domingo, 13 de julho de 2014

HISTÓRIA DE UM TÍTULO ANTECIPADO. HISTÓRIA DE UM FRACASSO ANUNCIADO.


por Rui Moura
Blogue Mundo Botafogo

Sou uma personalidade suspeita quando se trata de avaliar a Alemanha, porque não aprecio a sua cultura imperialista, o seu comportamento cinzento rezingão e a sua atitude de uma pseudo superioridade que intimamente desdenha dos demais povos, sejam eles ingleses, franceses, portugueses ou brasileiros.

Todavia, creio que, sem complexos nem preconceitos, podemos usar o benchmarking e buscar as melhores práticas mundiais sobre um determinado assunto e adaptá-las à nossa cultura e à nossa realidade, seja a partir de quem for. As melhores práticas podem ser captadas em povos essencialmente democráticos ou em povos tendencialmente mais rígidos, desde que ao imitarmos determinados processos consigamos introduzir medidas corretivas que valorizem as virtudes e desvalorizem os defeitos de sociedades mais ríspidas e austeras, como é o caso da sociedade alemã.

A lição que podemos importar da Alemanha relaciona-se com a operacionalidade coletiva posta ao serviço de qualquer processo produtivo desde o início ao fim, de que é exemplo o ‘processo produtivo’ de construção do título de campeão mundial de futebol.

Os alemães bebem de fontes filtradas pela razão e pelo discernimento, planejando conscienciosamente, prevendo todos os recursos, fatores e passos necessários visando o alcance dos seus objetivos, avançando subsequentemente com uma eficiência apurada que caminha para uma eficácia capaz de, no final do processo produtivo, capitalizar a seu favor todos os resultados esperados.

E este processo não se faz com base em vedetas vaidosas, mas com base em operários humildes cientes do seu papel fundamental no trabalho coletivo. Quando muito, a vedeta é o líder, como foi o caso do Chanceler Adolf Hitler ou é o caso da Chanceler Angela Merkel, e os operários confiam na liderança, participando nos desígnios ideológicos do chefe.

Da Alemanha teremos que repelir convictamente o coletivo que tende a seguir cegamente o chefe, legitimando socialmente as suas ações, sejam elas a responsabilidade de eclosão de duas guerras mundiais ou de implementação da ‘solução final’ de exterminação de judeus. E ao relacionar estes nefastos acontecimentos pode-se acrescentar o coletivo japonês, também ele cego ao chefe e ao imperador, outrora considerado encarnação divina, que conduziu aos ataques covardes da segunda guerra mundial, mas cujos resultados de uma ação coletiva forte foram visíveis na recuperação japonesa no pós-guerra.

Não devemos querer estes coletivos assentes numa espécie de ‘democracias musculadas’, mas um coletivo muitíssimo mais próximo de outras sociedades em que as pessoas agem em conjunto e não em separado, como é o caso claríssimo dos países escandinavos ou do continente norte-americano, entre outros.

No caso dos países latinos e dos países hispânicos (utilizo a distinção americana que exclui da noção de países latinos todos os povos falantes do castelhano), o individualismo é a marca mais forte da ação social. É por isso que se torna necessário buscar a noção de coletivo no sentido de agregar e potenciar a ação coletiva, naturalmente num quadro democrático e não num quadro tendencialmente autoritário e de princípios guerreiros como tem sido o caso alemão. Efetivamente, rejeito o conceito de autoridade que encerra o autoritarismo e defendo o conceito de autoridade que encerra a liderança participativa.

Em suma, eu preconizo um coletivo participante, não cidadãos acríticos obedientes ao chefe, mas cidadãos conscientes, críticos, participativos e socialmente produtivos.

Ora, se adaptarmos tais considerandos ao futebol em geral e à Copa do Mundo em particular, é indubitável que só uma seleção conseguiu simultaneamente colocar como objetivo o título de campeão mundial e trabalhar para ele desde longa data.

