sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Conselhos do Além

por NENÉM PRANCHA*

Doutor Jorge Aurélio:

quem fala a verdade não merece castigo. Já faz tempo que, conversando com o Toucinho e o Aluísio Birruma, queria notícias daí. Bateu uma saudade do nosso Botafogo. Procurei então o João Saldanha, ex-zagueiro do Posto Quatro, meu time de praia lá pelos anos 40 do século passado. É que, apesar de me chamarem de filósofo do futebol, não sei escrever nada bem. Eu falava as frases e ele tratava de popularizar. Então resolveu me ajudar a redigir essa carta. Dadas as explicações necessárias, vamos ao que interessa. Já conhecia o senhor de vista. Eu treinava o Botafogo, da Divisão de Amadores da Federação Carioca de Futebol de Praia. Todas as tardes de sábado, depois de caminhar à tardinha no calçadão, vindo do Leme, o senhor parava pra conversar. Enquanto eu enchia bolas para a gurizada, conversávamos sobre o Heleno de Freitas, o Carlinhos, o Ronald Alzuguir, o Haroldo, todos eles saídos das areias para brilhar nos gramados.

Certo dia vivemos um dia engraçado. Na varanda do palacete de General Severiano, o senhor e o João conversavam sobre política, assunto que não conheço nadinha. ‘O Botafogo é mesmo diferente. Dos quatro candidatos a presidente , três têm apelidos. Teté, Cacá e Tuneca. Só quem escapou foi você, Jorge’, dizia o João com o candidato da sua preferência. ‘Ôhhh, Neném, ôh Neném, vem aqui’, me chamou o João. ‘Lembra que o dinheiro andava curto por aqui?’, perguntou. Lembro sim, João, respondi. Nessa época jogava um rapaz chamado Laranjeira, que era quem mais chiava com a pouca comida. Um dia perguntaram pra mim: – cadê o Laranjeira? Foi pro hospital com indigestão, respondi. Quem fez a pergunta se assustou. Onde teria Laranjeira arranjado o que comer. Expliquei. Ele sonhou que tinha comido um peru e apanhou uma indigestão. Todos caímos na gargalhada. Bons aqueles tempos, tempos que eu tinha meu apartamentinho de vinte metros quadrados debaixo das arquibancadas do nosso estádio. Por que não voltamos pra lá, presidente?

Senta aqui, Neném, disse o senhor, puxando uma daquelas cadeiras de vime. E logo me perguntou. ‘É verdade que o Cao queria ser atacante?’ Queria sim. O Macaé chegou lá na areia com o garoto. Olhei aquelas mãos enormes e fui logo dizendo que ele ia pro gol. Acho que fiz bem. Pena que nem sempre me escutaram. Um dia levei o Junior pra General Severiano. Depois do teste disseram que por aqui tinha uns quatro iguais a ele. Paciência. Aqui em cima vemos tudo. No nosso penúltimo jogo, contra o paysandu, vi que o professor Braz Pepe estava a seu lado, doutor Jorge Aurélio. Ele berrava: “Esse time não corre. Meu Deus, corram pra chegar”. Sorri aqui e me lembrei daquela minha frase. “Jogador tem que ir na bola como se fosse um prato de comida”.

Ando meio sem ânimo pra ver futebol. Mas chegou agora há pouco um senhorzinho, magro, baixo e cearense como o Chico Anísio. Soube aqui em cima que o Botafogo tinha colocado a bandeira a meio pau em sua homenagem. Paulo Sampaio, médico que tinha gosto em atender os humildes, é botafoguense contido. Que não aguenta ver os jogos até o final, por conta do nervosismo. ‘Ôh Saldanha, disse o recém-chegado, você sempre falou que quando via a bandeira do Botafogo a meio pau, pensava: ‘Agora que morreu mais um dirigente, vamos dar certo’. Não é o meu caso, né, Saldanha?” Saldanha sorriu com o canto da boca, apertou sua mão e disse. ‘Tenho certeza que seremos grandes amigos. Porque da dona Elena, sua mulher, já sou amigo. Daqui a pouco vamos vê-la’. Doutor, já ansioso, observou. ‘Não esperava que eu fosse receber tamanha homenagem, Saldanha. A mesma que você recebeu’, disse Paulo. ‘Esquece isso, doutor. Estamos todos no mesmo barco. Se éramos iguais lá embaixo, imagina aqui em cima’, emendou o João Sem Medo. Por aqui é assim. Amizades nascem a toda hora.

Desculpa me alongar, doutor Jorge Aurélio, mas ando preocupado depois do jogo de ontem contra o crb. Entra goleiro, sai goleiro, de seleção ou não, e continuamos a tomar gols fáceis. Ah, se Jefferson e Helton Leite tivessem me conhecido… Teve um jogo na praia que não aguentei. O goleiro sempre se ajoelhava pra pegar a bola. Enchi o saco e chamei o reserva. ‘Menino, vai pro gol e diz pro Pitombo que lugar de se ajoelhar é na igreja.’. Faça, caro doutor Jorge Aurélio, chegar a eles um conselho que dei pro George Leone, um garoto que treinei na praia. ‘A função do goleiro, garoto, é engolir as menas bolas possível”.

* Com a colaboração de João Saldanha

PS: Há verdades encaixadas nesse texto, que é peça de ficção.

NOTA do Mundo Botafogo: Estas crônicas ficcionadas são da autoria de Paulo Marcelo Sampaio, editor do blogue Arquiba Botafogo.

Bibliografia: Zamora, P. (1975). Assim falou Neném Prancha. Editora Crítica.

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