quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Bola Murcha - por Otto Lara Rezende

por OTTO LARA REZENDE
18 de julho de 1991

Em matéria de futebol, costumo dizer que sou Botafogo desativado. Suspeito que estou assim antes de se desativar o próprio Botafogo. Aliás, hoje ninguém me pergunta qual é o meu time. Me perguntam qual o meu signo. Touro. Sou de Touro e logo sabem quem sou. Nos dias que correm, e agora correm que nem o Senna, brasileiro acredita mais em horóscopo do que em carteira de identidade.

Quando o Maurinho Branco assaltou minha casa e não roubou muito, mas roubou tudo, esquecemos de lhe perguntar qual era o seu signo. Se ele fosse de Touro, ia começar um diálogo assim: "Ô meu irmão, desculpe, também sou Touro". E daí acabávamos descobrindo que temos um mesmo ascendente (astrológico, claro), ele tomava um cafezinho e se despedia como um cavalheiro. Iria assaltar alguém de Áries. O Nelson Rodrigues, que sabia, mas não enxergava quem era a bola, dependurou as chuteiras no céu. As chuteiras já não são imortais. O João Saldanha foi cobrir a Copa na Itália e de lá tomou rumo ignorado. Gosta muito de viagem e de aventura, o João. Nem sequer almoçou comigo no Final do Leblon, como tinha prometido. O Sandro Moreyra entrou vivo num hospital e saiu morto. Estou sempre me perguntando por que diabo chamam hospital de casa de saúdeHá anos que o Armando Nogueira parou de escrever "Na grande área". A coluna do Cláudio Mello e Souza sumiu.

Aí é que desanimei de vez. O meu futebol era muito mais lido do que assistido. Em 1958 eu morava em Bruxelas e vi o delírio que o Brasil despertava. Pelé e Garrincha eram a dupla de mais cartaz no mundo. Nem os Beatles, que eram quatro e tiveram o cuidado de aparecer depois, lhes chegavam aos pés. No polo Norte, em 1965, vendo o sol da meia-noite, um esquimó me pulou no pescoço na maior alegria e agitação.

Só depois vim a saber a razão. Porque eu era brasileiro. "Pelé! Pelé!" – gritava ele, eufórico. O esquimó fedia um pouco a peixe, mas tudo bem. Dava gosto ser brasileiro. O futebol unia todo mundo num só grito. Rico e pobre, branco e negro, analfabeto e intelectual. Até o Kissinger gostava. Agora, escreve o Villas-Bôas Corrêa: "Para mim, chega". Despediu-se do futebol. Um alucinado que não perdia jogo. Com o Brasil ruim de bola como anda, precisamos providenciar uma alma nova para este paísão perdido no meio do campo.

Fonte: Folha de São Paulo; Desenho do autor; Acervo: Instituto Moreira Salles.

18 comentários:

leymir disse...

Oi Ruy,

Delícia de crônica, e olha que sou sagitário! Hahaha

91, ressaca geral da copa e as cinco bolas na trave contra a Argentina...

Bota tinha sido bi em 89 e 90, acho que o Fla ganhou carioca e copa do Brasil de 91.

Final do ano vcs contrataram o Renato do Flamengo.

Falando tudo isso de memória, posso estar falando alguma besteira.

Os: muito bom tbm a entrevista da Clarice e bacana as fotos de suas filhas que herdaram a paixão pelo clube, a minha tbm!

Grande abraço

Mãe Natureza disse...

Maravilha!!!!
Nós, botafoguenses e brasileiros merecemos essas e muitas outras alegrias.
Obrigado por esta.

Ruy Moura disse...

Boa memória, Leymir. Só um ajuste: O Fla ganhou a Copa do Brasil de 1990, invicto!

É muito bom o Leymir gostar das publicações diversas. O MB pretende ser essa diversidade.

Grande abraço.

Ruy Moura disse...

E como é merecido Otto Lara Rezende ser botafoguense!

Eu adoro esta crônica!!! 😍😍😍😍😍

Abraços Gloriosos.

Carlos Eduardo disse...

Esse é um texto atemporal e que se parece com a realidade atual do futebol brasileiro.E olha que a década de 90 ainda foi boníssima para o futebol tupiniquim.
Nossos times conseguiam fazer frente a qualquer esquadrão europeu... fora que ainda tinha uma infinidade de bons jogadores e craques com "cara de Brasil"... sem essa fajutice de querer forçar idolatria onde não tem.
E claro,isso também reflete no jornalismo esportivo,bem fraquinho e exacerbadamente clubísta nos dias atuais.
O futebol brasileiro começou a decair no meu modo de ver a partir da 2° metade dos anos 2000.

Ps: Ruy,tem um documentário sobre o Maracanã no youtube que vale ser visto chama-se "Memória da Arquibancada":Histórias do Maracanã

https://youtu.be/hm5rk51V76M vale até um texto hein kkkkk afinal falar de Maracanã é falar de Botafogo também.
Documentário muito bem feito por sinal... Saudações!!!!

Ruy Moura disse...