Os alemães, não obstante a visão desfavorável que tenho deles, são suficientemente inteligentes para aprenderem com os seus desaires. Não conseguiram, por duas vezes, dominar a Europa pela força das armas?... Então enveredaram pela construção paulatina de uma rede que domine a Europa pela via financeira e económica. Tiveram que pagar aos aliados os danos de guerra infligidos aos povos circundantes quando os invadiram em busca da noção hitleriana de ‘espaço vital’, mas em trabalho de formiga que durou décadas, conseguiram que os povos com mais dificuldades ao nível dos seus planos financeiros recorressem aos seus empréstimos a juros altíssimos de dinheiros obtidos a juros baixos pelos alemães – resgatando a pouco e pouco os pagamentos que foram obrigados a fazer aos aliados pós-1945.

Quero com isto dizer que quatro seleções tinham como objetivo claro a conquista da Copa do Mundo de 2014: Alemanha, Argentina, Brasil e Holanda. Não incluo a seleção da Espanha porque o desgaste do Barcelona era muito claro e necessariamente refletir-se-ia na competição.

Portanto, dois países tendencialmente baseados no coletivismo e dois países tendencialmente baseados no individualismo. No entanto, a génese da Holanda é diferente da alemã e mescla no seu coletivismo traços de individualismo evidente, protagonizado por futebolistas como Van Persie, Robben ou Sjneider, que provavelmente lhe valeu ‘morrer na praia’ de cinco semifinais e finais de Copas do Mundo sem nunca alcançar o título.

Quanto à Alemanha, tudo foi planeado ao pormenor, porque a Alemanha quer afirmar-se no 1º plano do desporto com maior repercussão mundial e mexer cada vez mais nos ‘cordelinhos’ dos bastidores, colocando sob o seu domínio as instituições de futebol de natureza internacional – esse é o seu objetivo final que asseguraria no futuro uma constante chegada a seminais, finais e títulos europeus e mundiais.

Efetivamente, sobretudo desde que perdeu a Copa do Mundo de 2006 em casa, não conseguindo melhor do que o 3º lugar, a Alemanha refletiu profundamente sobre a realidade do futebol do país (embora já o fizesse desde a Eurocopa de 2000) e mudou ousadamente as regras internas do jogo, reestruturando os seus campeonatos, reorganizando a distribuição dos apoios financeiros, reformando estádios, apostando na formação de atletas na base e na formação de dirigentes, de técnicos e de pessoal integrante dos departamentos médicos, entre outras medidas fundamentais.

O resultado foi um 2º lugar na Eurocopa de 2008; 3º lugar na Copa do Mundo de 2010; 4º lugar na Eurocopa de 2012 e 1º lugar na Copa do Mundo de 2014, tornando-se campeã do mundo planejando ao milímetro o almejado título mundial, conquistando-o com uma pujança e uma justiça raras vezes vistas.

Enquanto a Alemanha apostou na força do seu coletivo e da sua preparação para a competição de 2014, a Argentina apostava em Messi, o Brasil em Neymar, Portugal em Cristiano Ronaldo, a Inglaterra em Rooney e até a Holanda em craques como Van Persie, sem discernirem que um craque pode ser anulado durante os jogos, mas um coletivo-craque, não.

A derrota do Brasil não aconteceu hoje. A seleção brasileira é reflexo do futebol brasileiro e o futebol brasileiro não é nada faz tempo. (Valdir Espinosa, treinador)

O Brasil, tendo por base uma organização obsoleta do seu futebol, uma comissão técnica claramente ultrapassada, acreditando que a ginga e a catimba de Neymar acabariam por resolver o problema e que talvez as arbitragens fossem favoráveis dentro de casa em situações de dúvida, traçou como objetivo alcançar o 6º título mundial e resgatar a alma ainda dorida de há 64 anos atrás, no jogo decisivo da Copa do Mundo de 1950 que o Uruguai ganhou com um plano técnico e tático bem montado contra o antecipado oba-oba brasileiro.

Antes mesmo de começar a Copa, na apresentação da Seleção em Teresópolis, o ‘profeta’ Luiz Felipe Scolari antecipou o futuro:

Nós vamos ganhar a Copa.

