por Eduardo Pimentel, técnico de futebol
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Didi abre na direita para Garrincha. A galera levanta. Garrincha para. Ele
parece estar fora de prumo, meio torto, mal calçado. João fica pálido. Para.
Ameaça. Refuga. Arregala os olhos. Engole em seco. Garrincha olha com jeito
safado. Chama. Joga o sorriso pro canto da boca e olha fixamente para a
angústia de João. João, em silêncio, pede socorro. São Judas Tadeu recusa-se a
olhar e vira de costas para o Maraca. Garrincha pisa na bola. Balança pra cá.
Balança pra lá. João fica imóvel. Desesperado. Garrincha finge que vai. João
fica. Fica mas… reage. E vai. Garrincha volta. João passa estabanado. A galera
delira. João volta. Garrincha vai. E corre com a bola sobre a linha. João acha
que a bola vai sair. Mas a bola não deixa o amante.
.
.
Ela parece cumprir um destino que os matemáticos ignoram. João se enche de
ânimo. Garrincha olha aquele bólido desgovernado subir a calçada e atropelar a
própria ilusão. Aquela altura o Maraca era um mundo de deboches e
irresponsabilidades. João levanta desiludido. Garrincha para a bola na linha de
fundo. João insiste em nome da honra. E tenta a falta. Garrincha corta pra
dentro. João faz a falta pra fora. A galera entra em êxtase. O beque central
para sua oração no “rogai por nós” e decide socorrer João. E passam a ser dois
Joãos. Qual dos dois mais desesperados? Garrincha nem liga para o complô. Que
venha o time todo! Que venha o técnico! O massagista! O presidente! Seus
dribles não seguem fórmulas matemáticas que respeitam os números. Seus dribles
são coisas de poeta. São rimas pra safadeza. Na arquibancada os torcedores já
se contorcem de tanta aflição. Todos estão aflitos. Menos Garrincha. Mais um
rodopio. Passam dois que se trombam desengonçados.
Garrincha entra na área. O goleiro faz o sinal da cruz. Os sete metros
viram setenta. Garrincha olha com desprezo para os braços abertos do goleiro
que estava ali só proforma. A galera pede o gol. Urra. Delira. Garrincha não
está nem aí pro gol. O gol não é tão importante assim. O gol é só um detalhe. É
o fim de uma aventura. É o fim da molecagem. E lá dentro, com certeza,
Garrincha até esboça um pouco de filosofia: “coisa mais besta um tal de gol…”
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