quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Ainda a questão 'racismo' no futebol carioca


por Fernando Lôpo*

Caro Rui Moura, estava lendo a excelente biografia "Nunca Houve um Homem como Heleno", que para mim fecha o ciclo das três biografias que dariam os três melhores cinebiografias que o cinema pode ver sobre futebol, nessa ordem: Garrincha, João Saldanha e Heleno de Freitas. Em dado momento, na página 164, há o trecho: "Em 1925, como diretor de futebol do Botafogo, usou de sua influência para reintegrar o Vasco na liga de futebol". Isso me chamou a atenção, pois não fora a primeira que li isso, do Botafogo trazer de volta o Vasco. Já havia lido numa série de revistas especiais que o Lance fez sobre cada clube há vários anos atrás.

O assunto racismo sempre é tratado como grande página do Vasco, mas eu também já havia lido sempre de passagem que, na verdade, havia essa questão do profissionalismo. Mesmo porque ora os vascaínos dizem que foram expulsos da Liga por terem negros e ora porque não tinham estádio. Na verdade, não foram ‘expulsos’, mas sim não aceitos numa nova Liga, que fora criada segundo o ditado popular "os incomodados que se mudem". De fato, os incomodados se mudaram.

Procurando, achei seu artigo [Bangu e Botafogo: pioneiros anti-racismo] e o do Pelenet, sendo que o do Pelenet é na página sobre a história do Vasco em que ‘escorregam’ e contam a história da disputa amadorismo versus profissionalismo. Você já abordou que se de fato o problema fosse racismo, o Vasco sequer teria disputado sua primeira competição e jamais seria readmitido um ano depois. E aí vão algumas coisas interessantes:

1) O Vasco é um clube de colônia, e de uma colônia fortíssima no Rio, mais ainda naquele Rio do início do século XX, com dinheiro e capacidade de mobilização. Sinceramente, alguém imagina que, em 1920, aqueles portugueses que comandavam o Vasco adoravam os negrinhos e queriam lutar pelos direitos deles? Aqueles mesmos negrinhos que há menos de quatro décadas seus pais e avós escravizavam, senão eles próprios, dependendo da idade. Ou alguém acha que um português naquela época deixaria sua filha branca namorar um negro? E aqui a crítica não é contra os portugueses, mas à elite em geral, mais representada nos portugueses por serem uma colônia mais forte e com boa condição financeira. Era uma cultura que foi aos poucos mudando, felizmente.

2) A alegação de ser expulso "porque não tinha estádio". Como você próprio mostrou, a questão era o campo da Moraes e Silva ser horroroso, tanto que o Vasco foi readmitido ainda sem sequer iniciar a construção de São Januário. Voltou jogando no campo do Andaraí, que depois seria do América.

3) Outra coisa que sempre me chamou a atenção foi o fato do Botafogo ter bancado o Vasco e, anos depois no novo racha, o Vasco ter ficado contra o Botafogo, quando então mais uma vez a luta era amadorismo versus profissionalismo, numa briga em que claramente, cedo ou tarde, este último venceria. Mas o Botafogo demorou muito a se tornar realmente profissional, o que pode ter atrasado a vida do clube. Mas vale refletir o que aconteceria com o Vasco se passasse mais tempo só jogando campeonato com times pequenos. Corria risco até de deixar de disputar o futebol ou se apequenar.

4) Ao contrário do que dizem, o Vasco nunca foi um clube pobre. Ao contrário, a colônia tinha recursos, seja em indivíduos ricos ou em inúmeros comerciantes com capacidade de colaborar. Ao lado da capacidade de mobilização, resultou na construção do estádio e na capacidade de contratar jogadores, visto que o Expresso da Vitória era quase todo contratado de fora.

5) Posso estar enganado, e não estudei tão a fundo o complexo assunto, mas me parece que se houvesse algum clube a comandar uma eventual luta contra o racismo, provavelmente esse clube seria do subúrbio, pois teriam maior tendência a se abastecer de pessoas pobres para seus quadros. E como hoje ainda existe esse abismo sócio-racial, é claro que nessa camada de pessoas pobres a predominância seria de negros. Dificilmente isso viria dos clubes da zona Sul, tais como Botafogo, Flamengo e Fluminense, mas também nem do Vasco e do América, em que um é de colônia de brancos e outro da Tijuca, que não é um subúrbio.

6) O Vasco deveria se orgulhar, sim, de ter dirigentes que foram visionários ao adotar o profissionalismo precocemente, da maneira que então dava para ser feito, e por apostar em um grande estádio. Isso não é pouca coisa, é para se orgulhar mesmo.

Tijuca, 2 de Dezembro de 2008

* Os comentários de Fernando Lôpo não pretendem, citando as suas palavras, “negar a existência de racismo, que de uma forma ou de outra ainda existe no Brasil, e certamente existia ainda mais nos anos 1920”, nem exprimir nenhuma posição clubista, tal como também não foi a pretensão do artigo "Bangu e Botafogo: pioneiros anti-racismo", de pesquisa científica com fontes idôneas, que elaborei e publiquei neste blogue. É sabido que a história é escrita pelos vencedores e não pelos vencidos; que as versões predominantes são as dos mais fortes e dos mais influentes. A história do mundo está recheada disso mesmo. O debate sobre o racismo no futebol carioca pretende ser apenas isto: um debate em favor do 'real'. Mas um debate sério com uso da razão e não apenas de simplórias emoções clubistas e subjugadas ao ‘discurso oficial’. Esta nota vem a propósito de Fernando Lôpo ter sido mal interpretado noutro local de debate da Internet. Pessoalmente tenho todo o respeito pelo Vasco da Gama, que é o clube da minha família portuguesa. [É claro que, por ser o mais velho dos primos, tive alguma influência na minha família brasileira com o meu botafoguismo, e por isso é toda composta por torcedores d’O Glorioso – os primos, as mulheres dos primos e os filhos dos primos]

2 comentários:

Vinícius Barros disse...

Conheço(virtualmente) o Fernando Lôpo e ele é de uma notável inteligência, visto que acompanha o Botafogo desde os anos dourados do Glorioso!

Parabéns Fernando!

Saudações Alvinegras!

Ruy Moura disse...

Botafogo e inteligência é sinónimo.. rsrsrs...

Abraço, Vinícius!

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