Receando provavelmente ficar obscurecido pelo ‘profeta’, nessa mesma ocasião o ‘mago’ Carlos Alberto Parreira sentenciou:

– Chegou o campeão. Estamos com uma mão na taça. A CBF é o Brasil que deu certo.

E em milhares de bocas da oposição se podia ouvir que a presidente Dilma comprara a Copa, e por isso isentara a FIFA do pagamento de impostos sobre os lucros. E milhões de bocas exprimiram o seu convencimento que isso era verdade, tendo a desastrosa e caseiríssima arbitragem do Brasil x Croácia enchido o povo de maiores certezas sobre a vitória. Entretanto, logo a Espanha foi goleada pela Holanda, e circulou um texto adaptado de um outro texto, que circulou numa Copa anterior e também em Dezembro de 2013, o qual denunciava que a FIFA havia trocado os papéis no sorteio dos países para a fase de grupos. A última adaptação do texto tinha seis meses, mas foi readaptado para a boca de um futebolista espanhol que denunciava que TODA a Seleção havia sido comprada pela FIFA e que os atletas estavam revoltados. Portanto, tudo indicava que a coisa favoreceria o Brasil, especialmente a partir da classificação para as oitavas-de-final. Porém, o Brasil poderia ter sido eliminado na fase seguinte pelo Chile, ganhando apenas na cobrança de grandes penalidades, sem que o árbitro tivesse favorecido a seleção canarinho. As más exibições do time anunciavam que não passaria pela Alemanha. Então, o tal texto que fora adaptado para a boca de um atleta espanhol, foi novamente readaptado para a boca de um atleta brasileiro, que referia os valores da compra, os intervenientes, etc., e que Willian se negou a jogar e que Neymar simulou a sua lesão, tudo com muitos pormenores, e por isso Bernard foi chamado à pressa por Scolari, que também entrara no esquema, e no hospital onde Neymar deu entrada uma enfermeira foi despedida porque descobriu a ‘marosca’ – quando o mais normal teria sido comprá-la também… E enquanto estes boatos e estas fantasias decorriam, os jogadores brasileiros – contraditoriamente – agarravam-se à camisa de Neymar até ao jogo começar, e que isso daria força ao time, e que agora a raiva pela perda do Neymar ia galvanizar o time, e alguns garantindo que o título estava finalmente conquistado porque o Brasil ia ‘mordido’ para cima da Alemanha.

Porém, 64 anos depois do fantasma do Maracanazo, eis que o Mineirazo se torna infinitamente mais doloroso, novamente por culpa própria, ampliando de 2x1 para 7x1 o ‘vexame’, resgatando paradoxalmente os vencidos de 1950 e o injustiçado goleiro Barbosa, que levara consigo a amargura de um povo inteiro o ter legitimado socialmente como bode expiatório perfeito de uma derrota ocorrida sobretudo pela deficiente estratégia do treinador, pelo desrespeito ao adversário e pelo excesso de confiança na vitória total, absoluta e cabal após o Brasil bater a Suécia por 7x1 e a Espanha por 6x1 no quadrangular final, precisando apenas de um empate contra o Uruguai para ser campeão – que não aconteceu.

Ademir, artilheiro da Copa de 1950 com 9 gols relembrou, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, que o clima do “já ganhou” seria fatal:

Eu tive a maior decepção que o futebol pode dar a um atleta. Mas foi uma lição muito proveitosa, a de que no futebol não existe vitória antecipada.

Bem avisado, um botafoguense de bom senso mostrou-se contrariado com a postura de Luiz Felipe Scolari e Carlos Alberto Parreira durante a Copa do Mundo de 2014:

Sou contrário a que Parreira e Felipão fiquem na televisão anunciando o favoritismo do Brasil.

