por AURIEL DE ALMEIDA
Investigador esportivo / Colaborador do Mundo Botafogo
Dia 4 de Outubro de 1969. Decisão da Taça Brasil de 1968 entre Botafogo e Fortaleza. A Taça Brasil de Futebol foi criada pela Confederação Brasileira de Desportos em 1959. Disputada em sistema eliminatório pelos campeões estaduais, definia o representante brasileiro na Taça Libertadores da América no ano seguinte.
De 1960 a 1965 os representantes brasileiros na Libertadores foram:
» 1960: Bahia
» 1961: Palmeiras
» 1962: Santos
» 1963: Santos e Botafogo (*)
» 1964: Santos e Bahia (*)
» 1965: Santos
(*) Em 1963 e 1964 o Santos disputou a Libertadores como campeão da Libertadores de 1962 e 1963. Como o Santos também venceu a Taça Brasil desses anos, os vices da Taça Brasil - Botafogo (1962) e Bahia (1963) - ocuparam a vaga brasileira.
A partir de 1966, a Libertadores ampliou para dois o número de vagas por país. Assim, classificaram-se para a Libertadores de 1966 a 1968 os campeões e vices da Taça Brasil dos anos anteriores, na ordem:
» 1966: Santos e Vasco (**)
» 1967: Cruzeiro e Santos (**)
» 1968: Palmeiras e Náutico
(**) Embora tenham se classificado, Santos (1966/1967) e Vasco (1966) desistiram da disputa, e não foram substituídos.
Em 1968 o calendário do futebol brasileiro foi alterado, e os campeonatos estaduais passaram a ser disputados no primeiro semestre. Isso atrapalhou a vida de muitas federações estaduais, cujas competições só terminavam em março do ano seguinte, e o atropelo de datas acabou afetando a Taça Brasil - que dependia da definição dos campeões regionais - que começou com atraso.
Porém, o plano original - apontar os dois representantes na Libertadores de 1969 - continuou, como mostra o Jornal dos Sports em 20/09/1968: quando nos lembra que a Taça Brasil "dá a chance de disputar a Taça Libertadores da América, e posteriormente o título mundial de clubes, que é o sonho maior dos botafoguenses".
A X Taça Brasil teve início em agosto de 1968, em sua primeira fase, dividida em três zonas - Zona Sul, Zona Centro e Zona Norte. Quatro clubes já estavam classificados para a fase final - o Palmeiras, campeão da Taça Brasil de 1967, além dos representantes da Guanabara (Botafogo), São Paulo (Santos) e Pernambuco (Náutico). Os demais participantes da Taça:
» Água Verde (PR)
» América (RN)
» Atlético (GO)
» Bahia (BA)
» Campinense (PB)
» Cruzeiro (MG)
» CSA (AL)
» Desportiva (ES)
» Fortaleza (CE)
» Goytacaz (RJ) (***)
» Grêmio (RS)
» Metropol (SC)
» Moto Club (MA)
» Olímpico (AM)
» Operário (MT)
» Paysandu (PA)
» Piauí (PI)
» Rabello (DF)
» Sergipe (SE)
(***) O Estado do Rio de Janeiro (capital: Niterói) e o Estado da Guanabara (capital: Rio) eram independentes um do outro.
A Zona Sul, que contava apenas com três clubes, acabou rápido, e seu campeão, o Metropol (que surpreendeu e deixou o poderoso Grêmio para trás), conquistou uma das vagas na fase final, tornando-se, pela tabela, adversário do Botafogo. Porém, as Zonas Norte (10 clubes) e Centro (6 clubes) não terminariam em 1968, mas apenas em 1969 – quando a Taça Libertadores da América já teria começado.
