por MILTON
RIBEIRO
Excertos, 20.01.2013
Garrincha chegou
ao Botafogo em 1953. Vinha de Pau Grande, localidade cujo nome se presta a
piadas que não faremos. Foi medido, pesado e auscultado. Pesava 67 quilos,
tinha 1,69m de altura e os pulmões limpos. Os doutores Oscar Santamaria,
clínico geral, e José Nova Monteiro, ortopedista, pediram que ele subisse numa
mesa a fim de analisarem suas pernas. Garrincha tinha o joelho direito em varo,
virado para dentro, e o esquerdo em valgo, virado para fora, além de um
deslocamento da bacia. Sua perna esquerda tinha alguns centímetros a menos que
a direita. E era também ligeiramente estrábico. Os médicos ficaram pensativos.
Sabiam que o Botafogo precisava desesperadamente de um ponta direita.
O veterano ponta
Paraguaio estava indo para o Fluminense e o técnico Gentil Cardoso estava
experimentando uma série de jogadores ruins demais. E falavam bem daquele
Garrincha. No domingo seguinte, contra o São Cristóvão, Gentil escalou
Mangaratiba em seu time titular. Sim, Mangaratiba, um menino que, cada vez que
pegava a bola, ouvia a torcida de General Severiano gritar “Olha o telefone,
Mangaratiba!”. Nada pessoal, o problema é que, na partida preliminar, jogara um
novo ponta que simplesmente tinha destroçado o adversário e do qual não se
sabia nem o nome.
Durante a
semana, sem consultar a ninguém, Garrincha resolveu dar um prêmio a si mesmo:
uma folga em Pau Grande. A localidade é até hoje um distrito de Magé, na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, aos pés da Serra dos Órgãos. Foi lá jogar umas
peladas com os amigos. Apareceu para treinar só quinta-feira. Enfurecido,
Gentil deixou-o na preso concentração e fez com que ele jogasse novamente nos
aspirantes. E ele acabou com o jogo pela segunda vez. No domingo seguinte,
Gentil escalou-o como titular para o jogo contra o Bonsucesso. Nos anos 50,
eram raras as vitórias de times pequenos sobre os grandes. Naquela tarde,
ventava e chovia em General Severiano, mas o verdadeiro mau tempo estava em
campo. O Botafogo perdia por 2x1, Garrincha fazia uma estreia apagada e, de
repente, pênalti para o Botafogo. Os mais experientes – o capitão Geninho,
Nilton Santos, Juvenal, o artilheiro Dino – foram saindo de fininho. Então
Garrincha pegou a bola e preparou-se para bater a penalidade. Só que ele não
era o batedor do Botafogo, era o batedor do Pau Grande. Geninho olhou para
Gentil que assentiu com a cabeça. A torcida observava aquela sandice. Então,
Garrincha bateu forte, no canto, marcando seu primeiro gol como profissional. E
enlouqueceu. Fez mais dois gols, deu passes para outros dois e, a cada um
deles, corria para um determinado lugar da arquibancada. Depois do jogo, foi
levado nos braços por aqueles para quem corria a cada gol: eram Pincel e Swing,
seus melhores amigos de Pau Grande.
O time do
Botafogo não era nada bom, tanto que acabou em sexto lugar no Carioca de 1954.
Porém, em 1955 e 56, o Botafogo começou a montar o legendário time que tinha em
Garrincha – e Didi e Nilton Santos – sua maior estrela. Didi, quando chegou ao
Botafogo, vindo do Fluminense, ganhava 70 mil cruzeiros por mês. Sabedores do
fato, Nilton Santos e Garrincha pediram reajuste. Nilton passou a ganhar 30
mil. Garricha passou de 16 para 18 mil. Com 18 mil, um casal vivia bem com seus
filhos, mas ele tinha também vários irmãos agregados, assim como os tinha Nair,
sua mulher. A profissão de jogador não era o que é hoje: não era regulamentada.
Os jogadores não tinham direito à férias. Tratava-se de um semi-amadorismo onde
os mais previdentes exerciam uma segunda profissão.
