Primeira Fila, coluna de Mário Filho publicada n’ O Globo de 12.08.1942, no 38º aniversário do Botafogo Football Club.
Como nasceu o Botafogo. Emanuel Sodré surpreendeu Flávio Ramos com a pergunta que ele não soubera responder: “Como pode ser o tal football”.
1. Às quatro horas da tarde batia a sineta de saída do Colégio Alfredo Gomes. Os Antunes, Almir, Alair e Acioli; os Borgherth, Chico Loup, Gustavo de Carvalho, Eduardo Guerra e Raul Maranhão seguiam pela rua das Laranjeiras acima. Chegando à rua Guanabara, eles dobravam a esquina. E dentro em pouco estavam atrás das barras de goal do campo do Fluminense. Como gandulas. Havia outros com vontade de tirar um selo da bola. De pés descalços. Sujos. Eram os moleques do Retiro da Guanabara. Os gandulas do Colégio Alfredo Gomes tinham certas regalias. Podiam dar um shoot. Por serem de “família”. Enquanto isso, os irmãos Sodré, Emanuel, Lauro e Mimi - Mimi ainda usava calças curtas - e Flávio Ramos, desciam pela ruas das Laranjeiras. Às vezes Emanuel Sodré e Flávio Ramos ficavam no largo do Machado. Para “uma” em cem pontos no Lamas. “Uma” querendo dizer partida de bilhar. Lauro Sodré e Mimi aproveitavam o tempo dando um salto até o Confeitaria Francesa. E lá saboreavam deliciosas empadinhas e “eclairs”, lambendo os beiços. Flávio Ramos e Emanuel Sodré voltavam, acabada a partida de bilhar, e os quatro tomavam o bonde “Largo dos Leões”, puxado a burro. “Quê vamos fazer hoje?” - perguntava Emanuel Sodré. Flávio Ramos sugeria umas voltas de bicicleta. Não podia pensar em empinar papagaio. Bastava olhar para os ramos de árvores. Nenhum se mexia. Quando eles chegassem ao largo dos Leões, as copas das palmeiras estariam quietas, pressentindo a noite. Como, então, empinar as “pipas” de flecha e papel de seda? E era tarde para bola de gude. Pensando em bola de gude, Flávio Ramos sorriu. Escutando vozes. “Eu sou marraio!” Vendo bolas cor de água, das garrafas de soda, bolas vermelhas e azues, pequenas e grandes, e até bolas de bilha! (A importância do gude era tão grande que por causa dele se modificou o sistema métrico. Um palmo passando a medir cincoenta centímetros). “Olhe aqui, Flávio - Emanuel Sodré cortou-lhe o fio do pensamento - como pode ser o football?”
Os alunos do Colégio Alfredo Gomes dividiam-se em duas classes: os que conheciam e os que não conheciam football.
2. Fora durante o recreio. Brincava-se de barra manteiga. Flávio Ramos ficara deante de Paulo Laport. Batendo mãos. Primeira a direita, depois a esquerda. Para cada palavra, uma palma… E Flávio Ramos disse: barra, uma palma, manteiga, outra palma, está, palma, muito, palma, bem, lama, dada, palma, mais forte, Flávio Ramos saiu correndo. Paulo Laport foi atrás. Emanuel Sodré, do lado de Flávio Ramos, abriu o compasso das pernas. Conseguindo alcançar Paulo Laport antes que Paulo Laport pegasse Flávio Ramos. Paulo Laport ficou prisioneiro. E, prisioneiro, amarrou a cara. “Quer saber de uma coisa? Eu não dou para isso. Se fosse football, vá lá!” Football? Emanuel arregalou os olhos. Football? Quê vinha a ser football? E Paulo Laport, os Antunes, os Borgherth, Chico Loup, Eduardo Guerra, Gustavinho de Carvalho, trataram de explicar, ao mesmo tempo, o que era football. “Eu aposto - disse Alberto Borghert - que vocês nem sabem que ali no Retiro da Guanabara há um clube chamado Fluminense.” Os Sodré e Flávio Ramos, corando, confessaram que não sabiam. Como eles haveriam de saber, se moravam no largo dos Leões? “Pois vai haver a um jogo domingo. Poderíamos ir todos juntos. Vocês, então, ficariam conhecendo o football e o team do Fluminense.”
Fonte secundária: Blogue Arquiba Botafogo, de Paulo Marcelo Sampaio.
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