Tudo isso agravado por protagonistas que, além de Scolari e de Parreira, fechados em falsos chavões como “melhor futebol do mundo” ou “pátria do futebol”, também desconhecem completamente a realidade atual:

O Brasil foi uma grande bagunça por conta do desconhecimento do que é o futebol hoje. (Mauro Cezar Pereira, comentarista ESPN)

Na verdade, fracassaram as seleções assentes nas suas estrelas principais e em atletas oriundos de muitos clubes, enquanto as seleções que mais brilharam (incluindo as ‘surpresas’ como a Argélia, o Chile ou a Costa Rica) basearam-se na ação coletiva em detrimento da ação individual, sem no entanto deixarem de explorar esta adequadamente, e num time baseado na espinha dorsal de um clube, designadamente no caso alemão, que privilegiou os atletas do Bayern München e as suas rotinas de jogo. Além disso, o treinador da seleção alemã, Joachim Löw, faz parte da comissão técnica há uma década, tendo sido assistente de Jurgen Klinsmann entre 2004-2006 e treinador principal entre 2006-2014, enquanto a seleção brasileira foi orientada por Luiz Felipe Scolari (duas vezes), Vanderlei Luxemburgo, Candinho, Emerson Leão, Carlos Alberto Parreira, Dunga e Mano Menezes entre 2002-2014, à média de 1,5 anos por mandato.

Por oposição ao trabalho meticuloso e discreto dos alemães, os brasileiros iam alternando alegremente entre denúncias de compra da Copa, muita zuação nas redes sociais e patéticos apelos simbólicos à camisa de Neymar, ao passo que a Alemanha estava preparadíssima para prosseguir na sua imparável caminhada em direção ao título mundial, de tal modo que se surpreendeu com a sua própria goleada ao Brasil.

Esta derrota vai marcar-nos para o resto das nossas vidas. (Thiago Silva, futebolista brasileiro na Copa do Mundo)

A pretexto de não ficarem satisfeitos com as ofertas hoteleiras junto das cidades onde a Alemanha faria os seus jogos, os alemães edificaram, num espaço recorde de 5 meses, um quartel-general em Santo André, na Bahia, com 13 residências, campo de treinos, centro de imprensa e outras instalações de apoio, permitindo-lhes adaptar-se ao clima, tendo chegado à Bahia uma semana antes do 1º jogo com Portugal. Enquanto os portugueses desfrutavam do clima ameno de Campinas, os alemães suportavam o calor e a humidade para os quais se estavam a adaptar; enquanto os portugueses treinavam ao fresco das 10 horas da manhã, os alemães treinavam às 13 horas, hora dos jogos, para se aclimatarem ao calor, à textura do gramado e à velocidade da bola àquela hora. Resultado, apesar da arbitragem escandalosamente favorável aos alemães: a Alemanha ganhou tranquilamente por 4x0.

A Alemanha foi andando tranquilamente, permanecia discreta, media as palavras nas conferências de imprensa, não se gabava de coisa nenhuma, valorizava os outros selecionados e até decidiu envergar a camisa rubro-negra contra o Brasil para que na final da Copa no Maracanã a esmagadora maioria da torcida do Rio de Janeiro se colocasse ao lado da Alemanha contra, previsivelmente, a Argentina.

E enquanto a razão prevalecia, o futebol brasileiro olhava-se ao espelho da superstição, conforme relata Aurelio Moraes (blog Jornalisticamente Falando):

Superstição ordinária e barata, retratada pelo Paulo Paixão jogando sal grosso no gramado. Tomou 7 na cabeça. (Aurelio Moraes, jornalista)

Porém, vale a pena relembrar que as superstições já haviam invadido a Copa do Mundo de 1950, quando os supersticiosos de plantão atribuíram subitamente a derrota à troca do local de concentração à última hora, do Joá para São Januário, e outros convenceram-se que a culpa foi de Flávio Costa pelas duas horas de missa impostas aos jogadores na manhã da partida final e… de pé!