Em 1957, o
Botafogo foi Campeão Carioca numa final que ficou marcada a ferro e fogo a alma
do torcedor do Fluminense. Didi passou a tarde dando passes para Garrincha, que
sistematicamente humilhava seu marcador Altair. O zagueiro Clóvis vinha na
cobertura e também era driblado. Aos 40 min do primeiro tempo, já estava 3
x 0. O jogo acabou em 6 x 2. Era impossível não convocar aquele maluco para a
Seleção Brasileira. Só que ele quase não foi à Copa da Suécia em 1958. Julinho
Botelho era titular absoluto da posição, mas jogava na Itália. Por carta,
comunicou a CBD que não achava justo tomar o lugar de um companheiro que jogava
no Brasil. Então, seu reserva Joel seria o titular e Garrincha o ponteiro direito
reserva. Nos coletivos, era marcado por Nilton Santos, seu companheiro de
Botafogo. Nilton detestava aquilo. Era driblado mil vezes durante os
treinamentos e pedia para Garrincha não exagerar com ele.
A grande estrela
da Seleção era o atacante Mazzola, que também jogava na Itália. Porém, durante
a Copa do Mundo, Vicente Feola, que tinha a fama de dormir durante os treinos
de seus jogadores, observou que talvez fosse a hora de tirar Joel, Dida e
Mazzola para colocar Garrincha, Vavá e Pelé contra a URSS. O efeito foi
notável. Vários jornais noticiaram que os primeiros três minutos daquele jogo
foi um dos mais extraordinários massacres do futebol mundial. Foi uma avalanche
de bolas na trave e no travessão comandadas por Didi, Pelé e Garrincha. Lev
Yashin, grande goleiro russo, disse que já suava, desesperado, quando
finalmente Vavá marcou o primeiro gol brasileiro. Aos três minutos.
[…] Mané Garrincha seguia colecionando títulos com o Botafogo. Claro, havia problemas. Em 1959, o Botafogo empatou o triangular
final contra Flamengo e Vasco e perdeu a final para Angelita Martínez. Sim,
Garrincha – e João Goulart – frequentavam demais a vedete Angelita Martínez e,
se ela não atrapalhou, também não ajudou muito no desempenho esportivo do
“demônio das pernas tortas”. Em seus shows, Angelita cantava a marchinha “Mané
Garrincha” que iniciava com os brilhantes versos “Mané, que nasceu em Pau
Grande…”.
[…] Era admiradíssimo como jogador incontrolável e como um ser humano simples, natural, bem brasileiro. A imprensa da época
amava seus ditos simplórios, ele era “Mané, a Alegria do Povo”. Tudo contribuía
para sua fama, até seus casos amorosos. Além das conquistas nos gramados, além
do reconhecimento mundial, as revistas o vendiam como uma máquina de fazer
sexo. Falava-se que tinha filho até na Suécia – fato que foi depois confirmado:
havia um varão escandinavo.
E então conheceu
Elza Soares, uma explosiva baixinha de 1,57m pela qual largou tudo, família,
filhas e amigos. Ela tinha 31 anos e era uma sensação já famosa nacionalmente.
Era a cantora de “Se acaso você chegasse”. Garrincha tinha 28 anos e um
comportamento infantil fora das camas. Ele foi ao encontro dela para pedir
votos no concurso “o jogador mais popular do Rio”. Viu-a e foi para sempre. O
prêmio era um Simca Chambord e Garrincha – apesar de raramente buscar
seus salários
e prêmios por vitória na tesouraria do Botafogo – queria ganhá-lo. Com o apoio
de Elza, levou o carro e uma nova mulher.
Não que tivesse desistido de Nair, que ficava cuidando das filhas em Pau
Grande. Ah, além dela, em Pau Grande, havia Iraci, com a qual tinha também
filhos.
Veio a Copa de 1962. […] Garrincha assumiu o protagonismo de forma
espetacular. O que ele fez no jogo contra a Inglaterra merece ser visto e
revisto com especial atenção. Não é nenhum exagero dizer que ele ganhou aquele
jogo sozinho. Comandou inteiramente as ações, fez gol de cabeça, bateu a falta
para o segundo gol e ainda fez o terceiro de fora da área. Bicampeão no Chile,
Garrincha virou
garoto-propaganda – coisa rara na época.
Sem comentários:
Enviar um comentário