por FAUSTO NETTO
SEM MISTÉRIO
Que mistério existe no trabalho
de Neca? O que explica tantos sucessos? Aparentemente, todos os clubes fazem o
mesmo. Mas só no Botafogo dá certo. (A maior prova: a invencibilidade de 110
jogos da Escolinha.)
- Não há mistério, apenas alguns
princípios: seleção rígida, disciplina sem exageros, ensino dosado, preparação
psicológica paralela.
O curso – vamos chamar assim o
trabalho de Neca – começa numa divisão não-oficial: mini-dentes-de-leite. Ideal seria que todos entrassem nela, mas
muitos já chegam com idade para o dente-de-leite, outros diretamente para a
Escolinha.
Tôdas as semanas aparecem meninos
para treinar, mas só ficam os que revelam bom futebol.
- Mascarados, desobedientes,
êstes eu corto logo nos primeiros dias, pois não quero elementos desagregadores
no grupo. Selecionado, o menino passa por exames médicos de rotina e tem que
provar estar estudando.
- Divido o trabalho em várias
etapas. Dos seis aos dezoito anos (idade limite do juvenil) há tempo para
ensinar muita coisa.
UMA BOA DISCUSSÃO
Os preparadores Álvaro Antônio,
Paulistinha (ex-jogador) e o sargento Ari se encarregam da parte física. O médico
José Mendel e o massagista Wallace são os encarregados da assistência médica.
- Logo que o menino chega aqui
procuro ensinar a êle como deve andar dentro de campo, como deve se colocar.
Depois vem o longo período de treinamento com bola. Êle tem que ser capaz de
fazer tudo com a bola, com os dois pés, cabeça e peito.
Tuca, ponta-direita da Escolinha,
dezesseis anos, 1,85m, passou por todos os estágios do curso:
- Cheguei com nove anos. Sabe o
que Neca fazia comigo? Me segurava pela mão e me puxava pela ponta direita, me
ensinando a correr direito. Depois me fazia ficar horas chutando uma bola.
Depois tentando driblá-lo pelos dois lados. Aprendi tudo com o Neca.
- O pai do Ferreti está sempre
discutindo comigo. Êle acha o Ferreti melhor do que o Tuca. Mas está errado. O
Tuca tem mais futebol e disposição.
Depois de um curso completo de técnica,
quando o menino conhece razoàvelmente todos os segredos da bola, é que êle
começa a jogar. Aí principia o aprendizado da parte tática, do qual Neca não
abre mão.
A GRANDE ESPERANÇA
- Futebol é jogado com onze. De
que adianta um menino saber fazer tudo com a bola, se êle não pensa que joga
com dez ao seu lado, se êle se julga capaz de vencer onze adversários?
Um dia chega a hora da separação.
O menino já deu muitas vitórias ao time da Escolinha, já tem seus fãs – e passa
para a categoria juvenil. A partir daí, Neca só o vê de vez em quando.
- Mas um dia eu descubro, um
Pelé, um Garrincha e, aí, vou me sentar na arquibancada e poder contar para os
meus amigos: “Quando aquele menino ali chegou no Botafogo nem sabia andar
direito de chuteiras. Fui eu quem ensinei”. Pode demorar, mas êste dia chegará.
[Nota do
Mundo Botafogo: O futebol brasileiro não gerou mais nenhum Pelé nem mais nenhum
Garrincha até aos dias de hoje, e será muito difícil vir a gerar craques de tal
nível, mas o trabalho de Neca foi simplesmente NOTÁVEL.]
Fonte:
Placar Magazine, nº 58, 23.04.1971.
Sem comentários:
Enviar um comentário