Primeira Fila, coluna de Mário Filho publicada n’ O Globo de 12.08.1942, no 38º aniversário do Botafogo Football Club.
O largo dos Leões vivia uma vida calma, de dó-ré-mi-fá-sol antes do football. Depois não houve vidraça que chegasse.
4. Quem hoje passar pelo largo dos Leões pode ter uma visão mais ou menos fiel, do primeiro campo do Botafogo, o campo das palmeiras, como era chamado. Muitas casas foram abaixo. Abriram-se ruas. As palmeiras, porém, ainda se erguem, como se erguiam há trinta e oito anos. Em 4 havia uma casa em ruínas, bem na esquina da rua Humaitá. A seguir, para dentro do largo dos Leões, vinha a de Máximo Pereira. Depois a de Luciana Gari. E a de D. Francisca Teixeira de Oliveira - D. Chiquitota - avó de Flávio Ramos, e a dos Muller, e a dos Tavares. O olhar alongava-se. Distinguindo a fachada da casa de Octaviano Figueiredo. Alfredo Figueiredo morava pegado. E, com ele, o José, o Aurélio, o Chico, o Renato. Fechando o largo, viam-se as casas dos Barroso, a dos Moniz Freire, a dos Hime e, para a esquina de São Clemente, a casa dos Chaves. As janelas ficavam fechadas quase todo o dia. De manhã, escutava-se um dó-ré-mi-fá-sol de um piano qualquer. O largo dos Leões parecia dormir. Nada perturbava-lhe o sossego de sesta. A não ser o grito dos vendedores de laranja seléééta. O pregão dos vassoureiros. O football, porém, despertou-o. Com o barulho das vidraças partidas.
O velho Edwin Hime defendeu as vidraças das casa dele mandando espalhar pedras por entre as palmeiras.
5. Flávio Ramos e os Sodré experimentaram uma surpresa. Descobrindo que Álvaro Werneck, Mario Figueiredo e Basílio Vianna já tinham aprendido um tostão de football no Colégio Aílio. Que, no Pedro II, Octávio Werneck, Arthur César de Andrade, Vicente Licínio Cardoso e Jacques Raymundo também andaram dando uns shoots. Que Augusto Paranhos Fontenelle e Eliseo Guilherme do Colégio Militar conheciam as regras do ‘association’. Quando Flávio Ramos e os Sodré, com um jeito misterioso, começaram a descrever o football, eles foram logo perguntando que ia ensinar o Padre Nosso ao vigário. Assim, foi mais fácil que do que pensava organizar teams de par ou ímpar. Apareceu uma bola de pelica, com costura pelo lado de fora. Dava gosto vê-la. Porque a bola de pelica tinhas uns cinco ou seis gomos de cores diferentes: vermelho, azul, amarelo, verde, roxo, branco… O velho Edwin Hime abriu, uma tarde, a janela e ficou olhando. Lá para o fundo do largo havia três fileiras de palmeiras. O campo dividia-se em dois corredores, De quando em quando, um jogador tinha que “driblar” o tronco de uma palmeira. Os troncos, porém, tinham a vantagem de servir de tabela. A bola batia neles e voltava. E o velho Edwin Hime afagou a barba. Matutando. Sem compreender bem porquê “os rapazes não haviam escolhido o campo defronte à casa dele. Aquo seria melhor”. O velho Hime corrigiu: “Melhor para eles.” Sim. Defronte à casa dos Hime levantavam-se apenas duas filas de palmeiras. O centro ficava livre, amplo. “Eles acabarão percebendo isso E não demorará muito que me quebrem as vidraças”. No dia seguinte veio uma carroça. E toca a despejar pedras. Só então Flávio Ramos e os Sodré compreenderam que deviam ter principiado a jogar “ali”.
Fonte: Blogue Arquiba Botafogo, de Paulo Marcelo Sampaio.
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