Anos mais tarde compreendeu-se quem foi o principal responsável pela derrota de 1950:

O Brasil perdeu a Copa de 50 por causa do técnico Flávio Costa, que escalou Bigode no lugar de Nilton Santos, o maior lateral esquerdo brasileiro de todos os tempos, além de não ter escalado Baltazar, o cabecinha de ouro, Rui e Noronha do trio maldito do S. Paulo, além de ter pedido aos jogadores ‘disciplina’ no jogo com o Uruguai, intimidando os jogadores brasileiros a fazerem faltas e utilizando um esquema de jogo ultrapassado, o WM que tornava frágil a defesa. (Dario Gomes de Azevedo Filho)

Devo relembrar que o Brasil fez mais do dobro das faltas cometidas pelo Uruguai em toda a partida e que o gol da vitória Celeste que calou o Maracanã foi feito justamente através de um lançamento nas costas de… Bigode! E acrescente-se que o mesmo Flávio Costa foi quem escalou Gérson, o Canhotinha de Ouro, para marcar Garrincha na final do campeonato carioca de 1962. Resultado: um dos maiores espetáculos futebolísticos de Garrincha no Maracanã, que marcou os três gols da vitória sobre o Flamengo por 3x0.

Anos mais tarde, verificou-se que de superstições e falsas desculpas estava o mundo cheio e que as Copas de 1958, 1962 e 1970 foram conquistadas não pela superstição, nem sequer pela qualidade técnica dos treinadores (foi graças a Didi que Vicente Feola foi convencido a escalar Pelé e Garrincha em 1958, após empate contra a Inglaterra e que rendeu os seus frutos com a grande atuação de Garrincha no jogo seguinte contra a União Soviética, vencida por 2x0), nem por uma organização ímpar, mas sim por uma mão cheia de atletas fabulosos que emergiram do futebol de rua, do futebol da várzea, da formação de base, e com a sua arte decidiram por eles mesmos as partidas de três Copas nas quais foram campeões invictos.

Em suma, e regressando a 2014, a Alemanha estava preparadíssima para seguir para a final e o Brasil atolava-se num enorme desequilíbrio técnico, tático e emocional. Resultado, com arbitragem neutral: 5x0 aos 29 minutos de jogo, 7x1 no final favorável aos alemães, que não fizeram mais gols porque, tal como sugeriu um atleta alemão, não era propósito deles humilharem o Brasil. Na verdade, a Alemanha tirou o pé do acelerador aos 30 minutos de jogo por três razões: (1) o placar era irreversível e a presença na final estava garantida; (2) beneficiariam de poder gerir o jogo e acautelavam esforços excessivos que poderiam fazer falta na partida final; (3) se humilhassem o Brasil com, por exemplo, um 9x0, isso não tinha nenhuma utilidade para os alemães e, provavelmente, a torcida rubro-negra não estaria ao lado deles na final.

Parreira, antes do jogo final com a Espanha na Copa das Confederações, um torneio que não interessava praticamente a ninguém e menos ainda aos espanhóis campeões da Europa e do Mundo, mostrou toda a sua arrogância e mentalidade terceiro-mundista na palestra de motivação aos atletas da turma do #É Tóis, conforme referido por Flavio Gomes em crônica recente, proferindo estas palavras de quem não tem boa formação pessoal:

Existe uma hierarquia no futebol, e eles foram campeões do mundo sem enfrentar a seleção brasileira. (Flavio Gomes, cronista)

Os brilharetes previstos antecipadamente para Cristiano Ronaldo, Messi e Neymar, entre outros, saíram completamente furados – o primeiro estava lesionado, o segundo há um ano que está longe do desempenho de outrora, o terceiro ainda não tem envergadura para carregar um time às costas, tanto mais que, em minha opinião, errando na escolha do clube, permanece na sombra de Messi e assim continuará, limitando as suas margens de progresso. As três figuras mais carismáticas das quais se esperava “mundos e fundos”, pouco e nada fizeram.

