por PEDRO ARÊAS, 25/08/2014
[A partir de hoje o Mundo Botafogo
inicia uma história ‘de avô para neto’, ou a ‘história dos palhaços mais
fantásticos do mundo no circo de alegria popular’, narrada pelo neto, relembrando as conversas com o seu avô. Muitos me perguntam porque sou
Botafogo, quatro décadas após ter deixado de viver no Rio de Janeiro. Não
explico que fui escolhido, não. Ser apenas escolhido é não ser protagonista, é
deixar que o meio nos envolva em vez de dominarmos o meio. Explico que eu fiz a
minha infância e a minha juventude no Rio. Que sou meio luso-carioca… Que a
minha irmã e os meus primos são brasileiros… Que o Clube de criança, o primeiro
de todos os Clubes, fica gravado para sempre no coração de criança... Que… Que…
Que… Na verdade, meus amigos e minhas amigas, se querem saber porque sou Botafogo
desde pequeno, leiam a extraordinária história narrada por Pedro Arêas ao seu
neto, em dez capítulos, num dia de angústia de 2014, quando tudo indiciava que
o Clube da Estrela Solitária era ‘candidatíssimo’ à segunda divisão do campeonato
brasileiro de futebol e que a vergonha das gentes botafoguenses de bem era
profundamente sincera, enquanto, sem dó nem piedade, um chefe e a sua corja
tentavam destruir para sempre um dos maiores patrimônios do futebol mundial.
Leiam. Está tudo explicado, palavra por palavra, na soberba crónica de um
Botafoguense que viveu o Circo da Alegria. Tal como eu.]
Capítulo 1
Para meu avô Zeca, que passou a paixão para meu pai.
Para meu pai Zé Pedro, que amou e ensinou a amar.
Para meu primo Kako, que varre os restos, ajeita a casa e ajuda a
manter o antigo circo de pé.
Para os milhares de alvinegros espalhados por este circense
Brasil.
Vem cá meu Neto querido, moleque bom, senta aqui em meu colo que
preciso urgentemente lhe contar uma história. Uma história real que vivenciei de pertinho,
fui testemunha ocular, antes que aquele alemão me tome de assalto o restante dos neurônios que
ainda me elucidam. Não, não, não, calma, calma, calma, não é aquele dos 7x1 não, é o Alzheimer,
outro alemão filho de uma vaca, danado! Vem cá, é exatamente sobre o avesso desse espetáculo
traumático que você assistiu mês passado. Vem sem medo, senta aqui. Isso.
É sobre o nosso Botafogo de Futebol e Regatas. Em nossos selecionáveis tempos, nós enfiávamos 7 com
frequência. Sete, vamos citar bastante este numeral mais adiante. Vamos lá. Quando eu tinha mais ou
menos a sua idade já amava o espetáculo futebolístico, me preparava para ir ao Maracanã com meu
pai e meu avô, como quem ia ao circo, meu Neto, isso, isso mesmo, ao circo! Nada de arenas
de MMA. Vestíamos orgulhosamente nossos
uniformes sem estranhas superstições em busca de conquistas metafísicas, apenas para fazermos parte do espetáculo com
nossos circenses jogadores. Radinho de pilha e uma almofada com o símbolo do Glorioso para os mais
antigos espantarem os incômodos das arquibancadas de cimento. Íamos de trem ou
de bonde com outras numerosas famílias, não havia engarrafamento, todos caminhavam
tranquilamente até as bilheterias sem reclamar da prefeitura ou do governo, ingressos na hora, sem
cartões magnéticos falsificáveis, catracas não eram eletrônicas e funcionavam bem, obrigado!
Podíamos levar nossas carteiras com todos os documentos
identificadores e algum dinheiro em espécie dentro. Calçadas não possuíam buracos oriundas de obras inacabadas de campanhas políticas
anteriores, tapumes e placas de compensado não compunham o cenário. Bares internos e externos
vendiam uma saborosa Brahma que não era aguada, segundo os adultos, com alguns bons graus de
álcool sem receios, nada dessa Brahma zero dos infernos! Cachorro quente e pipoca, genial! Um
moço uniformizado com um engraçado capacete combinando em suas cores com uma mochila barril
que carregava nas costas demasiado pesada conectada a uma mangueira prateada que jorrava
para dentro dos copos um refrigerante gasoso que, apesar de fazer mal, era bem saboroso.
Metade do copo vinha com uma densa espuma, esperávamos baixar demoradamente, ou mergulhávamos o
dedo indicador em suas bolhas para
acelerarmos o processo de decomposição, ou bebíamos todas suas impurezas tossindo para recebermos o ‘choro’ final. Receita
infalível para qualquer espetáculo.
Havia menos policiais fardados dentro do estádio do que os artistas da bola.
Os gritos das torcidas eram gargalhadas, daquelas de fazer escorrer uma lágrima furtiva no
cantinho de nossos olhos, daquelas de sacudir todo o corpo como se nossos órgãos vitais estivessem
participando do ato, daquelas de deixar escapulir um pouquinho de xixi na roupa, sabe? Esse era o
som ulterior a uma nascente mágica.
2 comentários:
Belíssima descrição que me fez ver as imagens daqueles tempos guardadas na memória.Esse início me fez voltar no tempo e recordar quando pequeno ia com meu pai ao Maracanã, desde cedo para assistir aos jogos de aspirantes que precedia os profissionais. Bons tempos em que o futebol brasileiro era alegre e bem jogado e o país era motivo de esperança. Bons tempos.Estou ansioso pelo próximo capitulo. Abs e SB!
A ditadura militar acabou com tudo isso: com o bom futebol e com a esperança, que teima em não regressar.
Eu nunca o fiz, mas, curiosamente, quando o meu pai era jovem, ia para o estádio logo de manhã e assistia aos jogos todos do dia.
O II Capítulo sai amanhã.
Abraços Gloriosos.
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