Com esse problema em mãos a CBD, em caráter emergencial, decidiu indicar os campeões da Taça de Prata, que terminaria a tempo, no lugar da Taça Brasil, conforme matéria do jornal dos Sports de 26/11/1968: "O Departamento de Futebol da CBD concordou em que os representantes do Brasil na Taça Libertadores de 1969 sejam o campeão e o vice-campeão da atual Taça de Prata, isso porque a Taça Brasil de 1968 só terminará em 1969, depois de iniciada a Libertadores."
Foi, portanto, uma questão de calendário, e não de "importância" de uma competição em relação à outra, conforme atestam os jornais. Rivadávia Correia Meyer prometeu que, caso o Botafogo conquistasse a Taça Brasil, lutaria por uma vaga na Libertadores de 1970: "Realmente algumas federações não acompanharam o novo calendário da CBD e daí o atraso da disputa da Taça Brasil, que só deverá terminar no final do primeiro semestre do próximo ano. Entretanto, acho que é um direito líquido do Botafogo ou qualquer outro clube que vencer a Taça Brasil disputar a Taça Libertadores da América, ainda que seja a da próxima temporada (1970), caso a atual tenha o seu início bem antes da decisão da Taça Brasil."
Porém, nenhum brasileiro participaria da Libertadores de 1969. Brasileiros e argentinos protestaram contra a distribuição igual de vagas por país – duas – e sugeriam que apenas Argentina e Brasil tivessem direito a indicar dois clubes, ficando os outros países com uma vaga cada. Não tendo o desejo atendido, o Brasil se retirou daquela Libertadores.
Em 5 de dezembro de 1968 o Glorioso, finalmente, estreou na Taça Brasil, contra o surpreendente Metropol. O jogo, disputado no Maracanã, foi um autêntico passeio: 6 a 1 para o Botafogo, gols de Humberto, Paulo Cézar, Rogério, Afonsinho e dois de Ferretti. O Fogão alinhou com Cao; Moreira, Zé Carlos, Dimas e Waltencir; Gérson (Afonsinho) e Carlos Roberto; Rogério, Roberto (Ferretti), Humberto e Paulo Cézar. Jairzinho, machucado, foi o desfalque do Fogão.
No segundo jogo, em 8 de dezembro, em Criciúma, Gérson e Roberto não viajaram – estavam doentes, sendo que Roberto com suspeita de tifo – e Jairzinho continuou de fora. O Botafogo foi surpreendido pelos catarinenses, que fizeram um jogo violento – três expulsões (sendo duas do Metropol), briga entre os jogadores, faltas violentas (Di e Humberto saíram sangrando) e pressão da torcida da casa, que chegou a invadir o campo! O Botafogo acabou derrotado por 1 a 0, o que forçou uma terceira partida.
O porquê de uma terceira partida, já que o Bota goleara o adversário por 6 a 1 no primeiro jogo? Simples: a Taça Brasil não era disputada no simples "ida-e-volta" que conhecemos hoje. Era disputada no sistema "melhor-de-três", onde o clube que somasse três pontos era classificado. A vitória na época valia dois pontos, e com a vitória na segunda partida, Botafogo e Metropol ficaram com dois pontos cada na série. Caso empatassem a terceira partida, ambos conquistariam três pontos, mas por ter feito mais gols o Botafogo se classificaria.
A terceira partida, pelo regulamento, deveria ser disputada no mesmo local do segundo jogo no dia 11. Porém, a data escolhida (uma quarta-feira) exigia jogo noturno, e o estádio do Metropol não oferecia condições de iluminação para um jogo à noite. A CBD, então, transferiu a partida para Florianópolis – o que o Metropol não aceitou, exigindo jogar perto de sua torcida, lembrando que em Florianópolis o Botafogo teria mais torcida a favor do que contra.
Começou então uma longa (e cansativa) queda-de-braço entre o Metropol e a CBD. Caso as exigências do Metropol de jogar em Criciúma fossem cumpridas, a partida teria que ser realizada em um domingo, mas quando um clube tinha um domingo disponível, o outro não tinha... Até que a CBD forçou a barra e decidiu marcar a terceira partida no Rio de Janeiro, diante de tantas dificuldades impostas.
