Primeira Fila, coluna de Mário Filho publicada n’ O Globo de 12.08.1942, no 38º aniversário do Botafogo Football Club.
O campo das Palmeiras - Quando a bola caía na rua os jogadores torciam para que um burro desse um shoot.
6. Não se escolhera à toa o campo das três filas de palmeiras. A palmeira do centro servia de baliza. E como o espaço entre a palmeira do centro e a da calçada, junto da rua, parecia exageradamente largo para os keepers, botava-se uma pedra de paralelepípedo a sete passos do tronco. Só se sabia ao certo que um pulo sem fazer a defesa para que gritasse logo: “Foi alto! Não valeu!” Agora o velho Hime podia assistir tranquilamente as partidas de football. Achando graça nas correrias atrás de uma bola. O velho Hime ficava sério toda vez que se quebrava uma vidraça. Voltando a sorrir depois por dois motivos. Um deles sendo as pedras espalhadas bem defronte. E o outro o cuidado de Flávio Ramos em avisar a quem primeiro aparecia para protestar que “eles” pagariam tudo. O que o velho Hime não podia suportar era a cena que se seguia a toda bola na rua. Lá vinha um bonde de burros. Desenfreado. “Um dia pode suceder um desastre” – pensava o velho Hime. Ele não sabia qual era o mais louco: o condutor do bonde com aquela mania de velocidade ou o rapaz que atravessava a rua “feito um louco” para pegar a bola. Os que ficavam na beira da calçada torciam para que um burro da parelha shootasse a bola. “Shoote, burro, shoota”. Se o burro metesse a pata a bola (… parte inelegível…). Não teria sido preciso outra subscrição.
Em uma conversa de bonde entre Flávio Ramos e Emanuel nasceu a idéia do Botafogo.
7. Flávio Ramos e Emanuel Sodré tomaram o bonde no poste da rua Conde de Irajá. Era e manhã cedo e eles iam para o colégio. Flávio Ramos passou o braço por cima do espaldar do banco e curvou-se um pouco. “Você não acha - perguntou ele a Emanuel Sodré – que a gente devia pensar em fundar um clube?”. Emanuel Sodré ficou quieto um instante. Depois respondeu: “Com que sócios?” “Ora, temos eu, você, o Lauro, o Tutú (Tutu era Arthur César), os irmãos Werneck, Octávio e Álvaro, o Jacques Raymundo, o Vicente, o Zingo. (Augusto Fontenelle), o Lourival Costa…”. “E aí você para”. “O resto se arranja com o tempo”. E novamente se abriu uma pausa. Parecia que Emanuel Sodré tinha que tomar uma decisão séria. Ele assumira um ar grave. E foi com a voz grossa – a mais grossa que quinze anos de idade podiam comportar – que ele disse: “Então, vamos”. Emanuel Sodré cruzou as pernas. Recostou-se no banco. Flávio Ramos também. Eles se sentiam mais homens. Iam fundar um clube. Alberto Vieira, professor de Aritmética do Colégio Alfredo Gomes, estranhou a atitude dos dois. “Quê é que vocês têm, meninos?” Flávio Ramos corou. Como se tivesse sido apanhado em flagrante. Durante toda a aula ele estivera um plano para o clube. Quando Alberto Vieira prosseguiu a lição ele, rápido, passou o maço de papel, todo garatujado, por baixo do banco, e fez um sinal para Emanuel Sodré. Emanuel Sodré recebeu o “projeto de um clube”e entregou outro “projeto de um clube” a Flávio Ramos.
Fonte: Blogue Arquiba Botafogo, de Paulo Marcelo Sampaio.
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