À ginga e à catimba típicas dos brasileiros e dos argentinos, que valorizam muito a vitória ”na raça” e o improviso individual, os alemães responderam com estratégia visionária, planejamento rigoroso, trabalho profundo, cooperação coletiva, tática apurada, discrição nas conferências de imprensa, respeito público pelos adversários, nenhuma zuação nos órgãos de comunicação social alemães, porque o que lhes interessava era a vitória e não o inócuo ”tirar sarro” do adversário. Na história do futebol ficam registrados os títulos, não as zuações; ficam registrados os melhores momentos, não as ações medíocres.

O futebol sul-americano sucumbe com um técnico medíocre. Com um técnico que manda bater. Uma paulada no futebol domesticado da América. Domesticado pela FIFA. Domesticado pelo futebol europeu. (Maximo Goñi, locutor da Rádio Oriental do Uruguai)

O obsoleto futebol sul-americano, cujos jogadores brilham nos seus clubes europeus, que privilegiam a tática, a organização e a liberdade de ação planejada, mas que não brilham nas seleções dos seus países – Cristiano Ronaldo, Messi, Neymar, Rooney, etc. –, necessita urgentemente de fazer benchmarking das melhores práticas mundiais e olhar para o futuro inovando na implementação das melhores práticas ao contexto local.

Há 7 anos que, neste blogue, e a propósito do nosso amado Botafogo de Futebol e Regatas, preconizo uma cultura de rigor, comportamentos profissionais, atitudes éticas, pensamento estratégico, decisões discernentes e discursos assertivos. Neste blogue tenho criticado a amadoríssima diretoria do Botafogo e de todos os seus dirigentes; o conluio entre gente senil que continua a influenciar o nosso clube por dentro; o clima de permissividade que permite que jogadores digam e façam o que querem; a irresponsabilidade de jogadores como Jobson, Zé Roberto ou Somália, o cinismo de jogadores como Dodô e a hipocrisia de dirigentes como Maurício Assumpção; aquisições mais que duvidosas de jogadores incapazes; incapacidade de cobrança de performances da comissão técnica, departamento médico e plantel de futebol; demissão incompreensível de profissionais de apoio médico e paramédico de reconhecida categoria; favorecimento da ‘turma da praia’ do Nininho, dando-lhes empregos para os quais não estavam preparados; aquisição de futebolistas pela simples razão de serem irmãos de um dirigente ou genros de um treinador; diretoria incapaz de defender os interesses do Botafogo, ludibriando as finanças, deixando escapar o Engenhão, favorecendo a ignóbil Globo contra o Clube dos Treze, abre o maior buraco financeiro na história do clube. Isto e muito mais, para não falar em muitas fumaças de corrupção, que a considerar o provérbio “não há fumo sem fogo”, nos deixa alarmados quanto à seriedade de quem comanda o Glorioso.

Denuncio isto há 7 anos, tal como denuncio há vários anos a situação paupérrima do futebol brasileiro desprovido de dirigentes federativos e de clubes capazes, de árbitros e comissões de arbitragem sérios, de treinadores competentes, de profissionais de medicina desportiva atualizados, de jogadores verdadeiramente profissionais, de estruturas fortes com campeonatos e calendários modernos que não esgotem os jogadores logo no início da época em campeonatos estaduais que só servem para “tirar sarro” dos adversários e que podem ser perfeitamente reduzidos a uma escala mínima apenas para manter a tradição, de leis que favoreçam a formação de base e a fixação de bons jogadores no futebol brasileiro.

E tudo isto que tenho defendido, apresentando sempre soluções construtivas, é, nem mais nem menos, o modelo prosseguido pelos alemães nos últimos 10 anos. O modelo que faria do Botafogo campeão brasileiro e sul-americano; o modelo que evitaria que o Santos fosse goleado pelo Barcelona por 8x0 e o Brasil goleado por 7x1 pela Alemanha, ambas as vitórias em ritmo de treino, ou que Internacional e Atlético Mineiro fossem eliminados no Mundial de Clubes por fracas formações africanas.