Finalmente, a 2 de abril de 1969, a terceira partida aconteceu. O Botafogo jogou desfalcado de Paulo Cézar, Gérson e Jairzinho – cedidos à Seleção Brasileira para um amistoso contra o Peru. O jogo ocorreu debaixo de uma forte chuva, que só fez piorar. Aos 15 minutos do segundo tempo o juiz interrompeu a partida, pois o futebol já era impraticável. O placar estava em 1 a 1, resultado que classificava o Botafogo, sendo o gol do Botafogo marcado por Rogério (gol olímpico). Pelo regulamento da Taça Brasil, o jogo foi considerado sem efeito porque não terminou, e os clubes foram orientados para aguardar a marcação, em breve, de uma nova partida no mesmo local.
O Metropol, porém, não esperou. Voltou para Santa Catarina. E se desesperou quando descobriu que a nova partida foi marcada para o dia seguinte. Uma autêntica trapalhada, e o Botafogo conquistou a vaga por W.O. – contabilizada pela CBD como uma vitória de 1 a 0.
A essa altura os demais participantes da fase final já estavam definidos. O Cruzeiro, vencedor da Zona Centro, seria o próximo adversário do Botafogo, e o vencedor dessa partida enfrentaria o Náutico. Na outra chave, o Fortaleza, campeão da Zona Norte, pegaria o Palmeiras e o vencedor dessa disputa o Santos.
Porém, Palmeiras e o Santos resolveram abandonar a Taça Brasil. A dor-de-cabeça de um calendário atropelado, e a indefinição sobre a participação de brasileiros nas Libertadores seguintes foram decisivas, e os clubes comunicaram sua decisão, conforme notícia do Jornal dos Sports de 15/02/1969: "Santos e Palmeiras retiraram-se da Taça Brasil e, em conseqüência, o Fortaleza fica automaticamente classificado para as finais, pois seria o adversário do Palmeiras e depois quem vencesse jogaria com o Santos."
Para que o Fortaleza não fosse direto à final, a CBD "mexeu" na tabela, tirando o Náutico da chave de Cruzeiro e Botafogo e colocando o alvirrubro para pegar o Fortaleza. Assim, Cruzeiro x Botafogo virou uma semifinal.
Seguidos adiamentos, e em 23 e 27 de agosto cariocas e mineiros finalmente se enfrentariam. A essa altura, Gérson já havia se transferido para o São Paulo. E a rotina alvinegra de ceder jogadores para a Seleção Brasileira (agora pelas eliminatórias da Copa) nos tirou novamente Jairzinho e Paulo Cézar, nos dois jogos. Ao menos os cruzeirenses também estariam desfalcados de Tostão e Piazza.
Vencemos o primeiro jogo, por 1 a 0, gol de Ferretti, em pleno Mineirão. No segundo jogo, no Maracanã, o Cruzeiro quase aprontou. Abriu 1 a 0 logo aos 6 minutos, gol de Palhinha, e passou a segurar o resultado que forçava uma terceira partida. O Botafogo foi para cima e faltando 10 minutos para o fim Roberto fez o gol do empate, que classificou o Botafogo para a finalíssima da Taça Brasil. O nosso time nesse jogo alinhou com Ubirajara; Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Waltencir; Carlos Roberto e Afonsinho, Zequinha, Ferreti (Humberto), Roberto e Torino (Isoldo).
Para o primeiro jogo da final, contra o Fortaleza, adivinhem? Jairzinho e Paulo Cézar também desfalcavam o Glorioso, disputando um jogo com a camisa da seleção brasileira no mesmo dia – 3 de setembro. O Botafogo jogou no Ceará com Ubirajara Mota; Moreira, Zé Carlos (Moisés), Leônidas e Waltencir; Carlos Roberto e Afonsinho; Zequinha (Rogério), Humberto, Ferretti e Torino. O Fortaleza era uma incógnita. Pouco se sabia sobre o jogo dos cearenses. A partida foi amarrada, com muitos erros, e terminou empatada em 2 a 2, com dois gols de Ferretti, um empate que animou os cearenses.
