quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Perez Pereyra, um botafoguense



por Eduardo Zobaran
de PUERTO QUIJARRO, Bolívia

Perez Pereyra é o típico sujeito boa praça, mas para ser franco minha primeira impressão do camarada era que tava tentando dar um golpe pra cima de mim. E, você sabe, pra cima de mim não, cumpadi!

O conheci cerca de uma hora antes de embarcar no Trem da Morte. Sim, o tradicional trem que parte de Puerto Quijarro – cidade boliviana distante quinze minutos de Corumbá, no Brasil – e vai até Santa Cruz de la Sierra, a cidade dos negócios na Bolívia, dos que querem autonomia e, também, dos que não querem ver o Evo Morales nem fantasiado de operador de bolsa de valores. Mas, voltando ao assunto original, conheci Perez ali, meio que tentando matar um tempo com meu mais novo casal de amigos, ele, um turismólogo recém-formado nascido no interior do Paraná, São Paulo ou Mato Grosso do Sul (essa é a famosa precisão jornalística), e ela, alguma coisa que eu não lembro e neozelandesa. Por sinal, belo casal e ótima companhia.

O horário era mais ou menos nove e meia da manhã. Havíamos atravessado a fronteira há pouco, onde nos conhecemos, e de lá rachamos um táxi. Compramos as passagens do trem, que sairia dentro de quatro horas e trocamos alguns reales por bolivianos, o faz-me-rir local. Depois, muito tempo a gastar. Cerveza, então pensei e a ideia logo foi acatada pelo amigo brasileiro. O detalhe da hora, no entanto, não ajudava. Ainda que estivesse uns 36 graus da porra, numa secura da disgrama e uma poeirada do carajo, que subia a cada carro que atravessava a rua de terra, ninguém ali parecia estar num barzinho tomando uma juco de cevadis. Na verdade, não tinha nenhum estabelecimento com carinha de boteco nas redondezas. Foi então que surgiu a figuraça citada logo no primeiro parágrafo desse texto, o lendário Perez Pereyra.

E, antes que você se questione, vos digo. Sim, ele é boliviano e, sim, ao perguntar seu nome ele resolver dizer o nome completo. No início achei que era uma coisa pessoal, afinal, a combinação de nomes é de dar inveja para qualquer dupla sertaneja – que, por sinal, fazem muito sucesso em Santa Cruz. Mais tarde, no entanto, perceberia que essa é uma característica de bolivianos lá nos seus quarenta e tantos anos. Dizem o nome e o sobrenome e humildemente se fazem mais respeitados por isso. Gostei pra valer disso.

Pois Perez logo percebeu que buscávamos algo e, solícito, veio ao nosso encontro nos ofertar mercadorias, produtos e serviços de qualquer estabelecimento existente na região. Estaria o moço sendo simpático conosco ou teria ele farejado carne fresca com dinheiro valorizado (R$ 1 = B$ 3,70) marcando bobeira no pedaço. A primeira reação de um carioca, é claro, imaginar que o cidadão está prestes a dar uma banda de frente e, se der mole, quebrar quatro dentes e cinco costelas. Mesmo assim, do alto da petulância daqueles que tem uma moeda mais forte, emendei: “Amigo, una cerveza…helada…donde se compra acá?”

Perez apontou para o relógio e sorriu. Sim, ainda estava temprano, mas a viagem seria longa – mais tarde descobriríamos, 20 horas – e o melhor remédio, depois de Dramin, é uma cerveja gelada para te deixar legal e dormente como um cachorro vira-lata de cidade quente do interior. Além disso, com tanto tempo para gastar e pouco o que conhecer, ampliar meus conhecimentos etílicos-bolivarianos parecia ser o melhor a fazer.

“Amigo…Paceña, Pico de Plata”, disse Perez, apontando para o frigorífico de um mercadinho que parecia resfriar carnes, mas na verdade guardava quantidades respeitáveis da melhor amiga do homem, a cerveja. Assim fui apresentado para aquela que seria a minha companheira de viagem, a Paceña Pico de Plata. Na Bolívia, ainda a trairia com outras engarrafadas pela mesma companhia cervejeira, como a Pico de Oro e a Huari (a melhor), e também a Autêntica e a Potosí, só para as mencionar as não foram borradas pela fraca memória jornalística.

Perez sacou três botellas, colocou em nossas mão, nos mostrou que para abrir basta girar a tampinha e abriu um sorriso bonachão. Nos disse também quanto pagar e, por isso, imaginamos na hora que tratava-se de uma compra superfaturada. Quebramos a cara quando, mais tarde, fomos comprar a mesma cerveja e pagamos um boliviano a mais.

“Muy buena”, sentenciei, com um leve sotaque de morro carioca. Aquele silêncio constrangedor que se sobrepôs ao superficial comentário deveria ser interrompido e não pensei duas vezes, lancei a clássica pergunta. “Entonces, qual és su equipo?”, mandei, antes de explicar que me referia ao querido fútbol. A resposta, no entanto, não chegou, mas sim uma pergunta. “Aqui ou no Brasil?”, indagou surpreendentemente. “Tu…tu…tu tienes uma equipo en Brasil?”, retruquei e fui prontamente respondido com uma ingrata palavra: “Corinthians”. Mas lá na Bolívia, completou, torce para o Bolívar, o mais popular do país.

Puembas, como assim o cara é Corinthians? “Yo soy Botafogo…Bo…ta…fuego…Conoces?” Claro, me respondeu. “Negro y blanco, como Ponte Preta”. Meu deus do céu. Agora o cara tá gastando com a minha cara. Deve ser um desses malandros do Impedimento que moram nesses países aí que só o Eduardo Galeano se amarra, pensei. “No, no…sí, sí, es negro y blanco, mas rajado así, así (gesticulosamente mostrando as faixas verticais). Ponte Preta es equipo chiquitita. Botafogo… muy grande, gigante (leia-se, rigante), de Garrincha, más grande de todos, mejor que Pelé y Maradona”, expliquei.

Minha moral estava lá com os vira-latas após tanta humilhação. Estávamos sendo comparados à Ponte, que, com todo o respeito que reservo à Macaca, é o time que nunca ganhou um título. Mas eis que o homem desanda a falar. Sim, ele conhecia muito bem o Botafogo, é claro. Sobre o Garrincha… descreveu perfeitamente a curvatura das pernas do Mané e ainda me disse que se eu continuasse bebendo tão cedo acabaria como o famoso jogador. Nunca um puxão de orelha para minhas recaídas etílicas foi tão bem recebido. Nunca havia sido comparado com Garrincha. Que honra!

Papo vai, papo vem, lembro da minha camisa no mochilão, que estrategicamente foi posicionada próximo ao zíper lateral da guerreira para que eu pudesse pegar a indumentária em um momento de emergência, exatamente como aquele. “Mira…Botafogo”, apresentei. Perez não parecia menos feliz. Nesse momento sua alegria era tamanha que eu já começava a me preocupar. Será que ele achava que trata-se de um regalo? De um presente? Tratei de pegar a camisa de volta, mas não sem antes lhe pedir uma foto.

Perez nem pestanejou, ao invés de posar com a camisa na mão, vestiu a camisa do seu mais novo time no Brasil.

Fonte: http://yougol.wordpress.com/2009/11/25/perez-pereyra-um-botafoguense/

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