Porém, o que se verifica é que a CBF, na pessoa do seu presidente eleito, já se manifestou favorável à permanência de Scolari à frente da seleção brasileira pelo menos até final do ano e o próprio Scolari, em conferência de imprensa, atribuiu a derrota a seis minutos de apagão que resultaram em quatro gols dos alemães, como se tudo o mais houvesse sido perfeito. Nessa conferência, Scolari apresentou estatísticas ridículas na tentativa de provar que somente o apagão dos seis minutos fatídicos esteve fora de controle e Parreira leu uma carta surrealista, que teria sido enviada a Scolari por uma suposta torcedora de nome Lúcia, elogiando o treinador pelo excelente trabalho realizado e sugerindo que nada deverá mudar:

Mais uma vez vi diante da Câmera um homem íntegro e corajoso. […] O senhor é um grande homem e um ser humano ímpar. […] Meu e-mail é só para agradecer a grande felicidade que o senhor e o seu grupo proporcionaram para a nossa nação. […] Fique com Deus e lembre-se que o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem ao amanhecer. Quero dizer com essa citação que vai passar e tudo ficará bem.

Tendo o povo brasileiro ficado estupefacto perante tamanha pusilanimidade quando tudo acabou da pior maneira, a imprensa foi à procura da tal ‘Dona Lúcia’, mas até agora não foi encontrado rasto da senhora… Segundo a assessoria de imprensa da CBF, a ‘Dona Lúcia’ solicitou muito ‘oportunamente’ a preservação da sua identidade, porque não pretendia contatos com a imprensa e virar celebridade, mas apenas expressar a seu apoio ao comandante da seleção após a goleada sofrida… As estatísticas foram mostradas, e a carta foi lida, em direto para as televisões do mundo inteiro, cujos espectadores devem ter ficado com uma magnífica ideia sobre a tosca inteligência destes senhores, que para mais sugeriam implicitamente que todo o povo brasileiro é suficientemente imbecil para que pudesse engolir tão monumental aldrabice. Não engoliu, espero.

E a cegueira e arrogância são tão grandes que em conversa informal gravada pelas câmeras da FIFA, Scolari proferiu a seguinte ‘pérola’:

– Nos dez primeiros minutos do segundo tempo […] nós criamos quatro chances de gol. Se nós tivéssemos acertado as quatro ia estar 5 a 4 em dez minutos. Isso é coisa de louco para pensar.

E depois disto, que dizer desta gente e do futebol brasileiro comandado por esta gente – CBF e comissão técnica da Seleção Brasileira?

Na expressão de um comentarista português:

Scolari é um dos expoentes máximos do futebol-negócio. E é nessa condição que escolhe jogadores, organiza equipes através de princípios rudimentares e ultrapassados, explorando o lado ascético do futebol. Um dia tinha de ser desnudado como Isaías na Bíblia. Aconteceu na Copa. Há um dia em que nem os marqueteiros conseguem mascarar a realidade. Scolari é uma minudência [na história]. (Rui Santos, comentarista)

Em suma, à falta de planejamento adequado dos candidatos ao título – excetuando a Alemanha – e às excessivas esperanças depositadas quase exclusivamente nas individualidades mais famosas desta Copa do Mundo (Cristiano Ronaldo, Leonel Messi e Neymar Jr.), sobrepôs-se o planejamento, a eficiência e a eficácia de um verdadeiro time campeão, de uma verdadeira Seleção assente num coletivo focado exclusivamente num único objetivo preparado denodadamente durante anos:

– O BEM ALEMÃO, O TÍTULO DE CAMPEÕES DO MUNDO EM FUTEBOL!

No dia 8 de julho de 2014, a típica expressão brasileira voluntarista de que Deus é brasileiro, deixou de fazer qualquer sentido real ou figurado. Os craques que ganhavam Copas do Mundo pelas suas virtudes artísticas escasseiam, os treinadores encontram-se na pré-história do futebol moderno e os dirigentes nacionais afundam o futebol brasileiro num pântano do qual será tanto mais difícil sair quanto maior for o afundamento.

