do seu depoimento ao ‘Museu da Pelada’:

«Eu nasci na Favela dos Tabajaras, em Botafogo. Não conheci meu pai biológico, fui criado por Dona Esmeralda, minha mãe. […] Eu sempre quis ser jogador. […] Comecei a jogar futebol de salão no Flamengo, aos 10 anos de idade, e foi aí que a vida começou a mudar. […]

Havia um menino que jogava lá comigo chamado Fred e a gente se identificou muito. Eu sempre ia a casa dele e numa dessas idas ele sugeriu ao seu pai, o senhor Marinho Oliveira, treinador do Flamengo, à época, que me adotasse. E foi o que ele fez.

E dos 10 aos 12 anos, comecei a viajar com ele, pois ele era treinador e teve uma carreira respeitável no Equador e Honduras, onde dirigiu a seleção local. Lembro que Dona Esmeralda, minha mãe, entendeu que essa mudança seria o melhor para mim e fui morar com eles sem me afastar dela.

Passamos a morar em Tegucigalpa, capital de Honduras. Eu treinava com os jogadores hondurenhos que iam servir à seleção. Isso foi por dois anos e meio. Aos 15 anos de idade, chegamos na Colômbia e comecei a jogar profissionalmente, primeiro no Unión Magdalena, de Santa Marta, cidade natal de Valderrama, e depois no Junior Barranquilla. Em minha estreia, ao lado de Dida e Escurinho, vencemos o Millonarios por 5 a 2 e fiz três gols

 Em 1967, com 17 anos de idade, o futuro craque regressou ao Brasil para os primeiros testes em General Severiano e o resto foi o que se viu, um ponta esquerda brilhante e campeã do mundo em 1970.

Leia a ficha biográfica de PC Caju no Mundo Botafogo clicando diretamente em:

Paulo Cézar ‘Caju’: desfilando elegância 

E foi assim que do trio mencionado pela mídia no jogo do 1º turno, deixou de ser um trio de jogadores que jogaram em ambos os clubes, mas sim um quarteto e, no final, um quinteto de grandes atletas botafoguenses que brilharam no Botafogo de Futebol e Regatas e no Club Deportivo Popular Junior Fútbol Club.

Fontes principais: app.juniorfc.co; lcincocero.com; ge.globo.com; mundobotafogo.blgspot.com; www.kodromagazine.com; www.museudapelada.com; www.ole.com.ar; www.terra.com.br.

4 comentários:

jornal da grande natal disse...

Só faltou citar o "desconhecido" potiguar Demostenes César da Silva, indicado ao Glorioso pelo dirigente e torcedor, o baiano, jornalista e político Joel Presidio. (Rsrs)

Ruy Moura disse...

Mas Demósthenes jogou pelo Junior FC, Vanilson?...
Abraços Gloriosos.

jornal da grande natal disse...

Enviei um e-mail com um texto e uma foto de Demostenes e Marinho Rodrigues no Junior de Barranquila!

Ruy Moura disse...

Obrigado, Vanilson. Vai ser publicado hoje às 12:00 de Brasília.
Abraços Gloriosos.

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