No segundo jogo, quando finalmente contaria com o time completo, Jairzinho se machucou. Mau presságio? Não.
O Glorioso não tomou conhecimento do Fortaleza no jogo final. Logo aos 10 minutos Waltencir e Paulo Cézar tabelaram, cruzaram rasteiro e Roberto, aproveitando falha da zaga cearense, abriu o placar. Os cearenses ficaram nervosos e o Botafogo começou a tocar bola, com calma, chegando ao gol do Fortaleza quando queria, não fazendo mais por conta de ótimas defesas do goleiro Mundinho, elogiado pelos jornais como o melhor atleta tricolor.
Aos 20 minutos, Zé Carlos, do Fortaleza, coloca a mão na bola dentro da área, mas o juiz não dá o pênalti. Em seguida Ferretti mandaria uma bola inacreditável na trave. E o primeiro tempo terminou com um injusto placar de 1 a 0.
Na segunda etapa o Botafogo continuou jogando em cima, e o cansaço dos cearenses aumentava. Paulo Cézar driblou Zé Carlos três vezes seguidas, mas este se recuperou e mandou para escanteio. Na cobrança, Ferretti cabeceou no ângulo e ampliou, aos 8 minutos. Em seguida Ferretti deixou Roberto cara a cara com Mundinho, que fez mais um milagre e evitou o terceiro. No contra-ataque, Garrinchinha, sozinho, perdeu gol feito na melhor oportunidade do Fortaleza na partida.
O terceiro gol do Bota veio aos 20 minutos, e foi o mais bonito. Afonsinho veio tabelando com Roberto até a grande área e tocou, de leve, na saída do goleiro. Gol de classe do capitão alvinegro. Logo em seguida Rogério deu um drible em Luciano e foi derrubado, em mais um pênalti para o Botafogo solenemente ignorado pelo árbitro.
Mas o título já estava garantido. O Botafogo passou a tocar a bola e ainda teve tempo de fazer o quarto, no finzinho da partida, quando Rogério driblou Luciano e cruzou para Ferretti apenas escorar de cabeça. Fim de papo e o Botafogo conquista a Taça Brasil de 1968.
Afonsinho, o capitão da equipe (como podem ver, utilizamos o uniforme da temporada de 1969/1970, de gola olímpica, jogando por terra a nossa velha superstição de que o Bota só é campeão com gola pólo), recebeu a taça das mãos de Otávio Pinto Guimarães e a ergueu para a imprensa, na foto do título. O Glorioso jogou com Cao; Moreira, Chiquinho Pastor (Leônidas); Moisés e Waltencir; Carlos Roberto (Nei Conceição) e Afonsinho; Rogério, Roberto, Ferretti e Paulo Cézar. Nosso técnico: Zagallo. O time deles: Mundinho, William, Zé Paulo, Renato, Luciano Abreu; Joãozinho e Luciano Frota; Garrinchinha, Lucinho, Erandir (Amorim), Mimi. Técnico: Gilvan Dias.
Ferretti ainda foi o artilheiro da competição, com 7 gols.
Como tem coisas que só acontecem com o Botafogo, Jairzinho, nosso ídolo, fez parte do elenco campeão, mas acabou não disputando uma partida sequer! Em três esteve machucado, em quatro defendia a seleção. Gérson acabou participando de uma única partida, pois se transferiu para o São Paulo antes das semifinais e esteve doente/convocado em duas partidas.
Em 1969 a CBD decidiu que o campeão da Taça Brasil estaria diretamente na final do Torneio dos Campeões, e com isso teria uma das vagas na Libertadores de 1970. Porém, com a decisão dos brasileiros de não disputar mais a Libertadores, o assunto não foi levado adiante.
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