Se o futebol brasileiro quiser novamente vingar terá que encarar ruturas efetivas a todos os níveis e trabalhar duramente na reconstrução da sua Glória, combatendo toda e qualquer atitude de esperança de vitória mercê de sal grosso espalhado no gramado ou de intervenção divina que nunca chega, sob pena de a feliz expressão glosada pelo jornal português ‘A Bola’ se possa tornar uma realidade definitiva:

– ADEUS É BRASILEIRO…

5 comentários:

Unknown disse...

Caro Rui.
Excelente texto. Não esqueça que uma empresa jornalística é dona do futebol no Brasil. Portanto, pagando direitos de transmissão , hoje a principal fonte de receitas dos clube, baseado na premissa mercadológica e não esportiva, sufocando a grande maioria dos clubes. Saliento que não confio na maioria das diretorias que administram este clubes, portanto não posso afirmar que trataria estes recursos em prol da desenvolvimento das bases na descoberta de valores. Mas, acredito que teríamos uma rede maior de clubes revelando e conservando seus valores. abs

Ruy Moura disse...

Sem dúvida, amigo. As diretorias são amadoras e olham primeiro para si mesmas em vez de olharem para os clubes que representam e pelos quais foram eleitos.

Não tenho muita esperança que as coisas mudem, mas continuarei nesta trincheiro combatendo.

Abraços Gloriosos.

Sergio Di Sabbato disse...

Rui, parabéns, texto brilhante que deveria ser lido por todos aqueles que querem o bem do futebol brasileiro. Apenas uma correção, provavelmente um lapso: a Espanha foi goleada pela Holanda. Concordo plenamente com você e digo isso a anos, que o futebol brasileiro nunca teve um técnico a alturas dos melhores técnicos do planeta, mas foi abençoado com jogadores extraordinários, por esta razão temos 5 copas. Com o nosso amado Botafogo a mesma coisa, porém a de se ressaltar que no passado os dirigentes do glorioso amavam o clube e investiam de próprio bolso, hoje é o contrário. Um detalhe importante é que o nosso profissionalismo é de um amadorismo vulgar desde que foi implantado o profissionalismo: favorecimento a alguns clubes, armações de tribunal, e tudo que já sabemos. Com a ditadura o uso político do futebol aumenta e com a entrada da mídia, a globo, dona do futebol no Brasil a coisa chega a níveis insuportáveis. A Lei pelé não foi um projeto para melhorar o esporte e a vida dos jogadores, muito pelo contrário, foi a pá de cal nos clubes. Enfim, deveríamos refletir sobre o que aconteceu e o que acontece no futebol. O pior é que tudo isso é reflexo da cultura do país, que parece teimar em não querer dar certo. Abs e SB!

Ruy Moura disse...

O meu maior receio, Sergio, é que o país não queira dar certo. Não vejo atitudes assertivas, vigorosas, 'patrióticas'. Vejo interesses, interesses, interesses... E vejo o prazer dos brasileiros quando falam do 'jeitinho brasileiro', isto é, o 'jeitinho' que mata qualquer tentativa de profissionalismo, de trabalho árduo, de conquistas suadas.

Espanha goleada pela Alemanha foi lapso, claro. Muito obrigado pela correção. Faça-o sempre, é um favor que me presta.

Abraços Gloriosos.

Sergio Di Sabbato disse...

Curiosamente hoje, meu concerto para 2 Violoncelos será tocado no Teatro São Pedro no RGS, por um solista alemão e um brasileiro que mora na Alemanha a muitos anos. É a 1ª vez que um música daquele país toca uma obra minha. Não conheço a Alemanha mas conheci vários alemães ao longo de minha carreira e pelo menos aqui, com raríssimas exceções sempras foram muito simpáticos e não posso negar a admiração que tenho pelos compositores alemães, principalmente os clássicos e os românticos. Porém, a Itália mora no meu coração e com isso contabilizo 9 títulos mundiais, mas o amor verdadeiro, ganhando ou perdendo é o Botafogo. Abs e SB

Botafogo campeão estadual de futebol sub-17 (com fichas técnicas)

Fonte: X – Botafogo F. R. por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo O Botafogo conquistou brilhantemente o Campeonato Estadual de Futebol...