Eu diria atemporal e reforçaria com 'imortal'! É um texto de se lhe tirar o chapéu!

[PS: irei ver o documentário]

Abraços gloriosos.

Lúcia Costa disse...

A mineirice do Otto Lara Resende transparece com toda força nessa gostosissima crônica. Mansamente ele vai nos envolvendo e quando nos damos conta já estamos apaixonados pela leitura leve e bem humorada. Infelizmente, passados mais de 25 anos, o texto continua atual.
Que bom, Ruy, teres redescoberto o Otto para alegria e prazer imenso de todos nós. Ah, já ia esquecendo de dizer : Sou taurina e com muita honra por ter tido o Lara Resende como companheiro de signo kkk.
Gloriosos beijos GLORIOSOS.

Ruy Moura disse...

Pois eu tenho um imenso prazer em ter taurinos como o meu signo oposto, ambos cheios de magnéticas atrações entre si e complementares.

Em Touro canta a vida...

Tão taurina que és! E minha filha caçula também!

Beijos scorpiones!

leymir disse...

Ruy e amigos,

Verdade que na dedada de 90 tínhamos time que disputavam com os esquadrões europeus, o SPF de Tele Santana é prova inequívoca.

Acho que a tristeza do Otto Lara Rezende com o futebol não vem daí e nem do Botafogo, que começou o ano de foi atrás de um tricampeonato e depois de amargar um tempo na fila.

Acho que tem mais a ver com o meio campo de Dunga, Alemão e Valdo, e o fim daquela geração genial e romântica que não levantou uma copa. (Zico, Sócrates, Falcão, Cerezo, Reinaldo, Eder, Marinho e etc...)

De todo jeito, uma delícia de crônica.

Grande abraço ao Ruy e a todos!

Lúcia Costa disse...

Como vês, as taurinas , especialmente elas , são pessoas encantadoras , tendo como virtude máxima, a modéstia Kkkk
Beijos

Ruy Moura disse...

Confesso que tenho outra interpretação. Lara Rezende escreveu: "Aí é que desanimei de vez. O meu futebol era muito mais lido do que assistido." O desânimo dele parece relacionar-se, em última análise e além da decrepitude do futebol, em ver os 'astros' da escrita esportiva desaparecendo. E tinha razão: depois da velha guarda da escrita ter desaparecido não está sobrando ninguém hoje em dia da nova geração que dê gosto ler.

Grande abraço.

Ruy Moura disse...

Não tenho dúvidas. Nunca me zanguei com taurinas. (rsrsrs)
Beijos gloriosos.

leymir disse...

Verdade mesmo, não citei mas faz muito parte do texto!

O Mauro Beting as vezes tenta, o Renato Maurício Prado se esforça, o tostão quase chega lá mas nem esses que são os menos piores chegam perto de Armando Nogueira, Nelson Rodrigues, o próprio Otto.

Abração!

Ruy Moura disse...

Leymir, ao Nelson R, Otto LR e Armando N eu acrescentaria Mário Filho, pelo menos. De Tostão sou fã - do atleta, do colunista e do homem -, o Mauro B aceita-se, mas do que li - e não consigo ler nunca mais - de Renato MP permite-me considerá-lo um embusteiro.

Grande abraço.

Carlos Eduardo disse...

Concordo também com a análise do Ruy, os grandes craques da escrita,aqueles que fizeram o nosso futebol ter aquele toque de romantismo e drama principalmente nas década de 50,60 e 70 já não existem mais.
Hoje o que mais existe são fanáticos vestidos de jornalistas.
Dos jornalistas mais atuais acho que só o Mauro Beting poderia sentar numa mesa onde teria Luiz Mendes,Sandro Moreyra,João Saldanha,Nelson Rodrigues,Armando Nogueira,Roberto Porto e tantos outros,além dos ex-jogadores hoje jornalistas Gérson Canhotinha e Tostão;além do Mauro Beting ter um ótimo texto no estilo das "antigas" consegue ser imparcial mesmo sendo palmeirense.
Já pensou que mesa-redonda maravilhosa seria essa,hein???

Ruy Moura disse...

Verdade, Carlos Eduardo. Aprecio a imparcialidade do Mauro B (palmeirense) e do A. Rizek (corinthiano). Aprecio muito todos os jornalistas que escrevem bem e são imparciais. Hoje são muitíssimo poucos. A imparcialidade é só para mentes privilegiadas e a mídia desportiva em geral roça a imbecilidade.

Abraços Gloriosos.

Sérgio Lopes disse...

O jornalista e escritor mineiro Otto Lara Rezende mencionou a seguinte frase: "O mineiro só é solidário no câncer". Talvez, a intenção de Otto não era referir, especificamente, ao povo de Minas Gerais... O mineiro e qualquer outro brasileiro são generosos em momentos difíceis? Infelizmente, algumas pessoas não são solidárias nem no câncer. Acesse o blogdosletradosdesalienados.blogspot.com


Ruy Moura disse...

Realmente a expressão é estranha, mas também não creio que tenha intenção negativa para com os mineiros. Será mais alegórico, provavelmente.

Abraços Gloriosos.

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